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Teoria da Dádiva e Participação Social: Possibilidades e Perspectivas
Resumo
Introdução: A necessidade de participação social nas ações governamentais geralmente se justifica, conforme Hannah Arendt (2011), porque o Estado, que necessariamente necessita dispor de meios de força, precisa ser limitado pelos governados no exercício da sua força, embora não se possa esquecer de que as ações coertivas governamentais são, de acordo com Chazel (1995), recursos eventuais uma vez que o poder político consiste fundamentalmente em uma contínua busca pela legitimação. Além disso, segundo Hannah Arendt (2011) , o desenvolvimento da real compreensão somente é possível a partir da pluralidade de perspectivas que estão presentes na sociedade. Dessa forma, pode-se afirmar que a participação social nas ações do governo possui dupla importância: controle do poder excessivo do Estado e aprimoramento das tomadas de decisão governamentais. Para que a participação social ocorra de modo efetivo, contudo, é fundamental que se compreenda o funcionamento da sociedade, assim, as contribuições da Teoria da Dádiva, também denominada Teoria do Dom, que, segundo Caillé (2000), considera que toda ação realizada sem garantia ou certeza de retorno possui a finalidade de produzir, manter ou reproduzir as relações sociais, podem ser bastante proveitosas para aperfeiçoar as iniciativas de participação social. Objetivos: Nesse sentido, com o objetivo de contribuir para viabilizar iniciativas de participação social mais efetivas, este estudo de natureza teórico-conceitual buscará discutir como a compreensão dos referenciais da Teoria da Dádiva pode fortalecer as ações de participação social. Método: Utilizou-se como método o desenho de ensaio, por se compreender que essa modalidade consiste em um exercício crítico-reflexivo de busca, com característica exploratória, sobre um determinado assunto ou objeto, que pretende proporcionar um modo original de considerar o tema em estudo (Tobar e Yalour, 2002). Resultados: A Teoria da Dádiva, segundo Godbout (2000), pode ser considerada uma dupla negação, isto é, a recusa a entender a ação humana a partir de uma racionalidade puramente instrumental como aquela da escolha racional economicista e também a resistência a compreender a ação do ser humano como completa heterodeterminação em razão de fatores sociais. Para a Teoria da Dádiva a sociedade move-se por meio do estabelecimento de trocas a partir de reciprocidades diferenciadas. Essa teoria ressalta que sociedade moderna é regida por uma pluralidade de lógicas, isto é, enquanto o mercado funciona por meio de um sistema de trocas equivalentes (dar-pagar), o Estado possui outro sistema de trocas (receber-devolver) e a sociedade civil atua através de um sistema de trocas assimétricas: o dar-receber-retribuir e é a partir dessa assimetria que as relações sociais são formadas (Martins, 2006). Em outras palavras, o Mercado e o Estado funcionam por meio de um sistema duplo de trocas, sendo que o primeiro ocorre de modo equivalente e o segundo de forma não-correspondente, enquanto a sociedade civil possui lógica tripla e assimétrica de funcionamento. A incompreensão dessas lógicas diferenciadas suscita consequências importantes como a demonização do Estado e do mercado e a santificação da sociedade civil produzindo no imaginário social preconceitos que se constituem em elementos dificultadores para a renovação da vida política (Sorj, 2010). Tal incompreensão baseia-se na crença de que Mercado e Estado possam funcionar assimetricamente, como a sociedade civil. Essa crença, contudo, constitui-se em uma impossibilidade estrutural, conforme a Teoria da Dádiva destaca. A fim de se possam estabelecer ações efetivas de participação social fundamentadas na solidariedade social há a necessidade de se compreender que na sociedade civil, justamente em razão de seu funcionamento assimétrico, de maneira geral, o desejo de dar é tão importante para os seres humanos quanto o de receber. Dessa forma, dar, transmitir, entregar são ações tão fundamentais quanto tomar, apropriar-se e o estabelecimento de laços torna-se, assim, uma necessidade para que as relações sociais sejam formadas (Godbout, 1999). Importante lembrar, entretanto, que a dádiva não é uma doação unilateral, pois, as pessoas quando doam qualquer que seja a forma de dádiva, esperam receber uma contrapartida de suas doações, mesmo conscientes de que não há garantia formal do retorno, têm esperança, confiam que o vínculo social que foi formado gere algum tipo de retribuição por parte do receptor da dádiva (Vandevelde, 2000). Aquele que doou espera que haja o reconhecimento, isto é, a admissão de que houve um dom, que há uma dívida em relação a ele e que aquele que recebeu permaneça interagindo com ele doador, até o momento que possa realizar a retribuição. De certa maneira, reconhecer é, portanto, sublinhar um reconhecimento de dívida, ou pelo menos de dádiva (Caillé, 2008). Nessa perspectiva as iniciativas de participação social precisam considerar que o reconhecimento é elemento-chave para o estabelecimento das relações de confiança que são cruciais para o desenvolvimento de momentos de diálogo aberto e construtivo fundamentais para subsidiar ações governamentais. Segundo Caillé (2005), a confiança que aqueles que participam de um mesmo grupo possuem reciprocamente é, de acordo com a Teoria da Dádiva, o fundamento para a compreensão da ação social e pode, desse modo fortalecer vínculos e formar alianças em torno de um objetivo comum. Conclusão: Para concluir, em conformidade com Martins (2008), é importante ressaltar que somente através da integração de uma visão sistêmica, paradoxal e interativa da vida social, como a proposta pela Teoria da Dádiva, é possível pensar novas iniciativas de ações participativas mais eficazes e dinâmicas que sejam capazes de responder às exigências atuais de reflexividade. Segundo Jasanoff (2009), a reflexividade é essencial para os atores sociais porque requer uma consciência ativa que possibilita apreciar os contextos sociais, as formas de cognição e os comportamentos humanos de maneira abrangente. Além disso, a reflexividade também permite que os atores sociais, de acordo com Temple e Edwards (2002), interroguem sistematicamente suas ações e relações na sociedade civil atual e consigam contribuir, consequentemente, de forma mais ampliada para subsidiar melhores ações governamentais.