Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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DIREITOS HUMANOS, SAÚDE E EXIGIBILIDADE: COMO O MONITORAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBICAS PODE CONTRIBUIR PARA A COSOLIDAÇÃO DA CIDADANIA
Josiene Karla Alves Silva

Resumo


Com a crise do modelo fordista-keynesiano[1] os defensores do livre mercado propõem a retirada gradual do apoio ao Estado de Bem Estar Social através do ataque ao salário real e ao poder dos sindicatos. Mudanças estruturais ocorrem com a ascensão de novas tecnologias e a desvalorização e aumento do controle da força de trabalho. Surgem novas formas de organização do trabalho, com contratos mais flexíveis com uso do tempo de trabalho parcial, temporário ou subcontratado; o mercado é mundializado, intensificando-se o capital financeiro que passa a coordenar o processo de acumulação flexível. Esse novo modelo de acumulação impõe uma reforma ao Estado orientada para o mercado através de restrições na alocação de recursos públicos, especialmente na área social. A partir de então observamos a racionalização de investimentos na área social e a diminuição do papel do Estado, fortalecendo as ações privadas. O cumprimento de tal proposta exige a complementaridade entre Estado e mercado, e nesse contexto a iniciativa privada vai assumir uma parte na execução dos serviços públicos, invertendo as premissas do Estado de Bem Estar Social e legitimando a figura do cidadão-consumidor, ou seja, serviços básicos como saúde e educação que deviam ser ofertados pelo Estado à população de forma universal, passam a ser mercantilizados pela iniciativa privada e dirigidos a um segmento populacional capaz de arcar com os custos de tais serviços. Essa orientação fortalece o papel compensatório das políticas públicas, negando o seu caráter universal e assumindo uma perspectiva focalista, ao dirigir o atendimento à população mais vulnerável em um esforço de terceirização e privatização da coisa pública. No caso do Brasil a questão assume contornos perversos, uma vez que as premissas do Estado de Bem Estar Social, apesar de consagrados na Constituição de 1988, nem chegaram a se consolidar com o processo de reforma do Estado, brevemente relatado acima, ocorrido no início dos anos 90. Norberto Bobbio (1992, p.24) argumenta que “O problema fundamental em relação aos direitos do homem hoje não é tanto justificá-los, mas de protegê-los. Trata-se de um problema político e não filosófico”. A questão diante de nós interroga qual seria o modo mais seguro para garantir os direitos do homem e impedir (apesar das declarações) que eles sejam continuamente violados. Bobbio (Ibid, 1992) discute que o problema do fundamento dos direitos humanos foi solucionado com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Assembléia Geral da ONU em 10/12/1848. A partir da Declaração um sistema de valores foi fundado e reconhecido. Segundo o autor “os valores são apoiados no consenso e um valor é tanto mais fundado quanto aceito” (Ibid, 1992, p.27). É o que ocorre com a Declaração Universal, uma vez que é aprovado um sistema de valores universal, a humanidade compartilha alguns valores comuns. No entanto a liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a ser perseguido, de forma que os direitos pensados sejam passíveis de realização. Bobbio (Ibid, 1992) argumenta que os direitos dos homens nascem como direitos naturais universais e desenvolvem-se como positivos particulares, para serem realizados como direitos positivos universais. A Declaração contém a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais. Mas esse movimento é apenas o início, são coisas diversas mostrar o caminho e percorrê-lo até o fim. Para o autor a efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana e não pode ser considerado sem ser contextualizado com dois grandes problemas de nosso tempo: a guerra e a fome. A efetivação dos direitos sociais, e entre eles o direito a uma alimentação de qualidade e suficiente, passa pelo fortalecimento do Estado de direito e da consolidação da cidadania. Ao contrário dos direitos de liberdade[2] os direitos sociais, na prática, requerem intervenção ativa do Estado. Bobbio (Ibid, 1992) discute que as mudanças acompanham o fluxo de “seus tempos” e estão historicamente determinadas. Nesse sentido a conexão entre mudança social e mudança na teoria e na prática dos direitos fundamentais sempre existiu, o nascimento dos direitos sociais tornou isso mais evidente, de forma que já não podem ser negligenciados. O campo dos direitos do homem aparece com maior defasagem entre a posição da norma e sua efetivação. Essa defasagem é observada principalmente no campo dos direitos sociais o que conseqüentemente nos remete ao campo das políticas sociais. A política social, de acordo com LOBATO (ibdi, 2004. p.246) apresenta especificidades, pois é lócus de conflitos das formas de desigualdade e exclusão e se diferencia das outras políticas por causa desses conflitos que evidencia. As políticas sociais podem gerar bem estar e até alterar as condições de redistribuição da riqueza social, mas não são capazes de garantir a alteração nas relações sociais que estabelecem as regras de distribuição. Ao analisarmos determinada política social é essencial observar o impacto produzido na perenidade do bem-estar, ser igualmente capaz de identificar alterações nas correlações de forças a favor de arranjos políticos e mecanismos capazes de favorecer uma nova distribuição de poder e mais do que se preocupar com a eficácia na distribuição de produtos sociais identificar seus efeitos na qualidade de vida e na cidadania da população. No Brasil, a gestão da política social é algo relativamente recente, o país dispõe de uma política social avançada no estatuto o que não significa que esse “avanço” vai se traduzir nos programas e projetos. A justiça, ao contrário do que pensam alguns, não é auto-aplicável, vide a Constituição de 1988 que consagra um padrão de bem-estar social com grandes dificuldades para se consolidar na prática. As políticas sociais precisam ser geridas e nesse processo em busca da consolidação da cidadania a monitoração e avaliação dos impactos produzidos por elas pode ser uma aliada valiosa. [1] Refere-se à fusão da adoção do modelo econômico “fordista”, idealizado por Henry Ford, baseado na produção em grande escala realizado por meio de tarefas fragmentadas/repetitivas voltadas para o consumo em massa, com as idéias defendidas por Keynes (1883-1946) segundo o qual o Estado deveria intervir no universo econômico e social para eliminar a falta de demanda efetiva. Seu argumento central baseava-se na ação do Estado, através da implementação de políticas econômicas e sociais, como central para o bom funcionamento do sistema capitalista (Estado de Bem Estar Social). Para Keynes, a intervenção estatal era imprescindível para aumentar o poder de compra das massas e assim estimular o consumo e os investimentos dos empresários, contando com uma política de redução das taxas de juros. [2] De acordo com Bobbio (Ibid, 1992) os direitos de liberdade nascem contra o super poder do Estado (Locke) enquanto os direitos sociais exigem para sua realização a passagem do verbal à proteção efetiva, isto é, a ampliação dos poderes do Estado.