Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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HOMOFOBIA À BRASILEIRA - VIOLÊNCIA LETAL E NÃO LETAL CONTRA LGBT, NO PERÍODO DE 2000 A 2007.
Osvaldo Francisco Ribas Lobos Fernandez, Luiz Roberto Mott, Marco Antonio Matos Martins, Erico Silva do Nascimento

Resumo


A construção da violência contra homossexuais como “problema social” foi conquistando maior atenção da opinião pública após a revolta de Stonewall (New York, 1969), tornando-se referência internacional do movimento dos LGBT pela garantia e defesa dos direitos civis. No Brasil essa questão começou a tomar contornos mais definidos nos finais dos anos de 1970, após o “coming out” das primeiras lideranças e grupos organizados, o Somos em São Paulo e GGB na Bahia[1]. Assim, a questão homossexual passa a receber maior atenção dos poderes públicos e da mídia a partir da década de 1980, quando a imprensa apresentou a AIDS com um “câncer gay”, elevando-se sobremaneira o volume de reportagens sobre assassinatos de homossexuais no país. [2] É a gravidade e a urgência de saúde pública, que na virada da década de 1990, aumenta o número de organizações de ativistas, dando início a um debate público acerca de uma série de questões, problemas e lutas em defesa dos direitos humanos da comunidade LGBT no país. [3] Dada a inexistência de estatísticas oficiais sobre violência contra os segmentos homossexuais e a escassez de literatura sobre o assunto, as reportagens jornalísticas e relatórios de grupos ativistas constituíram até, recentemente, as principais fontes de informações e pesquisas sobre a violência praticada contra a população LGBT no Brasil. Esses dados foram utilizados por longos anos por pesquisadores, políticos, Ongs e órgão públicos (nacionais e internacionais), igualmente por ativistas como uma forma de “advocacy” com o intuito de sensibilizar a opinião pública, poderes públicos e da própria comunidade para o desenvolvimento de políticas mais eficazes de assistência, prevenção e promoção dos direitos humanos, embora tais dados tenham sido pouco explorados em seu potencial analítico, com a rara exceção dos trabalhos de Mott (1996a, 1996b, 1997a, 1997b, 2000a, 2000b, 2001, 2002) e mais recentemente pelas investigações do CLAM - Centro latino-americano em sexualidade e direitos humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Como vários pesquisadores têm apontado, o maior problema acerca da investigação sobre crimes homofóbicos no país é a ausência de estatísticas oficiais sobre a notificação dessas ocorrências, tanto por parte dos órgãos de segurança quanto da saúde pública. Moutinho e Sampaio (2005)[4] ressaltam dois problemas nesse tipo de investigação: 1- a ausência de definição da natureza da violência quando notificada; 2- a subnotificação de casos, o que acaba por impedir a construção de indicadores, possibilitando afirmar que a extensão desses eventos é muito mais ampla e sua repercussão está sendo subestimada. Em geral, as ativistas apresentam somente o número de casos de homicídios contra LGBT por mês e anos, reportados pela mídia, ativistas e/ou grupos organizados. Em face desta subnotificação, tal ação frequentemente é incapaz de sensibilizar a opinião pública, pois os números apresentados são considerados pouco expressivos, principalmente quando estimamos a porcentagem de homossexuais na população e as igualmente altas taxas de homicídios na sociedade brasileira. De acordo com Adorno[5], a violência na sociedade brasileira não se restringe ao crime, sendo esta um fenômeno cujas raízes políticas e ideológicas se revestem de um caráter costumeiro, institucionalizado e de imperativo moral. Luiz Mott ao definir “crimes homofóbicos” afirma que a maioria dos homicídios contra homossexuais, geralmente tem como motivo a não aceitação da pessoa e/ou de algumas características associadas à orientação sexual e/ou o estilo de vida LGBT[6]. E mais: os crimes letais são marcados pela crueldade do modus operandi do homicida, incluindo muitas vezes uma morte dolorosa, com tortura, elevado número de golpes e a utilização de diversos instrumentos mortíferos. A respeito da validade de tais dados e do tipo de fonte, carece citar certos cuidados analíticos que se deve ter no tratamento dessas reportagens jornalísticas, pois, muitas vezes, os jornalistas têm como fonte os próprios policiais, os institutos médicos legais e as delegacias de polícia. Em geral, tais repórteres constroem a matéria, mas quem escreve os títulos e faz a redação final é outro profissional – o editor. Em função dessas contingências, as reportagens veiculam representações coletivas sobre a forma de percepção do fenômeno e de seus protagonistas. Tais narrativas carregadas de sangue e mistério, geralmente expressam ou reforçam