Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Gravidez decorrente de violência sexual: um desafio para profissionais e gestores
Rejane Santos Farias, Ludmila Fontenele Cavalcanti, Roberta Matassoli Duran Flach, Maísa Almeida de Lima, Laisa Maia Sant'Ana, Camila Rebouças Fernandes

Resumo


Introdução: A atuação frente à gravidez decorrente de violência sexual, considerada uma segunda violência, é um dos aspectos ainda de difícil enfrentamento. A prevenção da gravidez não desejada, do abortamento e de suas conseqüências, deve se constituir elementos de alta prioridade para os profissionais de saúde. Profissionais e gestores de saúde têm a responsabilidade de garantir a disponibilidade e o acesso adequado à anticoncepção de emergência para prevenir a gravidez forçada. À mulher em situação de gravidez decorrente de violência sexual devem ser esclarecidos sobre as alternativas legais quanto ao destino da gestação e sobre as possibilidades de atenção nos serviços de saúde (assistência pré-natal, doação, anticoncepção de emergência e aborto legal). Objetivo: Esse trabalho integra uma pesquisa avaliativa cujo objetivo é avaliar os serviços de atenção às mulheres em situação de violência sexual no Estado do Rio de Janeiro. Assim, pretendeu-se analisar a incorporação dos parâmetros sugeridos na Norma Técnica “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e Adolescentes” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007) no que se refere à atenção à gravidez decorrente da violência sexual nos serviços de saúde. Método: Foi adotada a pesquisa avaliativa, entendida como o processo sistemático para determinar até que ponto um programa ou intervenção atingiu os objetivos pretendidos (AGUILAR; ANDER-EGG, 1994; SESSIONS, 2001). Essa pesquisa avaliativa envolveu elaboração, negociação, aplicação de critérios explícitos de análise, em um exercício metodológico cuidadoso e preciso, com vistas a conhecer o contexto em que se desenvolve o atendimento às vítimas de violência sexual, estimulando processos de aprendizagem dos profissionais e gestores da saúde. Esse processo de emissão de juízo de valor sobre a intervenção dos serviços deve ser incluído no processo de planejamento das ações com vistas ao seu melhor desempenho. A natureza do objeto da pesquisa avaliativa conduziu à triangulação de métodos e técnicas, através das abordagens quantitativa e qualitativa, capaz de promover o diálogo entre questões objetivas e subjetivas. Desse modo, o universo da pesquisa correspondeu aos serviços de atenção às mulheres em situação de violência sexual situados nas diferentes regiões do Estado (Metropolitana I, Metropolitana 2, Noroeste Fluminense, Norte Fluminense, Serrana, Baixadas Litorâneas, Médio Paraíba, Centro-Sul Fluminense e Baía da Ilha Grande). Foram adotados os seguintes critérios de inclusão dos municípios na amostra: a) população superior a 25.000 habitantes; b) oferta de anticoncepção de emergência e profilaxias pelo município; e c) concordância da Secretaria Municipal em participar da pesquisa. As entrevistas do tipo semi-estruturada, baseadas em roteiro, foram realizadas com os sujeitos sociais da investigação, 112 profissionais de saúde inseridos nos serviços e 34 gestores das unidades onde os serviços estão situados, de 19 municípios das 9 regiões do Estado do Rio de Janeiro. Resultados: Quanto à realização da anticoncepção de emergência, mesmo sendo informada pela maioria dos profissionais de saúde (49), apenas a minoria dos gestores entrevistados (12) mencionou o seu uso. Destaca-se nesse resultado que a disponibilidade da anticoncepção de emergência foi um dos critérios para os municípios participarem da pesquisa, o que aponta para um descompasso entre a informação das secretarias municipais e os gestores. Entretanto, deve-se relativizar que o uso da anticoncepção de emergência não se aplica a todas as situações de violência sexual, uma vez que o autor da violência pode ter utilizado preservativo, assim como a mulher em situação de violência sexual pode estar fazendo uso de algum método contraceptivo. Isso poderia contribuir para a oferta reduzida da anticoncepção de emergência nos serviços de saúde. Sobre o encaminhamento realizado em caso de gravidez decorrente de violência sexual, observa-se que a maioria dos entrevistados de ambos os sub-grupos (13 gestores e 61 profissionais) informa que não é realizado encaminhamento nessas situações. Os entrevistados que informaram que é realizado o encaminhamento mencionaram os serviços de referência para mulheres em situação de violência sexual dentro do município, o serviço de referência para realização do aborto previsto em lei (Hospital Maternidade Fernando Magalhães), o sistema judiciário e a assistência pré-natal. No caso dos profissionais acrescentou-se o encaminhamento para o atendimento psicológico e dos gestores o encaminhamento para o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. Nota-se que a complexidade deste fenômeno acarreta consequências graves para a saúde da mulher, isto exige ações dos gestores e dos profissionais para minimizar esse agravo. A fragilidade da formação profissional, o desconhecimento em relação à legislação vigente e às normas técnicas, a influência da cultura profissional e da religião dificultam a atuação dos profissionais de saúde em relação ao aborto previsto em lei (FARIAS E CAVALCANTI, 2012). Além disso, os profissionais de saúde tem direito a objeção de consciência, ou seja, podem se negar a realizar o procedimento de interrupção da gravidez. Nesse caso, os profissionais que se recusam a realizar a interrupção da gravidez, devem orientar as mulheres acerca do procedimento e encaminhar a outro profissional ou unidade de saúde. Conclusão: O não encaminhamento e o encaminhamento equivocado para o sistema judiciário representam o desconhecimento dos profissionais acerca dos procedimentos necessários nos casos de gravidez decorrente de violência sexual bem como o preconceito frente ao aborto previsto em lei, agravado pela existência de apenas um serviço de referência para o aborto previsto em lei em todo o Estado do Rio de Janeiro. A questão do aborto é muito polêmica, em virtude de questões culturais ainda influenciarem a atuação da equipe de saúde na hora de prestar este atendimento. Referências Bibliográficas: AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas sociais. Petrópolis: Vozes, 1994. FARIAS, Rejane Santos; CAVALCANTI, Ludmila Fontenele. Atuação diante das situações de aborto legal na perspectiva dos profissionais de saúde do Hospital Municipal Fernando Magalhães. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, fevereiro de 2012, cerca de 15 p. Disponível em: http: //www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/artigo_int.php?id_artigo=9330. Acesso em: 28 fev. 2012. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Norma Técnica. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes. Série Direitos Sexuais e Reprodutivos. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. SESSIONS, Glenn. Avaliação em HIV/AIDS: uma perspectiva internacional. Rio de Janeiro: ABIA, Coleção Fundamentos de Avaliação, nº 2, 2001.