Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Desenhando a violência: as representações sociais da violência contra mulher de usuárias da Atenção Básica de Saúde
Joannie dos Santos Fachinelli Soares, Sandra Maria Cezar Leal, Marta Julia Marques Lopes

Resumo


Introdução. Estudo é um recorte de uma tese1 e aborda as representações sociais (RS) de usuárias da Atenção Básica de Saúde (ABS) acerca da violência contra a mulher (VCM). Este tipo de violência é caracterizado por “atos repetitivos, que vão se agravando, em frequência e intensidade, como coerção, cerceamento, humilhação, desqualificação, ameaças e agressões físicas e sexuais variadas”2: 13. Tais atos são perpetrados por (ex)companheiros íntimos, portanto, além da dor física, a mulher também sente a dor de ser agredida por alguém que ama ou que amou e o domicílio é transformado em espaço de vulnerabilidade a esses eventos(3). Destaca-se que mulheres em situação de violência tendem a utilizar com maior frequência os serviços de saúde, porém a assistência tem baixo poder resolutivo, acarretando maior custo ao Sistema de Saúde em consequência do seu uso repetitivo e ineficaz4,5. O objetivo deste estudo foi conhecer as RS da VCM das usuárias da ABS, em um distrito de saúde de Porto Alegre/Brasil. Método. Trata-se de uma pesquisa qualitativa na perspectiva teorico-metodológica das Representações Sociais6. Realizado com 10 grupos distintos de mulheres e totalizou 122 participantes. Os encontros foram organizados pelos profissionais das UBS, que convidaram mulheres da demanda dos atendimentos para participar de “uma pesquisa sobre VCM”. Após breve apresentação da pesquisadora e do estudo, foi entregue para cada participante um questionário com cinco questões e imagens-estímulo. Neste trabalho apresenta-se a análise da última questão, que solicitava fazer um desenho, representando a violência na vida de uma mulher. Das 122 participantes 85 fizeram o desenho. Depois que todas entregaram os formulários de pesquisa, fez-se a apresentação mais detalhada da pesquisadora e realizada discussão sobre o tema da violência de gênero. Salienta-se que a metodologia adotada não ficou restrita à mera coleta dos dados; em todos os encontros promoveu-se interlocução com as participantes, estabelecendo, na forma de oficina, a discussão do tema, abordando principalmente: a VCM, como um problema de Saúde Pública, as razões de as mulheres permanecerem tanto tempo em uma relação violenta, além dos sinais de alerta que podem indicar possibilidades dessa situação. Essa dinâmica foi chamada “fuxicando sobre a violência” e incluída em procedimentos de caráter de respeito (ético) às participantes e como momentos de sensibilização, no sentido de responder (lidar) aos sentimentos mobilizados nas dinâmicas de pesquisa. Realizou-se análise de conteúdo na perspectiva das RS de Moscovici. Seguiu-se os aspectos éticos em pesquisa7. Resultados e discussão. Nesta análise, a partir das imagens da violência expressa pelas mulheres, foi possível fazer algumas reflexões acerca da influência geracional nesses eventos. Dentre as 15 mulheres com idade acima de 60 anos, 10 desenharam cenas de violência envolvendo casais, incluindo crianças e bebês. A violência no período gestacional também foi representada por uma delas. Outra representação que merece destaque é a “vontade/decisão” de “ir buscar os direitos”, indicando que passou a vida “convivendo” em uma relação violenta. Duas figuras parecem terem sido desenhadas pela mesma pessoa, o que é provável, pois são mulheres que participaram do mesmo grupo. Entretanto, tiveram o cuidado de nomear os “atores” das cenas, marcando que são diferentes mulheres e histórias próximas de violência, o que pode indicar duas gerações vivendo o mesmo momento, em um cenário parecido e sentindo a mesma vontade de romper com a relação violenta. As representações nas imagens desenhadas pelas 10 adolescentes foram de cenas expressando morte, violência de gênero e de subordinação da mulher ao homem. As cenas representando violência de gênero, também traduziram a expressão de sofrimento e as marcas físicas no corpo, sendo que em um dos desenhos a mulher não tinha rosto, representando uma imagem de pessoa disforme. Destacam-se, também, as imagens representando vergonha e agressão verbal e, o álcool como elemento desencadeante da agressão. Porém, em relação ao consumo de álcool, os contextos relacionados a ele são diferentes para as mulheres jovens e para as adultas. As jovens representaram o álcool como único elemento ou dividindo a cena com o “casal”, enquanto as mulheres adultas incluíam o álcool como elemento causador da agressão individual e responsável pela negligência do homem no sustento da família. Essa imagem separa e vitimiza a família, estando os filhos incluídos na cena e nas consequências. As queixas das mulheres relacionadas à irresponsabilidade do homem no sustento dos filhos foi relatada em outra pesquisa8 com um grupo de população de baixa renda, de uma vila de Porto Alegre. A pesquisadora explica que como muitos homens enfrentam o mesmo dilema de não ter como sustentar a família, no bar eles tentam “esquecer suas obrigações familiares e juntos bebem o dinheiro destinado às compras/provisões”8: 31. Portanto, entre os homens existe a cultura de dividir “as alegrias e os bons momentos com os amigos”, enquanto cabe à mulher aguardar pacientemente que a “vida melhore”, situações essas que são agravadas quando envolvem, além da negligência, a violência de gênero. Considerações finais. Diante das representações expressas nas evocações analisadas, identifica-se que a violência é um problema presente em todas as faixas etárias, sendo que a partir da idade adulta é agravado pelo frequente aumento do número de filhos, em especial, para as mulheres que não conseguem romper a relação violenta e, para sobreviver elaboram estratégias “para continuar levando a vida”. Destaca-se que em nenhum momento as usuárias incluíram os serviços de saúde como elemento de acolhimento das suas necessidades, para além do tratamento das lesões físicas, resultados das agressões. Pode-se analisar que a ABS não se constitui em espaço protetivo e não contribui para configurar o campo institucional da Saúde Pública na perspectiva da atenção integral esperada no enfrentamento das situações que dão formas e perpetuam a violência como um evento “banal” na vida das mulheres usuárias. Palavras-chave: Violência contra a mulher; Representações Sociais; Atenção Básica de Saúde. Referências 1.Leal SMC. “Lugares de (não) ver?” – As representações sociais da violência contra a mulher na atenção básica de saúde. Porto Alegre, 2010. 308 f. Tese (doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, 2010. 2.Leal SMCL, Lopes MJM, Gaspar MFM. Representações sociais da violência contra a mulher na perspectiva da enfermagem. Interface (Botucatu). 2011;15(37): 409-424. 3.Soares B. Enfrentando a violência contra a mulher. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; 2005. 4.Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, França-Junior I, Pinho AA. Violência contra a mulher: estudo em uma unidade de atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2002;36(4): 470-7 5.Bonfim EG. A violência doméstica contra a mulher na perspectiva da atenção pré-natal pública. [dissertação]. Porto Alegre: Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2008. 6.Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores; 1978. 7.Brasil. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF); 1996. 8.Fonseca C. Família fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2ª ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS; 2004.