Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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CONSIDERAÇÕES ACERCA DA IMPLANTAÇÃO DO PROTOCOLO DE ACOLHIMENTO COM AVALIAÇÃO DE RISCO EM SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO: ORGANIZAÇÃO OU RESTRIÇÃO DE ACESSO?
Luis Felipe Martins dos Santos, Aluísio Gomes Silva Júnior, Mônica Teresa Christa Machado, Ighor de Barros Rezende, Leandro Cacciari Cardozo Porto, Leandro Nogueira de Souza

Resumo


Introdução Os serviços de emergência ainda representam importante porta de entrada nas redes de serviços de saúde no Brasil. A atual ênfase na construção e fortalecimento das redes de atenção básica ainda não foi capaz de alterar significativamente este cenário, que é resultante de fatores os mais diversos, dentre os quais podemos citar a evolução de nosso perfil epidemiológico, a insuficiência da rede de atenção de básica e a percepção dos usuários de seu próprio sofrimento. Muito embora a atenção à urgência se dê em diferentes tipos de unidade, é nos hospitais que os problemas do setor afloram de maneira inequívoca. Apresentando a maior capacidade hospitalar instalada, e com uma rede básica que ainda insuficiente para a demanda que se apresenta, o município do Rio de Janeiro tem sofrido continuadamente com os problemas que passamos a apresentar. A formulação de políticas especificamente voltadas para a atenção às urgências, e a profusão de medidas adotadas para minimizar os problemas, mostram tanto a importância dessa rede quanto a gravidade da situação enfrentada. Não à toa, os serviços de emergência são uma das principais fontes de queixas da população (GOUVEIA et al., 2003), que associa as idéias de superlotação e falta de resolutividade aos serviços. Dessa forma, o principal objetivo das medidas elencadas nas políticas citadas parece ser a organização dos recursos do setor: desde formas de financiamento até o fluxo ideal dos pacientes admitidos pelos serviços. A mudança de nosso perfil epidemiológico nos últimos anos soma-se à incapacidade da rede básica em atender certos agravos, conforme relatado pelo MS nas Portarias acerca do tema. O aumento da morbimortalidade por causas externas, dos quadros agudos associados a eventos cardiovasculares e das agudizações de doenças crônicas evidencia a necessidade de resposta imediata a alguns eventos, o que seria o papel primordial das unidades de emergência. O retardo dessas respostas, muitas vezes, se origina da incapacidade estrutural da unidade, da qual o excesso de usuários de baixa ou nenhuma gravidade é sem dúvida um fator de peso. Outros fatores dessa incapacidade são o despreparo, e mesmo incompletude, das equipes e a dificuldade de estabelecer um fluxo de escoamento dos pacientes para outros serviços, seja para outras unidades de maior complexidade ou mesmo para a rede básica. Fica evidente, neste ponto, a importância de organizar os recursos dos serviços de emergência de forma a garantir a assistência imediata aos casos que dela necessitem, sem prescindir do cuidado àqueles que por qualquer motivo busquem assistência, e esse é o ponto comum entre as políticas que tratam do setor. Conquanto a PNAU trate da rede de atenção às urgências em sua maior abrangência, a saber, Promoção, Prevenção e Vigilância à Saúde, Atenção Básica em Saúde, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) e suas Centrais de Regulação Médica das Urgências, Sala de Estabilização, Força Nacional de Saúde do SUS, Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) e o conjunto de serviços de urgência 24 horas, Hospitalar e Atenção Domiciliar (Port. MS nº 1.600/2011), iremos aqui nos limitar a seu ponto de contato com a PNH, e considerado na PNAU uma das bases do processo: o Acolhimento com Classificação de Risco. Dentro do rol de práticas de acolhimento, preconizadas desde 2003 como uma das diretrizes da PNH, nosso interesse particular recai sobre a Classificação de Risco. Esta é uma ferramenta que consiste em avaliar, de acordo com protocolos pré-estabelecidos, a situação clínica de cada paciente que chega ao serviço, classificando-o em uma escala de gravidade clínica de acordo