no imaginário social uma estética da violência de forma espetacular, daí percebermos nessas leituras que as vitimas são duplamente “vitimizadas”, pela violência em si, sendo também responsabilizadas pela própria tragédia devido às características de seu estilo de vida “desviante”. Em geral, observamos que conceitos para a apreensão desse evento baseados no idéia de risco, tendem a dar maior importância e responsabilidade aos indivíduos, enquanto a noção de vulnerabilidade – mais apropriada – enfatiza a relação de fragilidade da própria comunidade LGBT, das respostas sociais e institucionais frente à essa violência. Dessa forma, pesquisar o crime homofóbico através de informações e conteúdos das reportagens jornalísticas entre outros materiais, nos leva a perguntar: qual é a natureza do crime contra homossexuais veiculado pela mídia? De fato, o jornalista ao construir a notícia restringe-se, via de regra, aos relatos fornecidos por policiais e peritos criminais, geralmente o texto é repleto de opiniões de uma série de personagens: vítimas, agressores, policiais, peritos, especialistas, ativistas, familiares etc. A qualificação e a maior cobertura dos crimes homofóbicos parece estar relacionada à política editorial dos veículos de comunicação, a formação profissional do jornalista, mas principalmente ao estigma desta população. Por isso há necessidade de particular cuidado e atenção ao se analisar as representações sobre as vítimas/agressores, e os detalhes acerca dos cenários descritos. Nossa percepção é de que os jornais vêm modificando lentamente a abordagem com relação a esse tipo de crimes, devido principalmente às ações dos grupos de ativistas que reivindicam cada vez mais o respeito a seus direitos e exigindo apuração imediata desses crimes, além de um tratamento linguístico não discriminatório, o que tem resultado em matérias com um tom mais respeitoso às vítimas, menos jocosas e fatalistas. Enfim, há necessidade de cuidado redobrado para lidar com esse tipo de material, exigindo uma crítica do conteúdo ideológico da reportagem, não esquecendo que estas são uma representação e/ou interpretação sobre os fatos sociais, e não tomá-las como o evento em si. Nesse sentido, a quantidade de matérias sobre um mesmo caso pode revelar o impacto desses crimes na sociedade e um série de condicionantes na produção do sinistro como um “fato social”. No caso dos homicídios, por exemplo, as reportagens apresentam uma variação de no mínimo 1 até quinze 15 matérias jornalísticas. Uma exceção foi o caso de Edson Neris (São Paulo, 2000), que ultrapassou em muito esse limite, com 52 reportagens. A participação ativa e indignada das Ongs com relação a esse crime nitidamente homofóbico, praticada por uma gang de skinheads, contribuiu imensamente para explosão de matérias sobre este assassinato. O número de reportagens pode indicar o grau de repercussão do evento-crime, contribuindo para entender a lógica subjacente da produção jornalística dessas reportagens, a interação entre meios de comunicação e a construção da opinião pública. Os dados coletados foram organizados visando uma descrição etnográfica, com abordagens combinadas, tanto quantitativas quanto qualitativa. As informações foram organizadas em tabelas, observando um conjunto de variáveis que possibilitam a caracterização das fontes de informação, dos eventos, das vítimas, dos agressores e das cenas dos delitos. Estabelecemos categorias para sistematizar as informações contidas nesse material, visando construir tipologias acerca das principais formas de violência, suas regularidades e padrões culturais de ocorrência. Tais categorias procuram estabelecer uma relação entre o modus operandi da violência para cada identidade sexual, LGBT, enfatizando a dinâmica cultural e a situação de vulnerabilidade social da comunidade em apreço em diferentes escalas espaciais. [1] SIMOES, Julio Assis: FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Perseu Abramo, 2009. [2] ARRUDA, Roldão. Dias de Ira: uma história verídica de assassinatos autorizados. São Paulo: Globo, 2001. [3] MACRAE, Edward. A Construção da Igualdade - Identidade Sexual e Política no Brasil da "Abertura". Campinas: Unicamp, 1990. [4] MOUTINHO, Laura; SAMPAIO, C. A. M. . Sexualidade, Violência e Justiça: Mapeamento, Localização e Diagnóstico das Pesquisas sobre Violência Sexual e de Gênero no Brasil. In: MOUTINHO, Laura; CARRARA, Sergio; AGUIAO, Silvia. (Org.). Sexualidade e comportamento sexual no Brasil: dados e pesquisas. Rio de Janeiro: CEPESC-UERJ, 2005. [5] ADORNO, S. Crime e violência na sociedade brasileira contemporânea. Jornal de Psicologia-PSI, n. Abril/Jun, 2002. [6] MOTT, L. Manual de Coleta de informações, sistematização e mobilização política contra crimes homofóbicos. Salvador: GGB, 2000