Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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RODA DE QUARTEIRÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE ABORDAGEM COLETIVA EM MEIO A COMUNIDADE EM SOBRAL (CE).
Maria Gomes Fernandes

Resumo


CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA: Nas atividades educativas realizadas nos Centros de Saúde da Família (CSF) de Sobral (CE), perdura ainda a realização de abordagens grupais cansativas, burocráticas, que tendem a culpabilizar unicamente o indivíduo por sua situação precária de saúde, não interferindo significativamente para a melhoria de vida na comunidade. Tais abordagens, realizadas dentro das unidades de saúde, ganham o “status” de palestra e seus realizadores, muitas vezes posicionam-se frente a comunidade de forma autoritária e arrogante. E como trabalhar tão diferentes categorias sociais e humanas de forma a estabelecer com elas espaços de encontros e discussão cotidiana das suas realidades ao invés de reuniões com temáticas impostas, abstratas e distantes de seus problemas concretos? Como ultrapassar o abismo entre o profissional de saúde “detentor do saber” e a comunidade quase sempre desqualificada? As atividades educativas realizadas nos CSF são ouvidas e absorvidas pela população. O que não se pode avaliar é de que maneira essas informações são recebidas e interligadas no cotidiano das famílias. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: A abordagem denominada “Roda no Quarteirão” compreende a ida dos profissionais de saúde ao quarteirão, local de moradia dos usuários, saindo do espaço do CSF. O método da “roda” baseia-se no método de co-gestão de coletivos trazidos pelo Dr. Gastão Wagner de Sousa Campos. Apoiados por essa metodologia, a ação proposta tem como objetivo principal, a democratização das relações de poder que envolvem os profissionais de saúde e a comunidade, bem como a democratização da informação e do conhecimento de forma dialógica, compartilhada e amorosa. Com o apoio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), a equipe de Residentes Multiprofissionais em Saúde da Família fazem um levantamento das demandas de cada quarteirão, observando o interesse dos moradores daquele local. Em seguida, é construído um calendário de encontros quinzenal que deve ser amplamente divulgado na comunidade. Às ACS competem a definição do local e a mobilização comunitária. A equipe de residentes deve ser composta por profissionais que estejam mais familiarizados com o tema que será abordado. Alguém com conhecimento técnico sobre o assunto, mas, disposto a estabelecer diálogos com os moradores sobre o tema, problematizando, ouvindo, oportunizando a fala e interagindo de forma igualitária com aqueles indivíduos. O profissional deve apenas iniciar o diálogo, procurando realizar uma aproximação ao tema, e com uma postura de valorização local. Os indivíduos presentes devem ficar a vontade para interagir no momento que acharem necessário. O que deve ficar muito claro para a equipe técnica e para os moradores do local, é que aquela ação não é uma palestra e sim uma abordagem integradora e educativa. Os profissionais devem ser apenas mais um membro a participar da ação, mantendo-se na postura de aprendente. As abordagens são realizadas nos territórios do Sumaré, Pe. Palhano, Vila União e Terrenos Novos, ambos em Sobral (CE). EFEITOS ALCANÇADOS: Com a realização das abordagens é possível a construção de vínculos fortalecidos entre profissionais e comunidade, além do estabelecimento de parcerias e diálogos. A relação de igualdade estabelecida no espaço do quarteirão é também observada na valorização dos moradores da comunidade e na atenção dedicada a estes, pois, a roda no quarteirão, mobiliza todos os moradores da área, mesmo aqueles que não costumam frequentar a unidade de saúde, ou que tem receio em participar das atividades propostas no CSF. É o caso dos homens, que historicamente apresentam maior resistência em frequentar a unidade de saúde. Outro ponto positivo é que a equipe de saúde ao se deslocar até o quarteirão, tem a oportunidade de ampliar seu olhar para além do usuário, observando o local de moradia, as condições sanitárias, o entorno do quarteirão e, dessa forma, compreender o modo de vida e traçar formas de atuação mais adequadas para cada área. Dessa forma, a própria equipe de saúde se fortalece ao estabelecer ações que envolvem diferentes categorias profissionais, em um trabalho interdisciplinar ajudando a descentrar as disputas corporativas entre as diversas categorias profissionais. Essa metodologia também permite de forma emancipadora, a construção compartilhada do conhecimento e de intervenção social para melhorias nas condições de vida e de saúde daquelas comunidades levando-se em conta que o saber não é apenas um, mas, vários campos de conhecimento que levam em consideração a vivência, o saber comunitário, que deve também ser valorizado. RECOMENDAÇÕES: O Ministério da Saúde tem tido como pauta prioritária a retomada dos princípios fundamentais do Sistema único de Saúde (SUS), promovendo a criação de mecanismos e espaços para a gestão participativa e incentivando a descentralização efetiva e solidária, no sentido de aproximar a saúde tal como é vivida e sentida pela população, à maneira como se organizam os serviços e o conhecimento que orienta a ação dos profissionais que compõem o SUS (BRASIL, 2007). O envolvimento comunitário tem a capacidade de despertar nos profissionais um empenho para a releitura do seu próprio saber disciplinar e prática de trabalho em outra racionalidade. É importante que os conceitos sejam construídos em conjunto a partir do conhecimento prévio dos envolvidos e mediante uma realidade concreta e vivencial que seja valorizada pelo grupo. Nesse sentido, Vicent Valla chama a atenção ao afirmar que considerar a educação como um simples instrumento de transmissão de informações, no sentido de uma “educação bancária”, supõe o entendimento convencional do que seja fazer educação. Em tal contexto, “o educando é visto como um passivo recipiente do conhecimento que será fornecido pelo professor que, por princípio, tudo sabe”. O profissional não deve está naquele ambiente para “dar lições”, mas, para compartilhar saberes com a comunidade. Mais importante do que transmitir informações, é transmitir conhecimento e esse conhecimento deve fazer sentido para a comunidade, caso contrário, as pessoas irão ouvir o que é dito, mas, poucas irão compreender do que se trata realmente.