Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


Tamanho da fonte: 
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA MORTALIDADE FEMININA POR AGRESSÃO EM PORTO ALEGRE/RS
Geana Santos Hubner, Stela Nazareth Meneghel

Resumo


Introdução A violência contra a mulher, ou violência de gênero, pode ser: física, sexual, psicológica e patrimonial. As violências que acontecem entre parceiros íntimos, aumentam progressivamente e podem culminar com as formas mais extremas que são o suicídio e o homicídio. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), e para o Ministério da Saúde (MS), a causa de uma morte é registrada de acordo com a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), atualmente na sua décima revisão. Dessa forma, homicídio é categorizado como causa externa de mortalidade incluída nas categorias X85 a Y09, sob o título de “agressões”. Esse termo significa que a violência foi intencional com intuito de causar lesões, danos ou morte da vítima. O assassinato de mulheres também é chamado de femicídio. Tal termo chama a atenção pelo caráter político e social, diferenciando o mesmo dos demais conceitos de cunho médico-legal como homicídio e assassinato. Em 2010, o Rio Grande do Sul apresentou uma taxa homicídios de mulheres em torno de 4,1/100.000 habitantes, ocupando a 18° colocação no ranking dos estados brasileiros. Objetivos O presente estudo teve como objetivo principal identificar o perfil epidemiológico da mortalidade feminina por agressão no município de Porto Alegre/RS, no período de 2006 a 2010. Além disso, verificar se as vítimas registraram ocorrência na Delegacia da Mulher (DM) no período de até dois anos anteriores ao óbito e comparar os dados pesquisados com os disponíveis no Sistema de Informações de Mortalidade – SIM/DATASUS. Metodologia Trata-se de um estudo descritivo, transversal, em que foram pesquisados homicídios citados nos Registros de Ocorrência (RO), da Polícia Civil/RS, no Departamento de Planejamento e Coordenação (DIPLANCO), entre 2006 e 2010. Para esse estudo, optou-se em utilizar apenas os casos de homicídio consumado, tendo como vítimas pessoas do sexo feminino, de todas as idades, tendo o delito ocorrido no período citado. Os dados foram classificados em dois grupos: dados do fato e dados da vítima. Nos dados referentes ao fato foi descrito: bairro, data, dia da semana, hora, tipo de local e instrumento utilizado. Quanto aos dados da vítima foi incluído: idade, cor da pele, estado civil, grau de instrução, profissão, naturalidade, registro de ocorrência na Delegacia da Mulher e fato registrado (até dois anos anteriores ao óbito). Por ultimo, foi consultado o SIM/DATASUS para comparação entre o coeficiente de mortalidade feminina por agressão e os dados encontrados na pesquisa, no período de 2006-2010, na cidade de Porto Alegre/RS. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da PUCRS, tendo obtido aprovação para sua adequada realização. Resultados e discussão Nos cinco anos estudados, foram registrados 203 óbitos de mulheres na cidade de Porto Alegre (POA), representando uma média de 40,6 óbitos/ano. O coeficiente de mortalidade médio nesses cinco anos foi de 5,3 homicídios femininos/100.000 mulheres, acima da média nacional nesse mesmo período, de 4,2 óbitos/100.000 mulheres. Devido às limitações do sistema não foi possível identificar os dados do agressor. A distribuição sazonal de óbitos mostrou que nos meses de: janeiro (11,8%) e julho (11,3%) ocorreram um maior número de homicídios. Estes são meses de férias escolares no Brasil, situação em que as famílias estão com os filhos em casa e que pode tensionar as relações conjugais quando há conflito. Verificou-se maior ocorrência de mortes aos sábados e domingos, correspondendo a 33,4% dos homicídios. Além disso, os turnos da noite e madrugada foram os que obtiveram maior índice de óbitos, somando 56% do total. Referente aos dias da semana e ao turno notou-se que os dados dos homicídios femininos são semelhantes às ocorrências do estado e da capital, de modo geral. Os crimes ocorreram com maior frequência na Via Pública (48%) e na Residência (40%) das vítimas. Cabe salientar que esse elevado percentual de óbitos no domicilio indica a provável relação da vítima com o agressor. No Brasil, os assassinatos femininos ocorridos no domicílio da vítima são três vezes mais frequentes que os masculinos. O objeto mais utilizado para cometer os crimes foi arma de fogo (61%), um dos símbolos da masculinidade na atualidade simbolizando o poder de vida ou morte. Observou-se maior concentração do coeficiente de homicídios na população entre 20 e 39 anos. Segundo a OMS os homicídios femininos nos países em desenvolvimento possuem as maiores taxas entre vítimas de 15 e 44 anos de idade. Mais da metade dos óbitos estudados, (55,2%) estão nesse grupo etário. Quanto à cor da pele das vítimas, verificou-se que 66% das vítimas eram brancas e 29% negras. Na pesquisa de autodeclaração de raça/cor, do último censo do IBGE em 2010, o município de Porto Alegre possuía um total de 20% de mulheres negras. Desta forma, existe uma sobremortalidade na população negra, já que ocorreram 29% de óbitos e a população é de 20%. Constatou-se que 69% dos óbitos por homicídios femininos ocorreram entre solteiras. Tal fato pode estar associado à faixa etária dos óbitos, uma vez que a maioria das vítimas eram mulheres jovens. Nos dados sobre a escolaridade das vítimas percebeu-se que 74% delas possuíam o ensino fundamental. Sabe-se que a baixa escolaridade é um dos fatores associados à violência e ao assassinato de mulheres. No quesito profissão, notou-se que 70% dos registros de ocorrência possuíam essa informação como não identificada. Nos 30% restantes destaca-se a proporção de mulheres que exerciam trabalhos domésticos (10%) e prostitutas (4,4%), ambas profissões vulneráveis. Descobriu-se que 11% das vítimas haviam registrado queixa na Delegacia da Mulher nos anos estudados. Mesmo sendo um percentual elevado, representando mais de 20 mulheres cujas mortes foram “anunciadas”, sabe-se que muitas mulheres não registram ocorrência, ocultando situações de violência doméstica. Esse comportamento pode ser compreendido como uma forma de preservar a própria vida. Identificou-se uma diferença média de 2 óbitos femininos por ano entre os dados da DIPLANCO e os do SIM/DATASUS, quando avaliados segundo o município de residência da vítima. Já na comparação segundo o local de ocorrência, houve uma diferença muito maior no número de óbitos de mulheres de outras localidades e que morreram em Porto Alegre. A aproximação do número de casos em dois sistemas diferentes de informação atesta a qualidade desses dados. Ao fim, espera-se que esse estudo tenha contribuído para o conhecimento da epidemiologia das mortes femininas em Porto Alegre/RS e para a reflexão sobre as circunstâncias desses fatos. Além disso, possa auxiliar no desenvolvimento de estratégias de educação para prevenção da violência contra as mulheres do município.