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A percepção dos gestores sobre a influência dos grupos de interesse na garantia do direito à saúde
Resumo
Introdução Um dos eixos de problematização do acesso e utilização dos serviços de saúde no município do Rio de Janeiro se constitui na garantia do direito à saúde como direito de cidadania, o que coloca na arena decisória os diferentes grupos e campos de interesse. A literatura revela que as últimas décadas registraram a importância da produção científica sobre o tema das políticas públicas, assim como das instituições, regras e modelos que regem sua decisão, elaboração, implementação e avaliação (SOUZA, 2007). Pode-se considerar as políticas públicas como questões socialmente relevantes colocadas na agenda do governo num dado momento histórico, numa formação sócio-econômica específica, e como o produto - sempre inacabado - da luta que se trava em torno da materialização de interesses contraditórios no arcabouço jurídico-institucional do Estado. Do anterior se depreende que não somente a formulação das políticas, mas também sua implementação dificilmente correspondem a decisões tomadas racionalmente no seio do governo em nome de um mítico "interesse geral" (Labra, 1988, p.33-34). O objetivo deste trabalho é analisar, na percepção do gestor da saúde do município do Rio de Janeiro, a compreensão sobre os grupos de interesse e suas influências sobre a gestão do SUS. Metodologia Utilizou-se abordagem qualitativa porque permite produzir explicações contextuais para um pequeno número de casos, com uma ênfase no significado do fenômeno. Os sujeitos envolvidos na formulação da política são os gestores da SMSDC-RJ, incluindo o Secretário Municipal, a Sub-Secretária Geral, os Sub-Secretários, Superintendentes e os coordenadores das 10 APs. As técnicas de investigação utilizadas foram entrevistas semi-estruturadas, grupos focais, observação não-participante e análise de documentação. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da SMSDC-RJ, protocolo nº. 208/09 – CAAE: 0245.0.314000-09 (Anexo 1). Resultados Com a Constituição Federal de 1988, o acesso à atenção à saúde tornou-se, no Brasil, um direito de cidadania, o que significa que o Estado deve assegurar as condições de acesso e utilização dos serviços de saúde conforme as necessidades dos cidadãos, independente de contribuições ao SUS porque as bases financeiras estão asseguradas pelos impostos e contribuições sociais para a Seguridade Social, integrada pelas políticas de saúde, previdência e assistência social. No município do Rio de Janeiro, historicamente, a garantia do direito à saúde não tem sido cumprida porque a configuração do sistema de saúde reforça a desigualdade territorial de acesso e o planejamento, o financiamento e a gestão da oferta de atenção à saúde não expressam as necessidades de saúde da população de forma equânime. Pode-se atribuir esta situação a fatores como os interesses político-partidários e de outros grupos de interesses que exercem pressão de acordo com interesses particulares e/ou coletivos, porém, não, necessariamente representativos do bem comum. É evidente que a decisão em “territorializar as áreas de planejamento” expõe uma questão política na relação com a população, que é ter o seu bairro/localidade reconhecido pelo governo como “merecedor” de um olhar diferenciado. Neste sentido, esta decisão não está isenta do enfrentamento de disputas políticas. A representação do controle social, que deveria estar defendendo os interesses coletivos e as demandas originárias da população, exerce um papel antagônico, de interesses particulares e/ou de grupos que buscam maximizar as suas influências e poder sobre a gestão pública da saúde tendo como pano de fundo, interesses de ordem eleitoral e/ou empoderamento local. De acordo com Kingdon (2003 apud Capella, 2007, p. 101), “alguns desses grupos (de interesse) afetam a agenda governamental de forma positiva, influenciando mudanças nas ações governamentais; outros atuam de forma negativa, restringindo ações”. Acho que é uma coisa que incomoda é qual a legitimidade dessas pessoas que representam a vocalização daqueles que estão na comunidade. Esse é um questionamento que temos que fazer, mas temos que reconhecer porque essas pessoas foram eleitas. O que está ali é o interesse da população então, vamos lutar por isso. Mas cansa, não é? Existem outros interesses também. Infelizmente temos que questionar a