Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Observatório Saúde na Mídia: origens e desafios
Kátia Lerner, Izamara Bastos Machado

Resumo


Os meios de comunicação de massa apresentam, no contexto contemporâneo, importância central nos processos de organização e estruturação de dinâmicas sócio-simbólicas. Sua presença se faz sentir de várias formas, como no que Pierre Bourdieu denominou “poder simbólico” – o poder de fazer ver e fazer crer – e também na sua centralidade enquanto espaço de referência ao real. Cada vez mais, a legitimação de um acontecimento se dá através de sua presença nos meios: é recorrente a sensação de que algo apenas existe porque “apareceu na mídia”, ou o seu contrário. Esta questão se torna ainda mais sensível quando levamos em conta a Saúde. Observa-se sua crescente presença nos meios de comunicação de massa, representando hoje um “filão” de grande interesse. No entanto, se a visibilidade é um passo importante para inscrever a agenda da saúde pública na sociedade, isto não é o suficiente. Cabe identificar que saúde aparece (ou é silenciada), entendendo que os meios de comunicação são, como foi dito, um importante espaço de luta simbólica. Tomá-los como objeto de estudo representa portanto uma oportunidade estratégica para a luta política em defesa de uma saúde coletiva eficaz e do Sistema Único de Saúde. O objetivo desta comunicação é compartilhar a experiência de estruturação do Observatório Saúde na Mídia, destacando seu contexto de surgimento e os principais desafios encontrados. Criado em 2008 como parte das atividades de pesquisa do Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde (LACES), do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), seu objetivo principal é realizar uma análise sobre os modos pelos quais os meios de comunicação de massa produzem sentidos sobre o SUS e os temas específicos da saúde e contribuir para a luta pela democratização da comunicação na sociedade em geral e na saúde em particular. Para tal, foi criado um projeto piloto voltado para o monitoramento diário de alguns periódicos impressos de grande circulação no país: O Globo e O Dia (Rio de Janeiro); Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde (São Paulo); Correio Braziliense (Brasília); Jornal do Commercio e Folha de Pernambuco (Recife). Após a coleta dos textos jornalísticos sobre saúde as informações são incluídas em um banco de dados com base na plataforma eletrônica do DATASUS/FormSUS, indexadas segundo uma categorização prévia. Objetiva-se também o monitoramento de telejornais locais (RJTV, RJ Record, NE TV, TV Jornal Notícias, DF TV e DF Record) e os nacionais (JN, JH e Repórter Brasil). Este monitoramento tem como meta proporcionar uma visão processual, extensiva, e que sirva de subsidio para a realização de estudos qualitativos em recortes temáticos a serem periodicamente definidos. Estes são realizados a partir do referencial teórico-metodológico da Análise Social de Discursos, que correlaciona os textos com suas condições de produção e circulação, entendendo estas como condições sociais, econômicas, políticas, institucionais e situacionais. Na análise dos dispositivos de enunciação dessas notícias nas edições dos órgãos monitorados, busca-se identificar os seguintes elementos: conteúdo (o que fala?), vozes contempladas (quem fala?), modos de dizer (como fala?), contexto textual (onde fala?), contexto intertextual (redes de sentidos mobilizadas). O processo de implementação do Observatório trouxe desafios de diferentes naturezas: conceituais, metodológicas e operacionais. Uma das primeiras questões enfrentadas foi a definição do conceito de “saúde”. Entendemos esta categoria como um objeto histórico e situado em um campo de disputas, no qual a mídia se posiciona como um dos atores envolvidos. Neste sentido, o olhar sobre os jornais implicava uma definição sobre o conceito em questão: tratava-se de saúde no sentido mais habitual, como eventos ligados à doença e procedimentos médicos, ou na sua perspectiva mais ampliada, tal qual preconizada pelo debate da saúde coletiva, em curso desde o final dos anos 1970? Isso apresentava impactos diretos na coleta de dados, pois dependendo do critério adotado, determinados temas poderiam ou não ser selecionados. Um outro ponto importante era a perspectiva a ser adotada: selecionaríamos previamente o recorte ou tentaríamos identificar como a mídia em si classificava este conceito? Em outras palavras, buscaríamos investigar o que, na lógica midiática, era ou não entendido como saúde (mesmo que fosse diferente ou antagônico às definições do projeto)? Outros elementos presentes diziam respeito ao acesso e armazenamento dos jornais: impressos ou versão digital? Como fazer coleta de telejornal no contexto de uma instituição pública? No que diz respeito à indexação, questionou-se quais as categorias e classificações mais indicadas ao Observatório, bem como a organização dos dados. Por fim, há ainda os desafios sobre a circulação/compartilhamento dos resultados e o estabelecimento de um diálogo constante com a sociedade civil. Certamente estes itens não esgotam os desafios encontrados, mas revelam uma parcela importante das questões que estão sendo enfrentadas. Como resultados obtidos até agora, podemos citar a parceria realizada com a Secretaria de Vigilância em Saúde entre 2010 e 2011, quando foram produzidos 6 relatórios de monitoramento da dengue durante seus períodos de pico (2010/2011) e da Influenza H1N1 no âmbito da Campanha de Vacinação contra Influenza H1N1 realizada pelo Ministério da Saúde, em 2010, e de forma retrospectiva no ano de seu surgimento, 2009. Estes relatórios proporcionaram subsídios para um olhar analítico sobre os modos como a mídia tratou os temas abordados, bem como informações qualificadas para a tomada de decisões sobre as relações entre Governo e Mídia no que tange a situações de risco. O Observatório vem ainda realizando análises qualitativas e divulgando seus achados de pesquisa em diversos eventos científicos nas áreas da Comunicação e da Saúde, bem como em aulas avulsas no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, do ICICT/FIOCRUZ. Recentemente realizou um curso de atualização intitulado Saúde e Jornalismo: modos de produzir e analisar, que teve como público-alvo profissionais de comunicação, especialmente jornalistas e assessores, além de profissionais da saúde que atuam de alguma maneira no campo da comunicação. Cabe destacar que a intensa presença desses profissionais, seja da grande mídia (como do jornal Extra, Ciência Hoje On-line), seja de setores governamentais (tais como: revista Radis/Fiocruz, VideoSaúde Distribuidora/Fiocruz, Assessoria de Comunicação do Ministério da Saúde), permitiu-nos qualificar o debate daqueles que efetivamente produzem conteúdos sobre saúde pública em nosso país.