Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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ATIVIDADES GRUPAIS NO CENTRO DE SAÚDE DA FAMÍLIA DO SIQUEIRA: UMA EXPERIÊNCIA DE ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA
Josefa Lilian Vieira, Felipe Costa, Joverlandia dos Santos Mota, Louise Anne Gomes de Souza Teles, Márcia Silva de Paulo, Lueyna Silva Cavalcante

Resumo


O processo de formação do Médico de Família e Comunidade e de outros profissionais no campo da Saúde da Família no Brasil situa-se atualmente em um momento em que se depara com a realidade da crescente demanda por profissionais qualificados na atuação em atenção primária em saúde a partir da assistência, gestão e promoção da saúde; isso se dá particularmente a partir da expansão da estratégia de saúde da família em todo o país. Uma das vertentes mais importantes seria a da promoção da saúde. Na conhecida Carta de Ottawa produzida pela conferência realizada pela Organização Mundial de Saúde em 1986, a promoção da saúde define-se vinculada ao bem-estar físico, mental e social dos sujeitos e coletividades que só pode ser alcançado por meio da capacidade de identificar e realizar aspirações, satisfazer necessidades e adaptar-se ao meio ambiente. O conceito de saúde amplia-se e torna-se um recurso fundamental para o desenvolvimento social, econômico e subjetivo, saindo do lugar de objetivo para o de recurso para a vida diária. A partir da ampliação desse conceito as ações em saúde saem do foco único de processo de medicalização e passam a ter o intuito de favorecer níveis de autonomia dos indivíduos, famílias e coletividade no sentido do autocuidado, no cuidado com os ambientes e na produção de saúde. Esse conceito relaciona-se diretamente com uma perspectiva emancipatória em que, enquanto o individuo se informa dos cuidados necessários a sua saúde sob os vários ângulos, ele se torna e se sente responsável pelo seu próprio processo de aprendizagem e mudança. Dentro dessa perspectiva as abordagens de grupo se situam em um lugar privilegiado quando procuram fortalecer esse viés emancipatório de modo coletivo, compartilhado. Na sociedade atual, temos uma hegemonia do indivíduo como centro da vida, em grande parte devido aos processos de subjetivação capitalística iniciados com o aprofundamento do sistema de produção vigente; tal processo tem sido fonte de adoecimento físico e mental ao promover um desequilíbrio nas funções sociais através da quebra e enfraquecimento de vínculos entre as pessoas. As experiências grupais na nossa sociedade vem a se relacionar profundamente com uma referência ancestral de vivência comunitária das mais diversas comunidades tradicionais que compartilhavam uma cosmovisão mais integral. A reconfiguração dessa visão tradicional para o contexto atual, a partir de experiências grupais, acaba por oferecer às pessoas uma opção necessária à ditadura do individualismo a partir do encontro com o outro, as convergências e divergências encontradas no confronto entre diferentes modos de existencialização, o reconhecimento das relações de poder, por fim a “desindividualização” pelo deslocamento do olhar de um plano único para o compartilhamento de novos olhares sobre a realidade, criando a possibilidade de intervenção solidária não aos sujeitos individuais, mas a uma ordem coletiva. Dadas essas características, o grupo teria o potencial de assumir um perfil de grupo-sujeito capaz de ouvir e ser ouvido, fazer uma leitura da realidade que transcenda interesses particulares, identificar campos de intervenção na realidade e agir sobre ela produzindo saber de experiência, aprendizado compartilhado mediado pela vida. Em contraposição teríamos o grupo sujeitado em que as pessoas em suas discussões estariam distantes do mundo da vida, presas a uma hierarquização e realidade consideradas paralisantes e sua voz passa a se perder no contexto social. O desafio posto no contexto da Estratégia de Saúde da Família seria a estruturação de grupos que possam dar uma resposta integral às pessoas. Que considerem os processos de subjetivação existentes e tornem-se como comunidades de aprendizagem em uma perspectiva emancipatória a partir de uma abordagem que considere conteúdos significativos à vida das pessoas. Seriam