legitimidade dos conselhos, mas nunca de quem está ali representado porque ele foi eleito (ENC4). A configuração do SUS municipal do Rio de Janeiro marca a negação do direito à saúde, em particular, pela oferta predominante de assistência hospitalar concentrada, enquanto principal acesso ao sistema de saúde. No discurso do gestor há concepção de responsabilidade sanitária como uma atribuição do Estado. Em relação às outras metas, a humanização da porta de entrada dos grandes hospitais de emergência, e dos grandes hospitais no geral. Essa humanização se reflete nos vários aspectos. O primeiro é o acolhimento, que é uma questão que esta sendo muito trabalhada nesse governo é a de que, se ele chegou ali, naquela porta de entrada hospitalar, mesmo que seja da atenção básica, ou se não foi atendido na UPA, ou se foi atendido e não ficou satisfeito, não importa o motivo, ele vai ser colocado dentro da estrutura (ENC3). A nova gestão do governo municipal do Rio de Janeiro e da SMSRJ destaca a tendência em garantir o direito à saúde pela proposta apresentada no desenho do processo de planejamento e gestão para a saúde. Destaca-se a compreensão de que os conceitos definidos como próprios do campo da saúde coletiva, e quase que obrigatórios no cuidado ofertado na atenção primária em saúde, devem perpassar todo o sistema de saúde, não distinguindo o hospital como elemento da organização sobre o qual a ideia de governança não se aplica, devido a representação do poder presente na fatia da assistência sobre sua responsabilidade. Nesse sentido, Santos Júnior, Ribeiro e Azevedo (2004, p. 19) denominam: [...] governança democrática (como) os padrões de interação entre as instituições governamentais, agentes do mercado e atores sociais que realizem a coordenação e, simultaneamente, promovam ações de inclusão social e assegurem e ampliem a mais ampla participação social nos processos decisórios em matéria de políticas públicas. Os TEIAS, melhor dizendo, eles são assim a materialização processual do entendimento de que não existe, na realidade, se você for analisar como profissional de saúde, uma divisão tão clara entre atenção primária e atenção hospitalar, existe atenção à saúde, e ela pode se dar em vários níveis, e em lugar de estar ideologicamente aprisionada, ela deve estar metodologicamente livre e adequadamente integrada (ENC3). Ainda que o entendimento sobre a responsabilidade sanitária como atributo do Estado oriente a escolha e formulação das alternativas para a resolução dos problemas no âmbito da política de saúde, os gestores entendem que as mudanças não acontecerão a partir de normatizações, mas sim com o envolvimento dos atores (gestores, profissionais e a sociedade civil), em um processo de persuasão que leve a garantia da gestão por governança. O que eu estou te falando é o seguinte, pragmaticamente falando você não pode ter um decreto para mudar a forma de entrada no sistema do Rio de Janeiro, porque historicamente, o cidadão busca a saúde através do sistema hospitalar. Então o que nós propomos é disciplinar esse acesso dando a ele a chance de efetivamente ser atendido (ENC3). Conclusão A análise mostra que explicitamente a concepção do direito à saúde não se faz presente nas falas dos gestores, e desta forma não se mostra como eixo estruturante da proposta dos territórios integrados. Entretanto, é por meio da proposta de organização da rede de atenção à saúde do município que fica subentendido que a saúde é bem público ao qual todo cidadão tem direito e que deve ser provido pelo Estado de acordo com as diretrizes e princípios do SUS. Referências CAPELLA A.C.N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Orgs). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. p. 87-124. HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Orgs.) Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. 397 p. LABRA, M.E. Proposições para o estudo da relação entre Política, Burocracia e Administração no Setor Saúde Brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, RJ, 1(4): 33-48, jan/mar, 1988. SANTOS JÚNIOR, O.A.; AZEVEDO, S. e RIBEIRO, L.C.Q. Democracia e gestão local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. In SANTOS JÚNIOR, O.A.; RIBEIRO, L.C.Q e AZEVEDO, S. (Orgs.). Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan Fase, 2004. p. 11-56. SOUZA, C. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Orgs.) Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. p. 65-86.