Tamanho da fonte:
A outra face da linda mulher gaúcha: a violência contra a mulher em registros da Lei Maria da Penha
Resumo
A violência contra a mulher caracteriza-se por um histórico social de sujeição e passividade em que a mulher foi submetida por séculos. Modelos familiares estereotipados, papéis estabelecidos, a dominação física e o silêncio da vida privada, contribuíram para que esta discriminação de gênero perdurasse por muito tempo, permitindo ao homem ter domínio e controle sobre a mulher (Cortizo & Gayeneche, 2010; Bandeira, 2009). Nesse sentido, este estudo investigou o perfil dos personagens envolvidos nos casos de violência contra a mulher, sobretudo em relação à mulher em situação de violência e ao homem em situação de agressão. Os dados se referem às ocorrências enquadradas na Lei Maria da Penha durante o ano de 2010, em 103 boletins de ocorrência registrados na Delegacia de Polícia Civil de um município do interior do Rio Grande do Sul. Verificaram-se dados referentes ao perfil da mulher em situação de violência (idade, escolaridade, situação conjugal e violência sofrida); ao perfil do homem em situação de agressão (idade, escolaridade e uso de substância); aos tipos de violência sofrida pela mulher; o desejo de representação criminal contra o agressor; as solicitações de medidas protetivas; e a ocorrência de reincidências nos casos investigados. Os procedimentos adotados para esta pesquisa foram os seguintes: Assinatura do Termo de Concordância da Instituição para a realização da pesquisa; levantamento documental dos Boletins de Ocorrência (BOs) referentes à Lei Maria da Penha; e Tabulação dos dados em planilha estatística SPSS versão 13.0. Foram realizadas análises estatísticas descritivas e de frequência simples para as variáveis de interesse e, por fim, foi realizada devolução da pesquisa para a instituição. Observou-se neste estudo, na amostra geral, idade média de 35,8 anos (DP=12,7) para as mulheres, sendo que as idades variaram entre 15 e 88 anos, destaca-se também que 68% destas mulheres tinham até 40 anos. Em relação à escolaridade das mulheres, na amostra geral, a pesquisa mostrou que esta varia entre Ensino Fundamental Completo (57,7%) e Ensino Médio Completo (29,9%). Apenas 5,8% das mulheres são analfabetas. A configuração conjugal dos casos foi caracterizada da seguinte forma: União Estável (37,5%), Solteiras (26,9%), Casadas (20,2%) e Separadas (13,5%). Em relação aos tipos de violência registrados nos boletins de ocorrência, dizem respeito à violência psicológica (86,5%), à violência física (44,2%) à violência patrimonial (30,8%), Moral (16,3%) e Sexual (1,9%). Em relação ao perfil do homem em situação de agressão, na amostra geral, a idade média do homem foi de 38,8 anos. A escolaridade variou entre Ensino Fundamental Completo (48,1%), Ensino Médio Completo (21,2%) e Não Alfabetizado (17,3%). O uso de substância, em especial o álcool, na amostra geral, esteve associado em 39,4% dos casos, estando mais presentes em homens denunciados pelas mulheres com mais de 40 anos (63,6% dos casos). Nesse sentido, observa-se a faixa etária jovem das mulheres em situação de agressão (até 40 anos), uma maior escolaridade das mulheres em relação aos homens e a figura do companheiro como sendo o agressor. Em relação ao tipo de violência notificada, na amostra geral, observa-se que o abuso psicológico e físico são os mais frequentes. Os resultados apontaram que o Sábado e o Domingo (33,6%) são geralmente os dias em que mais ocorrem atos de violência contra a mulher, sendo que estes ocorrem no turno da noite em 51,9% dos casos. Verificou-se, ainda, que 50% das mulheres relataram que as agressões já haviam ocorrido anteriormente, sendo que destas apenas 16,3% notificaram na Delegacia. Destaca-se a alta prevalência do uso de álcool por parte dos homens agressores, sendo que esta região tem forte colonização germânica e italiana, onde estas culturas trazem o hábito do consumo da bebida alcoólica muito presente. Os resultados encontrados nesta pesquisa podem fornecer subsídios para uma maior compreensão da dinâmica da violência contra a mulher e para o enfrentamento do fenômeno. A violência de gênero, perpetrada contra a mulher não podem ser naturalizada, ou banalizada, especialmente no estado do Rio Grande do Sul que carrega um discurso histórico de autoritarismo do homem e uma herança machista, tendo a mulher como uma figura de posse. É necessário um forte movimento para a quebra deste ciclo de violência, fortalecendo e valorizando a mulher e seu papel social e, também criando mecanismos de prevenção e proteção, através de uma rede de serviços estruturada e capacitada para compreender e atuar frente à violência contra a mulher. Palavras-chave: Violência contra a mulher, Lei Maria da Penha, Delegacia de Polícia Civil.