Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Escola Popular de Saúde Yemanjá: medicina transcultural e promoção de saúde no Rio de Janeiro
Tc Costa, Ja Costa, Vs Costa, Ts Costa, Wr Henriques, Y Carmo, Lm Silva, Jm Silva, R Xavier, R Castro, S Conceição, J Santos e Santos, C Nastari, M Constância, Ialorixá Tania Yemanjá, L Nunes, V Pordeus

Resumo


CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA A população da comunidade popular Cruz e Souza, no bairro do Encantado, Rio de Janeiro, se caracteriza por carência de moradias adequadas, saneamento básico, fornecimento regular de água e assistência à saúde. Os moradores, em sua maioria, possuem ascendência negra direta. Entretanto, por viverem em um país colonizado e com uma elite branca, por muitas vezes são alvo de discriminações raciais, econômicas, culturais e religiosas. O conceito ampliado de saúde lida diretamente com essas questões, uma vez que compreende as relações do indivíduo consigo mesmo e com sua comunidade. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA Visando a equidade, a universalidade e a integralidade – princípios do Sistema Único de Saúde – o Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, implementou a Escola Popular de Saúde Yemanjá, no Encantado. Atua em parceria com o terreiro de Candomblé Ilê Axé Yia Manjelê Ô e sua Ialorixá Mãe Tânia de Yemanjá. O coordenador do Núcleo realiza consultas médicas semanais às mulheres moradoras das áreas ao redor do terreiro. Tem-se como catalisadores das ações expressivas, dois Agentes Culturais de Saúde, ex-Auxiliares de Controle de Endemias, que atualmente trabalham sob o paradigma da promoção de saúde. EFEITOS ALCANÇADOS Junto ao terreiro de Candomblé supracitado, mulheres da comunidade participam de oficinas direcionadas ao aleitamento materno, saúde da mulher, aulas de crochê, geração de renda, prevenção à violência doméstica, reforço escolar e, em parceira com a ONG Criola e com a Rede de Religiões Afro-Brasileiras, são realizados cursos de reaproveitamento de inservíveis. Com o intuito de aglutinar crianças e jovens em torno desse projeto de desenvolvimento da cidadania e da democracia, foram desenvolvidas atividades como: exibição de vídeos (filmes e documentários) seguidos de debate, jogos em equipe, oficinas de contação de histórias, produção de textos e imagens a partir de temas geradores que foram identificados ao longo da convivência com o grupo, segundo a pedagogia freireana. Outros resultados positivos foram os passeios culturais da Universidade Popular de Arte e Ciência (UPAC). O grupo foi levado ao Museu do Índio, onde tomaram contato com as raízes brasileiras; Museu do Folclore, onde presenciaram artes, mitos e contos populares; Museu de Imagens do Inconsciente, no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, no qual vislumbraram as obras artísticas produzidas por clientes psiquiátricos. Durante o I Congresso da UPAC, no teatro carioca Carlos Gomes, entre 7 e 8 de julho de 2011, os integrantes da Escola Popular de Saúde Yemanjá encantaram e se encantaram com as apresentações afro-brasileiras. Tem sido desenvolvida a Oficina de Identidade Negra, cujo intuito precípuo é resgatar e ampliar a ancestralidade africana. No território dessa Escola, foi realizada a 1ª Celebração da Saúde e da Cidadania de 2012, em parceria com a CAP 3.2 e a Subprefeitura da Zona Norte. No dia 04 de fevereiro, entre 9-14h a Feira Medieval de Arte e Ciência ratificou que todo ser humano é artista e cientista, curioso e criativo e que é possível promover saúde pública integral de qualidade. No centro, na tenda principal, atores comunitários se apresentaram no espaço público, a fim de valorizar e legitimar o saber e o protagonismo populares. Ao redor do evento principal, foram instaladas vinte tendas de parcerias com serviços que atuaram e orientaram sobre dengue, saúde bucal, ouvidoria da saúde, avaliação nutricional, contação de história, artesanato, massagem, estética facial, emissão de documentos, orientação jurídica, artesanato local e distribuição de brindes. Ao final foi apresentada a peça “Uma Cruzada, Um Profeta, Um Convite à Revelação”, que problematiza a estrutura sócio-econômica do Rio de Janeiro. Contou com a participação do Laboratório Tupinagô do Teatro de Revista Científica, e do Conjunto Experimental Retreta do Apocalipse. Sendo este composto por doze músico regidos pelo maestro Alexandre Schubert e aquele, por cinco atores. Figurinos foram disponibilizados estimulando a livre e espontânea participação do público. A narração feita pelo coordenador do Núcleo e a manifestação, pelos atores profissionais, ocorreram concomitantemente. Em ordem cronológica foram reavivados os fatos históricos relevantes para denunciar a situação atual. Iniciou-se representando o fim da escravidão dos negros e o contínuo desamparo a essa parcela da população. Em seguida, destacou-se o movimento de restauração do centro carioca caracterizado pelo deslocamento da parte menos abastada da sociedade aos morros. Aos aglomerados populacionais deu-se o nome da planta Favela, marcada por falta de saneamento básico, higiene, dignidade, educação e saúde. Condições essas que predispõem às doenças. A seguir representou-se a medida campanhista de Oswaldo Cruz por obrigar a vacinação contra a varíola e sua postura cartesiana combatente às epidemias de febre amarela e peste bubônica, atuando focalmente contra os vetores das doenças. Tais atitudes verticais desconsideraram o conceito amplo de saúde. A concepção que desvincula o ser humano de sua autonomia e sua individuação culminou com fogo ateado à Favela Praia do Pinto. Nesse momento entra em cena a figura de Dom Helder Câmara, motivador da criação da Cruzada São Sebastião, no Leblon, a qual abrigou a população desassistida. Destaca-se o trecho: “se dou pão aos pobres chamam-me santo, se pergunto o porquê passam fome, chamam-me comunista”. A seguir representa-se o golpe da ditadura militar com violência, silêncio e opressão. A óptica representacionista em vigor suprime a liberdade e a espontaneidade intrínsecas aos indivíduos. Ao final da peça representa-se a atualidade. Não obstante o retorno à democracia, o pensar crítico foi suprimido pela ideologia norte-americana e a desigualdade sócio-econômica persiste. Neste país multicultural ainda observa-se miséria, terrorismo e domesticação alienante. Assim, o espetáculo termina, mas o questionamento sobre a hierarquia desumanizante instituída continua, uma vez que instiga a necessidade de cada ser humano atuar como sujeito transformador da realidade, negando a postura fatalista. RECOMENDAÇÕES Baseando a política pública na ética spinozana, foi possível desenvolver a postura holística fundamentada na cooperação e no conhecimento. Os objetivos atuais são desenvolver o projeto eco-político-pedagógico articulando a Educação Popular em Saúde com Escolas Municipais a fim de desenvolver a saúde cultural. Citando Dom Helder Câmara, tem-se: “A melhor maneira de ajudar uma pessoa é ensiná-la a pensar”.