Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Femicídios no Rio Grande do Sul, Brasil
Gabriela Tomedi Leites, Stela Nazareth Meneghel

Resumo


Introdução: A violência contra as mulheres, um dos problemas sociais ainda com pouca visibilidade, é caracterizado por agressões de caráter físico e psicológico, em casos extremos envolvem torturas, mutilações, crueldades e/ou violência sexual, por vezes culminando assassinato por razões de gênero, definido como femicídio (Russell & Radford, 1992). Essas ações caracterizam a violação contínua e sistêmica dos direitos das mulheres e dos direitos humanos como uma forma de dominação, exercício de poder e controle masculino (Kaye, 2007). Uma limitação encontrada na contabilidade do número real da mortalidade feminina por agressão é a ausência de informações, pois os sistemas de informação não oferecem estatísticas precisas quanto ao número de vítimas, suas características, relação como os agressores, a causa da morte, motivação para o crime e histórico de agressões. Nesse sentido o objetivo desse estudo foi determinar a mortalidade feminina por agressão (MFA) segundo as Microrregiões do Rio Grande do Sul, Brasil; e sua associação com variáveis econômicas, demográficas e de saúde. Métodos: Este é um estudo ecológico que relacionou a MFA, segundo as Microrregiões do estado do Rio Grande de Sul, Brasil, com variáveis demográficas, socioeconomicas e de saúde para o período de 2003 a 2007. Para a determinação do coeficiente de MFA, foram considerados os homicídios femininos com as categorias da 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças, intervalo X85-Y09, procedentes do Sistema de Informações de Mortalidade. O coeficiente foi calculado segundo as 35 microrregiões para o período indicado. As variáveis independentes e populacionais, foram obtidas da Fundação de Economia Estatística, do Ministério da Saúde/DATASUS e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Foram selecionados 26 indicadores, subdivididos em: econômicos, demográficos e de saúde. Os dados foram compilados e os coeficientes de MFA foram padronizados utilizando a população padrão da OMS. Para a análise estatística utilizou-se o teste de correlação de Pearson. Para verificar as variáveis explicativas foi realizada uma regressão linear múltipla, método de Backwars, na qual foram incluídas no modelo as variáveis que apresentaram valores de p<0,20 na correlação de Pearson, sendo excluídas as variáveis que apresentaram multicolinearidade. Resultados: No Rio Grande do Sul no período de 2003-2007 o coeficiente de mortalidade feminino por agressão médio padronizado de 3,1±1,44 óbitos/100.000. Após verificar o coeficiente de MFA segundo as 35 microrregiões do estado do RS os que apresentaram maiores coeficientes no período foram: Frederico Westphalen (6,22), Ijuí (5,57), Vacaria (5,22), Campanha Meridional (4,65), Passo Fundo (4,2), Cruz Alta (4,14) e Porto Alegre (4,13). A análise bivariada das variáveis independentes com a MFA mostrou os seguintes resultados: os indicadores econômicos não se relacionaram com a MFA, dos demográficos, apenas a prevalência de 1 a 3 moradores por domicílio (p = 0,04) apresentou relação com MFA e dos indicadores de saúde houve associação entre o coeficiente de mortalidade masculina por agressão (p = 0,018) e o coeficiente de hospitalização por álcool (p = 0,015). Na análise final de regressão linear múltipla as variáveis explicativas foram o coeficiente de mortalidade masculina por agressão (p = 0,009) e hospitalização por álcool (p = 0,008), ambas explicando 28,5% dos caos (r2 ajustado = 0,285). Discussão: O coeficiente padronizado de MFA entre os anos de 2003 e 2007 no Rio Grande do Sul apresentou-se elevado (3,1±1,44 óbitos/100.000), apesar de apresenta-se inferior ao encontrado no Brasil 4,1 óbitos/100.000 no mesmo período (Meneghel & Hirakata, 2011). Dentre as microrregiões do RS com os coeficientes mais elevados encontram-se Frederico Westphalen (6,22), Ijuí (5,57) e Vacaria (5,22), apresentando valores superiores à média brasileira e comparando-se aos estados de Roraima (6,0), Mato Grosso do Sul (6,7), Goiás (5,19) e São Paulo (4,88) que foram as regiões com situação mais crítica no contexto brasileiro (Meneghel & Hirakata, 2011). Os femicídios têm sido fortemente associados a situações de desigualdade e discriminação de gênero, privação econômica e masculinidade agressiva e machista. Assim, como encontrado no Brasil no RS a mortalidade masculina por agressão teve relação com os femicícios, mostrando a associação entre um indicador de violência urbana com um de violência de gênero (Meneghel & Hirakata, 2011). Esses territórios compreendem o espaço urbano disputado pelo tráfico e as regiões de fronteira, onde ocorrem conflitos, além de um quadro relacionado à impunidade, o esfacelamento do Estado e o não cumprimento da legislação (Campbel et al. 2007). Ainda, outra relevante questão observada no presente estudo é a relação entre consumo de álcool e crime que é reconhecida como um sério problema social em todo o mundo. O consumo excessivo de álcool é um grave problema de saúde pública e um fator importante no desencadeamento de situações de violência, o que sugere uma associação entre a ingestão de álcool e o homicídio, incluindo aqueles relacionados à violência de gênero. A interface entre o consumo de bebidas alcoólicas e o comportamento violento ou agressivo tem sido matéria de intensas pesquisas em todo o mundo; e embora a associação direta seja difícil, é possível sugerir que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas esteja relacionado a crimes violentos (Arbuckle et al. 1996). Por fim, para reduzir a violência, o Brasil precisa assumir uma postura proativa e democrática, especialmente em relação ao fortalecimento e organização do Estado, oferecendo educação para todos e favorecendo dialogo entre a população e os órgão responsáveis no cumprimento da lei, no intuito de combater esse grave problema social; sem isso haverá incapacidade de lidar com tamanha complexidade, enfatizando também a necessidade de modificar o comportamento da sociedade na culpabilização das mulheres perante ao femicídio (Campbel et al. 2007). Referências Arbuckle J, Olson L, Howard M, Brillman J, Anctil C, Sklar D. Safe at home? Domestic violence and other homicides among women in New Mexico. Ann Emerg Med 1996; 27(2): 210-215.Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse. 2007;8(3): 246-69. Kaye J. Femicide. Online Encyclopedia of Mass Violenc 2007.Meneghel SN, Hirakata VN . Femicídios: homicídios femininos no Brasil. Rev Saúde Pública 2011;45(3): 564-74.Russell DEH, Radford, Jill 1992, Femicide, the politics of woman killing, Buckingham, Open University Press.