Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Femicídios em Porto Alegre: Revisão de Inquéritos Policiais dos anos de 2006 e 2007
Bruna Alexsandra Rocha da Rosa, Ane Freitas Margarites, Stela Nazareth Meneghel, Socorro Lima, Stefania Rosa da Silva

Resumo


Introdução A violência contra as mulheres, atualmente designada como violência de gênero, foi considerada como um problema de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde, em 1990. Esse tipo de violência atinge mulheres de todas as idades, raças e classes sociais embora aconteça com maior prevalência entre mulheres dos estratos menos favorecidos na sociedade. A violência de gênero acarreta graves repercussões à saúde física e mental não só das mulheres atingidas, mas também dos familiares. A maioria desses atos ocorre no ambiente doméstico e o agressor geralmente, é pessoa conhecida, da confiança e do convívio da vítima. Violências contra as mulheres compreendem um amplo leque de agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial que ocorrem em um continuum que pode culminar com a morte, quer seja por suicídio, quer seja por homicídio, fato que tem sido denominado de femicídio (KRUG, 2000). Femicídios são assassinatos de mulheres decorrentes de condições relacionadas a gênero. Incluem quaisquer manifestações ou exercício de relações desiguais de poder entre homens e mulheres que culminam com a morte de uma ou várias vítimas. Na última década, em vários países, as violências de gênero mostraram cifras elevadas e ascendentes (ELLSBERG, 2008). Algumas estudiosas entendem que este aumento pode ter sido acentuado pela própria ação dos movimentos sociais que, ao denunciar sua ocorrência, propiciaram uma maior visibilização do fato. Os femicídios acontecem em situações de complacência das autoridades e instituições que estão no poder, quer seja político, econômico ou social. Decorrem de sistemas sociais de gênero, que atribuem uma posição de subalternidade às mulheres, resultantes das desigualdades produzidas pelo sistema patriarcal. As informações aqui contidas fazem parte da investigação dos inquéritos policiais referentes aos assassinatos de mulheres ocorridos no período de 2006 e 2010, entretanto apresentaremos nesse resumo apenas os dados quantitativos dos anos de 2006 e 2007. Esta pesquisa tem por objetivo principal descrever o perfil dos homicídios femininos em Porto Alegre, discriminando a fração destes homicídios femininos a qual correspondem aos femicídios, identificando o perfil das vítimas e do agressor. Método O objeto central desta investigação é o estudo de assassinatos baseados em gênero em Porto Alegre dando ênfase especial ao femicídio. O estudo é de caráter quantitativo e nos permitirá identificar as características socioeconômicas e culturais das mulheres afetadas, a descrição do evento violento e a fração dos óbitos que pode ser considerada “femicídio”. Para cada homicídio, foi realizada a leitura integral do inquérito policial, na Delegacia de Homicídios de Porto Alegre, com registro dos dados da vítima, do indiciado e do relatório final, onde há a síntese dos depoimentos de todos os envolvidos. Foram também coletadas informações da declaração de óbito, identificando se as informações ali contidas caracterizam morte violenta, assim como, foram analisadas as fotos, em uma tentativa de perceber o contexto socioeconômico da vítima e do homicida. Resultados Os resultados preliminares apresentados neste texto são provenientes de quarenta e dois inquéritos de assassinatos de mulheres, obtidos a partir de dados da Delegacia de Homicídios em Porto Alegre. As conclusões apontam que, quanto ao tipo de agressão sofrida, 26 destes óbitos foram caracterizados como femicídios (62%), sendo incluídas nesta classificação as mortes perpetradas por companheiros e ex-companheiros, as execuções de mulheres e as violações sexuais. Quanto à faixa etária, os femicídios predominaram em sua maioria (60,8%) entre mulheres jovens (20 aos 39 anos), sendo 89% das vítimas mulheres brancas e 11% mulheres negras. Dos 26 femicídios 5 (19%) eram prostitutas e observou-se em alguns dos inquéritos destas mulheres que não houve indiciados e as investigações foram rapidamente encerradas. Houve violência sexual em três mortes das cinco trabalhadoras do sexo, evidenciando o quanto estão expostas às violências. Quanto a características do agressor, em 20 casos (77% das situações) tratava-se de pessoas que tinham algum vínculo com a vítima, como companheiros, ex-companheiros, familiares, “amantes” ou conhecidos, confirmando a ocorrência de crime pautado em gênero. Em consequente análise, observou-se que a maioria deles era jovem, estando na faixa de 19 a 39 anos de idade e 21% dos homicidas eram negros. A análise da profissão do agressor mostrou um predomínio no trabalho informal. A finalização deste trabalho possibilitará construir o perfil das mulheres assassinadas em Porto Alegre a partir de diferentes fontes documentais. A confrontação de dados de diferentes origens teve por finalidade permitir uma maior aproximação do real percentual dos assassinatos correspondem a femicídios. Os assassinatos de mulheres têm sido registrados tendo uma média de 40 homicídios femininos/ano ao longo dos anos 2000 (DATASUS, 2008). Contudo, os dados obtidos na Delegacia de Homicídios de Porto Alegre diferem dos dados contidos no DATASUS tendo provavelmente essa divergência uma relação com a não conclusão dos inquéritos policiais. Discussão Estudos realizados em diversos países mostram que entre 60% e 70% dos homicídios totais de mulheres correspondem a femicídios. Nos Estados Unidos estima-se que 63% dos homicídios de mulheres são cometidos por companheiros ou ex-companheiros e a maioria destes femicídios ocorreu nos domicílios das vítimas. Estes dados são similares ao Canadá, onde entre 60% e 78% dos homicídios femininos são cometidos pelo marido, ex-marido ou companheiro (CARCEDO & SAGOT, 2000). Os resultados encontrados no nosso estudo estão de acordo com estas informações, visto que encontramos um percentual similar aos descritos (62% de femicídios). Na América Latina, muitas mulheres assassinadas pertencem aos setores marginalizados da sociedade e comumente as mídias apresentam as vítimas como prostitutas, operárias das fábricas e montadoras transnacionais conhecidas como “maquilas” em países de língua espanhola, e membros de gangues ou redes de narcotráfico. Em suma, mulheres jovens e pobres, migrantes, procedentes de áreas favelizadas ou irregulares, que realizam trabalhos precários estão em situação de elevada vulnerabilidade. No Brasil, investigações sobre o tema mostram que os femicídios predominam entre mulheres jovens, brancas, com nível fundamental de ensino e profissões não qualificadas (MENEGHEL, HIRAKATA, 2011). No nosso estudo, novamente os dados corroboram aos dados apresentados acima, tendo um predomínio de femicídios em mulheres brancas, jovens, com baixa escolaridade e profissões sem qualificação profissional. Em geral, a violência contra a mulher é exercida no espaço doméstico e tem, como agressor, homens com os quais as mulheres mantêm relações afetivas, sexuais ou familiares. Nos resultados encontrados nesse estudo, 77% dos agressores mantinham algum tipo de vínculo com a vítima. Conclusão As inferências dos dados trabalhados permitem determinar o perfil das vítimas e agressores envolvidos em homicídios de mulheres ou femicídios, na cidade de Porto Alegre. Vítimas e agressores são pessoas com baixo poder aquisitivo e baixa escolaridade, empregos precários, residências em locais desfavorecidos no território urbano, com história conflitos e agressões prévias dirigidas ás mulheres, configurando um quadro de vulnerabilidades sociais agudizadas pelas desigualdades de gênero.