com os resultados dessa avaliação. Dessa forma, pacientes mais graves têm prioridade de atendimento, e pacientes com queixas de pouco ou nenhum risco podem ser orientados para um serviço que melhor responda a suas necessidades naquela situação, normalmente uma unidade de menor complexidade da rede. Sendo parte integrante do acolhimento, esta avaliação deve ser feita em qualquer unidade de saúde, mas sua importância se destaca nos serviços de urgência. O papel da classificação de risco como elemento organizador de recursos e formador de fluxos na rede é fundamental na tentativa de combater alguns dos problemas anteriormente apontados como centrais na crise desses serviços, permitindo maior acurácia na identificação e atendimento imediato de pacientes mais graves e, ao redirecionar os casos menos graves para outras unidades da rede, diminuir a superlotação das emergências. Ao possibilitar a correta reorientação dos recursos assistenciais disponíveis de acordo com a gravidade clínica de cada caso, a classificação de risco permitiria, em tese, maior acessibilidade aos usuários e maior resolutividade dos serviços. A classificação de risco, entretanto, apenas poderá cumprir seu potencial quando houver a garantia de que o resto da rede é suficientemente capaz de acolher os usuários de menor risco imediato, isto é, ambulatoriais. A classificação de risco é uma proposta de intervenção em um ponto extremamente sensível, com potencial ação sobre diversas esferas da assistência, desde a rede de atenção básica até alta complexidade, já que apresenta uma atuação baseada, principalmente, em organizar o fluxo de pacientes dos serviços de emergência. Neste contexto, é premente o desenvolvimento de formas de avaliar o impacto da classificação de risco nas diferentes unidades que fazem uso dessa ferramenta, e estudar o fluxo de pacientes da rede circunscrita. A análise dessa avaliação pode explicitar o quanto a implantação dessa estratégia tem se mostrado bem sucedida, ou se sua dependência de outros fatores externos diminui sua prioridade no conjunto de estratégias para melhorar o acesso e a equidade do SUS. Dentro do exposto, iniciamos uma pesquisa avaliativa acerca da implantação da classificação de risco em uma unidade hospitalar do município do Rio de Janeiro, motivados pela ausência de trabalhos acerca do tema e dada sua preponderância, no contexto do município, na construção de processos integrativos de redes de saúde. Objetivos Analisar o resultado do Acolhimento com Classificação de Risco sobre o volume e perfil de atendimento de um serviço hospitalar de emergência, e sobre o influxo de pacientes da unidade no período compreendido entre junho de 2010 e junho de 2011, tendo como objetivos específicos: avaliar a implantação do protocolo de Classificação de Risco, analisar a mudança no volume de atendimentos no serviço de emergência do hospital, analisar a mudança no perfil de atendimento do serviço de emergência e analisar o fluxo de pacientes atendidos pelo serviço de emergência. Metodologia A abordagem proposta para este estudo é a pesquisa avaliativa, com análise de implantação da intervenção em foco, a saber, o Acolhimento com Classificação de Risco. A análise de implantação será observada em seus três componentes, baseando-se na documentação gerada pelo serviço de emergência do hospital, e avaliação dos métodos e processos de trabalho das equipes envolvidas. Resultados parciais Até o presente momento, a pesquisa apresentou como resultado parcial o aprofundamento da discussão acerca da suficiência da rede de saúde no município, a partir da revisão de literatura atinente ao assunto, focando os fluxos de usuários entre as diferentes unidades. Conclusão Até este ponto, alguns tópicos saltam à vista nas análises iniciais, a saber: fluxo de pacientes, integração da rede, suficiência da rede e restrições de acesso. A primeira consideração de aspecto prático importante aqui é que a classificação de risco se traduz primariamente em tempo de espera, da atenção imediata (vermelho) à prioridade baixa de atendimento no serviço de emergência (azul), o que significa que o paciente classificado como azul