Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Agendas públicas locais de saúde direcionadas ao enfrentamento da violência contra mulheres rurais
Marta Cocco da Costa, Marta Julia Marques Lopes, Joannie dos Santos Fachinelli Soares

Resumo


Nos últimos vinte anos, os municípios brasileiros assumiram responsabilidades crescentes no âmbito da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), com isso este estudo buscou analisar as agendas públicas locais de saúde direcionadas ao enfrentamento da violência contra mulheres rurais, na perspectiva dos gestores e dos planos municipais de saúde. Para além de conhecer, buscou-se também refletir a partir dos atores da esfera municipal, que pensam e executam as políticas públicas de saúde, como está colocado na agenda local a situação da violência contra as mulheres nesse contexto. Compreende estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa. Foi desenvolvido em oito municípios da Metade Sul do Rio Grande do sul, e foram participantes gestores e profissionais responsáveis pela saúde da mulher. A produção dos dados foi gerada por meio de entrevista e a análise baseou-se na compreensão da vulnerabilidade programática e particularizou-se: a expressão do compromisso; a transformação do compromisso em ação/planejamento e coordenação. Na direção da expressão do compromisso o estudo mostrou que as diretrizes que fogem àquelas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, no nível federal, e o que não estão colocados enquanto “agenda biológica”, não são visualizadas como prioridades da gestão. Reporta-se aqui, a total invisibilidade da violência nos depoimentos dos participantes deste estudo enquanto tema prioritário a ser trabalhado na dimensão das agendas locais de saúde. Se poderia afirmar que não existe violência doméstica contra as mulheres nem urbanas e ainda menos para as rurais. Observou-se que as áreas rurais são inseridas nas agendas públicas de saúde como um “apêndice”, pois instituem-se para esse contexto ações que são pensadas e estruturadas, muito mais, a partir do cenário urbano do que das especificidades e das singularidades do rural. Isso gera ações desconexas da realidade e que repercute na não resolutividade das demandas e problemas advindos das comunidades rurais. Analisou-se a partir desses elementos o que é “dito e feito” na configuração de um quadro analítico para as diferentes dimensões da vulnerabilidade das mulheres dos municípios em foco. Nessa direção, partiu-se para analisar o segundo elemento da vulnerabilidade programática a transformação do compromisso em ação, planejamento e coordenação evidenciando a fragilidade da gestão das políticas e dos recursos, o que atesta o despreparo dos municípios em conduzirem o processo de gestão pautados nas diretrizes e princípios do SUS. Pensando nas especificidades e nas dinâmicas socioculturais das comunidades rurais, intensifica essa fragilidade da gestão, visto que essas não são exploradas e tão pouco colocadas na dimensão do planejamento em saúde, o que tonifica a vulnerabilidade programática dessas comunidades na dimensão da saúde e da saúde pública. Especificamente, tratando-se da violência contra as mulheres rurais evidenciou-se o não reconhecimento dessa problemática na gestão em saúde, e o resultado desse “não reconhecimento” foi a constatação da inexistência de agenda local direcionada a problemática da violência contra as mulheres rurais, como também a desresponsabilização e o descompromisso da gestão local frente a esse fenômeno. A inexistência de agendas locais de intervenção/enfrentamento dessa problemática para os cenários rurais, a desresponsabilização e o descompromisso da gestão local frente a esse fenômeno juntamente com a desarticulação dos serviços de atenção as vítimas de violência, tornam-se elementos agravantes na construção e consolidação da integralidade na atenção a essas mulheres. Constata-se que as agendas públicas locais de saúde não atingem as mulheres rurais nem na sua perspectiva clássica, meramente reprodutiva, digamos assim, e muito menos são pensadas ações na direção da problemática da violência nesses cenários. As mulheres rurais vivem realidades especificas desse meio, e essas realidades não são contempladas. Com isso, a ausência de respostas do poder público não é surpresa, e acaba reforçando a violação dos direitos das mulheres. A partir da análise dos Planos Municipais de Saúde, pode-se mencionar a existência de “lacunas de sensibilidade” na gestão dos serviços de saúde frente a violência contra as mulheres rurais. Isso revela primeiro a dificuldade dos municípios em reconhecer essa ferramenta, o Plano Municipal, como instrumento de gestão, e segundo as limitações em introduz nos Planos problemáticas que extrapolam a dimensão “clássica” da biologia e da patologia, e sensibilizar-se com fenômenos sociais. Essas constatações reforçam que o modelo de gestão dos serviços em estudo pauta o olhar na doença e não na saúde, e no tradicional modo de intervir sobre o campo das necessidades percebidas, de forma compartimentada. Com isso, evidencia-se no campo das respostas operativas a reprodução desse modelo, em que as ações não contemplam as dimensões preventivas e promocionais, e tão pouco reconhecem a saúde enquanto direito de cidadania. Os achados deste estudo mostram que a violência contra as mulheres rurais situa-se no campo da “novidade” um tanto desconfortável para o setor saúde, apontando as limitações e as fragilidades da condução da gestão local em saúde direcionadas ao enfrentamento dessa problemática. Evidencia-se o despreparo e o descompromisso em traçarem linhas da gestão em saúde norteadas pelas diretrizes e princípios do SUS. Com isso, propicia-se a reafirmação de conceitos e práticas hegemônicas em saúde, especialmente, na atenção básica da qual se espera gestão e práticas inovadoras em saúde. Além disso, as poucas ações pontuais desenvolvidas nos cenários deste estudo, não dão conta de questionar ou de reconhecer as iniqüidades em saúde e terminam reforçando as desigualdades entre homens e mulheres, legitimando o poder do Estado e seus meios de perpetuar o distanciamento de uma perspectiva de igualdade e legitimidade para as mulheres rurais. O estudo mostra a necessidade de reconhecimento dessa problemática na dimensão da gestão em saúde, para assim possibilitar a sua inserção nas agendas públicas locais, pautando-se num processo de desconstrução de discursos que mantêm e reproduzem as desigualdades entre homens e mulheres, como também promover a articulação de distintas óticas disciplinares para que se possa trabalhar com a complexidade dessa problemática.