Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Cidade saudável: outro mundo possível com direito à cidade
Carla Moura Lima, Eduardo Stotz, Gil Sevalho

Resumo


Introdução O Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), o maior empreendimento da Petrobrás, assim como mega-eventos mundiais como a Copa do Mundo terão um impacto profundo no ordenamento da vida no Rio de Janeiro, redesenhando os mapas urbanos do ponto de vista das infra-estruturas de trânsito, comunicação, informação, habitação, saneamento, emprego e, obviamente, da distribuição da renda. A Copa do Mundo, em 2014 e os Jogos Olímpicos, em 2016, são divulgados como oportunidades de investimento de capital vistos como eventos capazes inclusive, de redimir a cidade de seus problemas sociais estruturais. Apesar da sua magnitude, o Comperj tem adquirido menor visibilidade nos meios de comunicação de massa, terão um impacto mais amplo, profundo e duradouro na vida dos cidadãos desta região que hoje aglomera em 11 municípios em torno de 12 milhões e trezentos mil habitantes, segundo dados do Censo 2010 realizado pelo IBGE. Por outro lado, o Comperj é apresentado pelo consórcio empresarial (Petrobrás-Braskem), pelo governo do Estado do Rio de Janeiro e pela mídia como ‘uma oportunidade de desenvolvimento’ em resposta a um processo histórico de esvaziamento econômico do estado do Rio de Janeiro, difusamente sentido pela população fluminense e carioca que assiste à implantação do Complexo de longe, sem vivenciar e sem se dar conta das conseqüências. Entretanto, como essas transformações são percebidas pela população diretamente afetada pelo projeto industrial? Quais são as expectativas formuladas no interior desse processo? Que visões de futuro assinalam? Estas são as questões que o presente estudo, baseado em resultados de pesquisa ([1]) realizada em Itaboraí entre 2007 e 2011, pretende responder. Objetivo Seu objetivo é apresentar avaliações sobre as necessidades e expectativas sociais da população itaboraiense, consideradas mais relevantes pelos participantes de fóruns de Ouvidoria Coletiva realizados em 2008, no município de Itaboraí Método Desenvolveu-se um processo de coleta de dados a partir da Ouvidoria Coletiva que é uma metodologia em processo de desenvolvimento, na perspectiva da Educação Popular em Saúde. Tal metodologia participativa favorece o diálogo permanente entre profissionais de saúde e atores sociais locais comunitários e religiosos. Resultados Foram realizados 37 fóruns de Ouvidoria Coletiva entre 2008 e 2011 os temas mais discutidos foram: saneamento básico; alcoolismo; o bairro; o SUS; violência; educação; saúde do idoso; dengue; fome; a Estratégia de Saúde da Família; transporte; desnutrição; drogas; adolescência (gravidez e dificuldades) e lazer. os temais mais discutidos nos fóruns foram Educação e Gravidez na Adolescência. Ambos os temas relacionam-se diretamente com a implantação do Comperj na região. O tema da educação escolhido por vários fóruns revela a percepção de que a maioria da população possui baixo grau de escolaridade, a maioria apenas com o nível de ensino fundamental. Os participantes de vários fóruns identificaram a necessidade de aumentar a escolaridade, para promover o acesso aos cursos profissionalizantes. Na época em que foram realizados os primeiros fóruns, havia a crença de que milhares de vagas seriam oferecidas para a população local e que seriam incorporados a esse mercado os trabalhadores que tivessem cursos profissionalizantes na área industrial e de petróleo. Assim, a ênfase na educação pode ser entendida como expressão do ‘medo de perderem o trem da história’. Por outro lado, as mulheres foram identificadas como as que mais necessitavam dessas vagas. Por isso, o tema Educação inclui a percepção da necessidade da abertura de creches públicas nos bairros populares. O tema ‘gravidez na adolescência’ foi outro que mereceu destaque nos fóruns de OC. A percepção do aumento do número de casos já configurava uma preocupação para muito, agravada pelo receio de que a chegada de grande quantidade de homens sozinhos para o trabalho de construção das instalações do Comperj pudesse agravar ainda mais a situação. Tal preocupação justifica-se. Os resultados de estudos acerca dos impactos locais e regionais de indústrias de petróleo, têm se mostrado desfavoráveis às regiões e às populações. A realidade mostra-se diversa do que previram os planos que deram origem aos empreendimentos. No que tange à gravidez na adolescência, em países onde o desemprego é crônico e as pessoas grande parte da população se aloca em subempregos, em sua maioria homens jovens. São apontadas como consequências também, o aparecimento de processos sociais como: favelização, prostituição e criminalidade, até então desconhecidos pelos locais. A gravidez na adolescência é identificada como um problema sério, com índice elevado nas comunidades. Os profissionais de saúde identificam um impasse, pois, se por um lado muitas famílias não querem que seus filhos participem de palestras sobre qualquer tema relacionado à sexo nas escolas e nas unidades de saúde, por outro lado ‘não conseguem segurar seus filhos e filhas’ e as meninas acabam engravidando. A análise dos diálogos proporcionados pelos fóruns de OC demonstra a percepção de que a cidade como espaço que responde à lógica do sistema econômico no qual está inserida, penalizando mais os grupos sociais mais vulneráveis. Foi adotada uma definição de Cidades Saudáveis que desenvolve criticamente as formulações comumente utilizadas e adota-se uma definição de Cidades Saudáveis relacionada ao direito à cidade. Cidades ou Municípios Saudáveis constituem designações de uma estratégia de promoção da saúde fundamentada em ações de caráter coletivo orientadas para controlar processos favoráveis ao bem estar ou a oporem-se aqueles que o colocam em risco. Outro resultado é a desterritorialização desses grupos em condição de maior vulnerabilidade. A participação institucionalizada tem sido apresentada como alternativa à fragmentação de interesses vigente na sociedade, sem se apresentar de fato como uma forma de democracia participativa. Em geral a participação tem um caráter setorial e de cunho consultivo. As audiências públicas, onde estudos são apresentados e discutidos não encaminham nenhum mecanismo para a participação no processo decisório. Por isso assumem o papel de uma abertura à sociedade civil meramente formal. Superar essa limitação é um desafio para pesquisas de caráter participativo. Desenvolver novo conceito de vulnerabilidade social foi necessário para apreender contextos urbanos em processos de transformação acelerada, como vem acontecendo em Itaboraí. Compreende-se que um aspecto fundamental da questão da vulnerabilidade está no afastamento do Estado, sob a orientação neoliberal, de suas responsabilidades sociais. Conclusão Os resultados da investigação levaram ao desenvolvimento de práticas construídas em comum com a população local; de metodologias participativas no campo da educação e saúde, que entre outros resultados, contribuem para a democratização das políticas públicas, o fortalecimento das organizações populares e a melhoria da qualidade dos serviços públicos oferecidos as populações que vivem em contextos de pobreza. Caso contrário, os sentidos continuarão a escapar aos pesquisadores científicos, principalmente dos campos da educação e da saúde, dependentes de um conhecimento produzido sobre as classes populares baseado exclusivamente na idéia da sociedade e da política como representação. Para superá-la ainda é necessário estudar a realidade com metodologias capazes de incorporar o modo como as pessoas das classes populares elaboram seu conhecimento do mundo, com toda a ambigüidade implicada pela situação de opressão e medo em que se encontram cotidianamente. [1] Projeto “Cidades Saudáveis: Saúde, Inovação Tecnológica e Desenvolvimento Urbano na Área de Implantação do Complexo Petroquímico de Itaboraí - Comperj, RJ”.