grupos-sujeito que possam transcender o seu lugar no contexto das unidades de saúde e lançar-se ao mundo da vida com seus desafios cotidianos. As residências no campo da Saúde da Família têm, assim, se preocupado com a formação em abordagens grupais como uma forma de qualificação profissional significativa para a consolidação do sistema de saúde, não só de residentes, mas de todos os profissionais da rede que acabam envolvidos nos processos formativos. Esses modelos foram pensados como estratégias indutoras de mudanças no cotidiano profissional a partir de um percurso formativo significativo, contextualizado e socialmente conseqüente por estar em constante relação dialética e dialógica com as práticas do cotidiano do serviço. Em Fortaleza, tem-se o exemplo das residências de Medicina de Família e Comunidade e Multiprofissional em Saúde da Família e da Comunidade. Esse processo tem se dado de maneira diversa, a partir dos diferentes cenários de prática em que as equipes de residentes se deparam nas suas respectivas unidades de saúde; uma delas tem sido a estratégia das atividades grupais vinculadas aos atendimentos individuais no Centro de Saúde da Família do Siqueira, experiência que este trabalho tem por objetivo relatar. Assim, pensou-se em como seria possível ressignificar os espaços físicos da unidade de saúde, transformando-os em lugares privilegiados para a promoção da saúde, retirando a característica de mera sala de espera para os atendimentos individuais a partir da inclusão de atividades que desafiem usuários e profissionais a discutir a saúde de modo mais amplo e a partir de abordagens grupais lúdicas, problematizadoras e com linguagens diversas. Uma dessas experiências foi estruturada a partir da sala de espera das gestantes para o pré-natal em que foi possível trabalhar o vínculo mãe-filho a partir de atividades de relaxamento, imaginação guiada, exercícios de comunicação e expressão de afeto, além disso, ocorreram experiências com atividades de sala de espera voltadas para a saúde da mulher, particularmente para a prevenção do câncer de colo de útero e a discussão sobre o exame de papanicolau, desde a sua técnica até a sua importância. Essas atividades contribuíram para uma maior adesão das mulheres aos exames de prevenção, bem como trouxe mais segurança com relação ao exame de papanicolau que era sempre carregado de tensão e constrangimento. Também ocorreram experiências a partir da educação em saúde com pacientes diabéticos e hipertensos a partir de rodas de conversa com a utilização de elementos visuais e lúdicos. Também foram realizadas rodas de conversa a partir do grupo de caminhada cujo roteiro temático foi construído coletivamente com os participantes, envolvendo discussões relacionadas a processos fisiológicos, doenças, problemas existentes no território que intereferem na saúde como a violência, a falta de áreas adequadas para o lazer, entre outros. Observa-se que essa vivência tem contribuído para a potencialização dos vínculos entre usuários e profissionais. Isso tem repercutido em uma maior adesão dos usuários aos tratamentos propostos pelos profissionais, uma maior sensação de identificação com a unidade de saúde em que as pessoas passam a se sentir acolhidas e tendem a se apropriar dos espaços como sujeitos ativos. Foi possível às pessoas perceber a sua vivência na unidade de saúde não mais como um mero recurso ao qual elas podem fazer uso, mas um espaço de possibilidades que ainda devem ser descobertas no decorrer do processo, impulsionando-as para o mundo ao partir da unidade de saúde e ocupar de fato o espaço público. Para os residentes, tem sido uma experiência singular e desafiadora a organização desses grupos. A estranheza do encontro com pessoas da comunidade em um espaço de grupo, contexto ainda pouco explorado até então, desafia no cotidiano ao desenvolvimento de competências técnicas, relacionais e ético-políticas necessárias à construção do SUS. Ao mesmo tempo, possibilitou a eles a possibilidade de diálogo com pessoas com saberes dos mais diversos, encontrando os campos comuns entre o saber acadêmico e o popular, estabelecendo convergências e divergências entre os discursos, construindo um saber novo e significativo para o grupo, a unidade de saúde e a comunidade.