Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL: A VOZ DOS AGRESSORES
Edleide de Almeida Xavier, Climene Laura de Camargo, Normélia Maria Freire Diniz, Simone Santos Souza, Ilana de Souza Florêncio

Resumo


Apesar de ser um problema social e histórico presente em todas as sociedades, somente nas últimas décadas a violência foi percebida, na área da saúde, como um fenômeno significativo que interfere nas condições de morbimortalidade das populações. Pressupõe-se que a violência, mesmo não resultando em morte, pode ocasionar problemas físicos, psicológicos e sociais que não necessariamente implicam ferimentos, incapacidade ou morte, mas que, a longo prazo, podem trazer consequências para as vítimas. Devido ao impacto que a violência provoca na saúde, hoje existe grande demanda de intervenção nos casos considerados moralmente reprováveis, tais como, os casos de violência sexual, principalmente os que atingem crianças e adolescentes. Segundo Azevedo e Guerra (1994), todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que - sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima - implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que as crianças têm de serem tratadas como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (AZEVEDO E GUERRA, 1994, p.36). Entre as principais manifestações de violência podemos citar a negligência, a violência psicológica, a violência física, a violência sexual e a violência verbal. De todas as suas formas a sexual, comumente chamada de abuso sexual, é a mais complexa e aquela que, a nosso ver, mais traumatiza a vítima, pois deixa, além das marcas físicas, problemas emocionais e psíquicos que podem se perpetuar ao longo dos anos. A violência sexual contra crianças e adolescentes manifesta uma relação de poder que se exerce pelas mãos de adultos e até de não adultos, mas daquele que têm mais força física ou psicológica, sobre a vítima, em um processo de apropriação e dominação do discernimento e da decisão livre destes. Para Faleiros (1997), esse uso do poder pela aplicação da força física é, de fato, uma profunda desestruturação de uma relação de poder legitimado. Uma das grandes preocupações quanto ao abuso sexual infantil são as repercussões desta violência para o desenvolvimento das vítimas. Segundo Ballone (2003), toda criança vitima de abuso sexual usualmente desenvolve uma perda violenta da auto-estima e adquire uma representação anormal da sexualidade. A criança pode se tornar muito retraída, perder a confiança nos adultos, podendo chegar a considerar a possibilidade de suicídio, principalmente quando há uma probabilidade de os agressores a ameaçarem. Outras características que podem identificar a criança vitimizada sexualmente são as dificuldades que apresentam para estabelecer relações harmônicas com outras pessoas, podendo se transformar em adultos agressores que também abusam de outras crianças, além de conseqüências de ordem psíquica, fator importante na história de vida emocional de homens e mulheres com problemas conjugais, psicossociais e transtornos mentais. O fato deste fenômeno ser reproduzido ou não no futuro dependerá fundamentalmente se a vítima vai encontrar ou não, na sua vida, um adulto que a ajude a superar o trauma sofrido. O prejuízo causado internamente ao indivíduo vitimizado irá determinar em muito a maneira com a qual este irá lidar com o mundo ao seu redor. Disso se infere que o mal-estar gerado por esse processo pode ser transformado em atitude reativa, em contenção angustiada ou neurótica ou em resignação (SANCHEZ, 2005; MARCONDES FILHO apud SANCHEZ,2005). Ao presenciar situações de violência familiar durante a infância e a adolescência, os homens incorporam atos violentos em suas ações cotidianas como inerentes ao papel masculino, construindo, dessa forma, sua identidade. Ao vivenciar a violência na relação familiar o homem a reproduz em outras formas de relações sociais, inclusive nas relações com suas companheiras e filhos. Quando a violência faz parte do cotidiano destas crianças, é natural que elas também reproduzam este tipo de relação em todos os seus círculos. No sentido de responder ao objeto de estudo, ou seja, a história de vida do agressor sexual infanto-juvenil, o método escolhido foi o da pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, além da pesquisa documental e da história oral, aqui tomada como referencial metodológico. Escolhemos como referencial metodológico a história oral na modalidade história oral temática por acreditar que esta forma de abordagem possibilitaria superar a mera aquisição de dados em favor da possibilidade de uma visão mais subjetiva das experiências dos depoentes. Como objetivo geral, procuramos analisar a história de vida de agressores sexuais infanto-juvenil. A coleta de dados foi realizada no período de agosto de 2008 a janeiro de 2009, inicialmente na Vara de execuções penais e em seguida na Penitenciária Lemos de Brito, ambos no município de Salvador- Bahia. A amostra dos sujeitos para caracterização dos agressores foi constituído por 79 homens que haviam cometido crime sexual contra crianças e adolescentes na faixa etária de 0 a 19 anos, no entanto, para as entrevistas a amostra foi composta somente por 05 sujeitos. A organização e análise dos dados quantitativos envolveu a descrição de características de interesse da população do estudo por meio de tabelas univariadas e bivariadas, gráficos, médias e desvio padrão, objetivando caracterizar a população. Para verificar diferenças entre as proporções, utilizamos o Teste Qui-quadrado Exato de Fisher, considerando o nível de significância estatística de 5% de probabilidade. Para a constituição do banco de dados, utilizamos o software Microsoft Access e para a análise dos dados, o STATA versão 8.0. Dos 79 processos contra homens que estavam cumprindo pena por crime sexual, encontramos 117 ocorrências de violência. Quanto ao sexo das vítimas, em 16% dos casos a violência foi praticada contra crianças e adolescentes do sexo masculino e em 84%, do sexo feminino, o que mostra que o sexo feminino se mostra mais vulnerável. Estes homens se caracterizaram em sua maioria como homens jovens, na faixa etária entre os 20 e os 29 anos(40,26%), eram negros (56,9%), apresentavam o primeiro grau incompleto (54,3%) e solteiros (78,67%). No que se refere à relação deles com as suas vítimas pudemos perceber que a maioria ocupavam o papel de pais e padrastos configurando a violência praticada no espaço doméstico. A partir das histórias de vida dos sujeitos e levando-se em consideração o ciclo de vida foram identificados os temas Infância, Adolescência e Fase Adulta. As histórias de vida destes sujeitos foram permeadas pela violência tanto na infância quanto na adolescência e ambos apresentavam em suas histórias um conjunto de vivências comuns como maus tratos, violência, constrangimento com relação à vivência de sexualidade, experiências de rejeição e perda, trabalho infantil forçado e uso de substâncias psicotrópicas e de álcool. Percebemos que todos os sujeitos tiveram seu crescimento vital violentamente comprometido, pois nenhum destes sujeitos na infância e/ou na adolescência tiveram seus direitos respeitados por nenhuma instância, seja pela família ou Estado, mas foram objetos de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão. Se por um lado já percebemos que a história familiar destes indivíduos foram comprometidas pela ausência de uma interação entre a criança e o grupo familiar, podemos perceber também a violência por negligência na primeira etapa de socialização destes indivíduos, no que diz respeito à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Cabe a sociedade discutir o contexto das histórias de vidas destes sujeitos, sem preconceitos, fortalecendo a opinião pública para que o Estado venha garantir os direitos das crianças e adolescentes vítimas de violência, no sentido de instaurar uma cultura de respeito à criança a fim de evitar repetições da violência nas gerações seguintes. Faz-se necessário também a capacitação de profissionais das áreas de saúde, educação e jurídica, no intuito de identificar e intervir nas situações de violência seja através da prevenção, diagnóstico ou tratamento das vítimas e também dos agressores.