pode, sem nenhum prejuízo à sua saúde, ser encaminhado para uma unidade de menor complexidade, para atendimento ambulatorial. Outra consideração importante é que a PNH deixa espaço suficiente para que cada serviço adote seus próprios protocolos de avaliação clínica, de acordo com seus recursos e seu contexto. Por isso é apenas possível aqui esquematizar o funcionamento desta intervenção. E, por fim, a PNH afirma que a classificação de risco se distingue claramente de um processo de triagem, uma vez que seu foco é produzir orientação e direcionamento, enquanto a triagem produz condutas a serem seguidas pelos profissionais de saúde. O acolhimento, todavia, é fundamentalmente uma reorganização dos processos de trabalho, e sua implantação não poderia deixar de apresentar alguns pontos críticos. O primeiro é a própria mudança proposta nos processos de trabalho de cada equipe. Mudanças desse tipo apresentam-se, na maior parte das vezes, difíceis, por requerer não apenas certa maleabilidade dos gestores e coordenadores locais, mas também a adaptação de toda uma equipe a essa nova forma de produzir cuidado em saúde. Esse ponto é abordado na própria PNH, ao deixar espaço para adaptações locais e explicitar a importância das construções coletivas entre equipes de trabalho, gestores locais e rede regional. Outro ponto crítico é a insuficiência das redes de atenção básica do município do Rio de Janeiro. Significativa parcela da demanda dos serviços de emergência hospitalar é composta por usuários que sequer procuraram suas unidades básicas de referência, ou foram indevidamente encaminhados, por meios próprios, para o hospital. A interação dos serviços de urgência com o resto da rede requer a possibilidade de redirecionar os usuários para outras unidades, e que estas sejam capazes de dar o tratamento adequado, ou prosseguimento ao tratamento iniciado, em nível ambulatorial, bem como a certeza de que os pacientes encaminhados de outras unidades de menor complexidade foram devidamente avaliados e necessitam de recursos apenas disponíveis naquele serviço. Aliada à incapacidade da rede de atenção básica temos a extensão e o sucateamento da rede hospitalar do município do Rio. A existência de múltiplos serviços de emergência hospitalar com diferenças signicativas de recursos diagnósticos e terapêuticos cria a falsa percepção de sobreposição e suficiência, confundindo usuários e equipes sobre quais os recursos disponíveis em quais unidades. Isso resulta num fluxo de usuários que peregrina de serviço em serviço, até que receba o atendimento que procura. Atendimento esse que, muitas vezes, poderia ser prestado na unidade de referência mais próxima do paciente. Estes pacientes podem apresentar piora do quadro clínico ao longo dessa busca seriada por assistência, ou apenas aumentar deliberadamente o teor de suas queixas, na esperança de conseguir atendimento médico. No primeiro caso, muitas vezes o atendimento eventualmente prestado torna-se insuficiente para a atual gravidade do caso. No segundo, utilizam-se recursos, algumas vezes já escassos, que não condizem com a real gravidade do caso. Uma vez que o propósito da classificação de risco é produzir orientação e direcionamento, podemos apontar aqui um contra-senso catastrófico. De nada adianta produzir orientação, se os usuários sentem-se incapazes de cumpri-las, dentro de sua análise no que concerne à gravidade da própria doença. E é impossível produzir orientação se esta não é realizável, já que a rede, local para onde a orientação aponta, é incapaz de receber ou lidar adequadamente com estes indivíduos. Partindo-se desta observação, é possível afirmar que a classificação de risco, longe de organizar quaisquer recursos, atua como restrição ao acesso ao cuidado. Objetivamente, a classificação de risco dificulta o acesso a alguns serviços, sem que haja qualquer garantia de que o usuário será acolhido na rede básica. Referências BibliográficasBrasil. Ministério da Saúde. QUALISUS: Política de qualificação da atenção à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.Brasil. Ministério da Saúde. 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