Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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ESCOLA POPULAR DE SAÚDE DO MORRO AZUL: TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE
Letícia Nunes, Aldecir Costa, Vera Lembo, Lana Cantarelli, Danilo Marques, Vitor Pordeus

Resumo


CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA Cerca de 20% da população carioca vive em comunidades populares. Desses, 4500 moram no Morro Azul, Flamengo. A criação dessa favela se deu entre 1939 e 1955 pela chegada de migrantes de outros estados e do interior do Rio de Janeiro, além de trabalhadores da construção do Aterro do Flamengo que ocuparam a área por facilitar o transporte ao local de emprego. Segundo uma das moradoras mais antigas, no início não havia saneamento básico nem abastecimento de água. Inicialmente as casas foram construídas com pedaços de madeira e restos de obras. Em 1955 houve um grande incêndio que consumiu cerca de 50% da comunidade. Desde então, o Padre Pedro Paulo (RIOU), ligado à Igreja Católica Santíssima Trindade iniciou, com a colaboração dos moradores, um sistema de mutirão para construção de casas de alvenaria. Os materiais para a obra foram doados pelos fiéis da Igreja. Ao final de 1957 foi efetivada a proposta. Tradicionalmente, as posturas em relação às favelas variaram entre assistencialistas e remocionistas, uma vez que o tráfico, a violência e a doença tem sido encarados como fatalismo. Entretanto, essas mazelas são consequências do sistema desumanizante produzido por uma ética baseada na competição e na busca incessante por lucro. Em relação à saúde, o modelo vigente é o biomédico, caracterizado por tecnicismo, reducionismo e compartimentalização. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA Tendo em vista o insucesso de políticas públicas baseadas no cartesianismo e no darwinismo, o Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, propõe a mudança paradigmática de basear a prática cotidiana na promoção de saúde, por meio da ética spinozana e da biologia de Maturana. Desenvolvem-se ações de Educação Popular em Saúde por meio da Escola Popular de Saúde do Morro Azul, primeira das 14 a ser fundada. Destacam-se como bases fundamentais para a prática educativa: a Pedagogia da Autonomia freireana e a educação libertadora desenvolvida na Escola da Ponte, em Portugal. Como problematizadores, tem-se três Agentes Culturais de Saúde, ex-Auxiliares de Controle de Endemias que se desencantaram com a manutenção da abordagem didático-prescritiva desenvolvida pelos projetos nos locais de abrangência e passaram a promover saúde, entendendo que essa é Alegria e que envolve a relação da pessoa com a comunidade e consigo mesma. Tais profissionais foram infectados pelas ideias revolucionárias do imunologista Nelson Vaz, que entende o sistema imunológico como sendo, primeiramente, fisiológico e que o organismo vivo está no meio e não há necessidade de temê-lo, uma vez que é estabelecida uma relação de equilíbrio. A doença, tanto psíquica quanto somática, é observada quando há uma desarmonia, causada por fatores como estresse e solidão. Nesse contexto, as ações de saúde são voltadas para promoção da qualidade de vida. Por meio de Rodas de Conversas - conformação que valoriza todos os saberes – os profissionais de saúde dialogam com lideranças comunitárias e moradores. EFEITOS ALCANÇADOS A equipe de servidores habituados à visão unifocal sobre a dengue, atualmente, projeta e realiza trabalhos no âmbito da promoção de saúde, sendo um grupo complementar, que troca saberes e o coloca à disposição de todos. Destacam-se como ações realizadas: passeios com adultos e crianças ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Projeto dos Canteiros Medicinais Populares que visa reflorestar a área, valorizar o uso de fitoterápicos e promover empregos para moradores da comunidade; articulação com a rede de televisão na oficina de contação de histórias; criação de vínculo com o 116º Grupo de Escoteiros do Mar Marques de Tamandaré, o qual devido à aproximação com o Núcleo, tem promovido ações voltadas ao reaproveitamento de inservíveis, como ocorreu quando necessitaram de uma garagem flutuante para guardar e preservar uma embarcação – escaler – e idealizaram-na como feita por garrafas pet coletadas na comunidade pelos escoteiros e confeccionadas por eles. Houve ainda a consolidação de parceria com a creche local, onde problematizam-se situações, como alimentação saudável, estimulando crianças de 2 a 4 anos a desenvolverem sua autonomia, por meio da livre expressão e curiosidade epistemológica intrínseca a todo indivíduo. Durante os três anos de existência da Escola, laços afetivos foram desenvolvidos e diversos atores populares foram trazidos à luz de sua comunidade. Destacam-se a seguir certas experiências relevantes. Um jovem, pensando em sustentabilidade, realiza trabalhos de reaproveitamento de inservíveis, como garrafa pet, vidro, papelão, cano PVC de água coletados na comunidade; a fim de construir luminária, jarro, taça, cofrinho, brinquedo. Transformando chumbo em outro, para citar os alquimistas. Fazendo arte e ciência por meio da experimentação e do exercício criativo. A experiência efetiva de um senhor de 39 anos que trabalha numa Serralheria, local que era depósito de lixo, infestado por rato e lacraias, onde desembocava um esgoto; realizou um movimento de limpeza e de conserto do esgoto na entrada da comunidade. Por trabalhar com ferro, instalou corrimões em diversas escadas, pintou sua criação e o entorno, valorizando o bem público. Em valas que continuavam sendo alvo de descarte de lixo, plantou ervas fitoterápicas, colhidas espontaneamente pelos moradores. Uma moradora, ao aproximar-se das ações do Núcleo, participou de uma oficina oferecida: Repórter Cidadão. Dedicou-se e apresentou o trabalho realizado no I Congresso Aberto da Universidade Popular de Arte e Ciência, que ocorreu entre 6 e 7 de julho de 2011 no Rio de Janeiro. Devido ao seu profissionalismo, recebeu a proposta de concorrer a uma bolsa integral no curso de Jornalismo em uma Faculdade particular carioca. Estudou, passou na prova e atualmente frequenta o curso almejado. É digno de nota ainda, um senhor que desenvolve trabalhos sustentáveis por meio dos “tijolos ecológicos”, os quais têm como matéria-prima garrafas pet e lixo. Os resultados científicos experimentais estão documentados no endereço eletrônico www.nccsrio.blogspot.com. Finalmente, agradece-se a Paulo Henrique Soares pela fundamental ajuda na construção dessa realidade. RECOMENDAÇÕES Preconiza-se o projeto eco-político-pedagógico, realizando articulação com Escolas Municipais, por meio do resgate da ancestralidade e do patrimônio cultural. Valoriza-se o protagonismo popular fundamentando a prática no holismo e no vitalismo. Saúde não é antônimo de doença, é aptidão máxima de mente e corpo atingida por meio da experimentação e do exercício criativo. O sistema imunológico íntegro é responsável por manter a homeostase corporal. Fatores como estresse, tristeza e solidão aumentam a propensão às doenças tanto psíquicas quanto somáticas com participação de mecanismos imunológicos. A promoção de saúde comunitária é o inédito viável para que as pessoas desenvolvam o pensar crítico e a cidadania em uma era científica.