Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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INDÍGENAS TUPINIQUIM E GUARANI DO “ES” FRENTE AO CONSUMO DE CRACK, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: GESTÃO POR REDES COOPERATIVAS INTER(ÉTNICA)SETORIAIS
Thiago Henrique Fiorott, Maria da Penha Oliveira

Resumo


Um dos grandes desafios da sociedade contemporânea é se organizar para responder as demandas trazidas pelo excessivo consumo de álcool e outras drogas, e principalmente, pelo aumento da chamada epidemia do crack, nos mais diversos extratos da nossa sociedade, não restringindo raça, gênero, etnia, ou qualquer outra especificidade por nós conhecida.O povo Indígena Tupiniquim e Guarani, que habita as Terras Indígenas no município de Aracruz no litoral do Estado Espírito Santo (ES), têm sofrido as consequências causadas pelo uso abusivo destas substâncias por membros de sua aldeia.As políticas públicas sobre drogas e a política indigenista do Estado Brasileiro evocam os princípios da multidisplinaridade, da intersetorialidade, e da descentralização das ações a partir da organização de redes públicas de cooperação local. Torna-se imprescindível construir redes “junto com a” comunidade indígena, tendo a mesma como protagonista, e não “para a” comunidade indígena, como até aqui firmado pela prática colono/paternalista.Desta forma, objetivou-se com este estudo verificar a organização de uma rede cooperativa inter(étnica)setorial de atenção ao do consumo de Crack, álcool e outras drogas, na Comunidade Indígena Tupiniquim e Guarani do Espírito Santo à luz das diretrizes da legislação vigente, garantindo que as peculiaridades culturais dessa comunidade fossem levadas em consideração. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de campo por meio de um roteiro semi-estruturado, com questões abertas e fechadas, com servidores das três instituições sediadas no interior da terra indígena, indicadas pela comissão de caciques Tupiniquim e Guarani, a fim de que informações sobre a organização desta possível estrutura fossem obtidas e posteriormente analisadas.A pesquisa foi iniciada em reunião com a “Comissão de Caciques Tupiniquim e Guarani”: “ Estrutura criada com o intuito de articular as comunidades, uma vez que todos os assuntos são pertinentes a todas as comunidades; então se discute os problemas para encontrar soluções em conjunto. É composta de dez caciques, sendo quatro Guarani e seis Tupiniquim.” (Jaguareté – Liderança Tupiniquim-08/08/2011).Foi solicitado aos caciques que indicassem quais instituições tinham sua sede no interior da Terra Indígena: Coordenação Técnica Local (CTL) da FUNAI em Aracruz, Secretaria Especial de Saúde Indígena, através das suas Unidades de Saúde e Secretaria Municipal de Educação, através das escolas indígenas existentes na área.Este foi um momento onde as lideranças colocaram suas expectativas com relação aos órgãos públicos frente ao enfretamento do uso abusivo do álcool, crack e outras drogas, bem como com relação à sociedade envolvente, e sua visão sobre a abordagem do problema: “Todos esses problemas de álcool e drogas não foi os índios que criaram, foi problemas que trouxeram por outros pra nós, e agora apontam: olha lá o índio cheio de problema. Mas não é assim não, tem que olhar história, quem trouxe o problema? Como começou o problema?” (Cacique Guarani – 08/08/2011).A amostra foi escolhida entre os servidores das três instituições indicadas: 07 servidores da CTL Aracruz/FUNAI, 16 servidores da área da saúde indígena, 06 servidores indígenas Tupiniquim ou Guarani da área de educação, totalizando 29.As entrevistas foram realizadas pelo pesquisador, em cada instituição separadamente; os resultados foram compilados e analisados quantitativa e qualitativamente.Os principais resultados indicaram que nenhuma das instituições ofereceu capacitação aos servidores dentro da temática abordada, dificultando o acesso ao conhecimento e acompanhamento da legislação atual sobre o assunto.Quanto a atuação das instituições frente ao uso abusivo do crack, álcool e outras drogas, e sua relação com as ações de parceiros, na busca da intersetorialidade. Metade respondeu haver atuação da instituição, e também que esta atuação se dá de forma intersetorial.Foi demonstrado que quando ocorre interação das instituições sediadas na comunidade Tupiniquim e Guarani, estas acontecem preferencialmente com instituições não sediadas na comunidade, ainda que as sedes de cada uma delas não diste um quilômetro umas das outras dentro das aldeias; revelando que apesar da proximidade, há dificuldade de diálogo entre estes setores, fragmentando as ações, impossibilitando a atenção por redes.Buscou-se ainda verificar o quanto os profissionais consideravam relevantes as iniciativas e tomadas de decisão da comunidade, preservando assim sua autonomia, observou-se que 100% dos servidores indígenas responderam positivamente a esta questão. Diferentemente dos outros profissionais que responderam negativamente.80% dos entrevistados afirmaram que a abordagem aos indígenas usuários ou dependentes deve ser diferenciada dos não indígenas. Os relatos mostraram preocupação com o aumento das conseqüências nocivas que o uso abusivo dessas substâncias já tem trazido para a comunidade indígena: “Se nada for feito em curto e médio prazo teremos uma epidemia de jovens usando substancias ilícitas”."É alarmante o número de pessoas dependentes e famílias adoecidas. É necessário um trabalho e intervenção que venha contribuir com a comunidade. Acredito nessa possibilidade de atuar em rede e alcançar benefícios”Posteriormente à pesquisa, foi articulada de maneira espontânea (sem presença do pesquisador), pelos agentes pesquisados (servidores da FUNAI, das unidades de saúde e educação) uma reunião envolvendo vários outros atores, como a Prefeitura Municipal de Aracruz, o Governo do Estado do Espírito Santo (Secretaria de Segurança Pública e Saúde), grupos de jovens e mulheres indígenas, entre outros, para discutirem o tema álcool e drogas, definirem ações, papéis e agenda de trabalho na comunidade indígena, sugerindo o início da organização de uma rede inter(étnica)setorial de atenção ao uso de álcool e drogas. Mostrando a importância do presente estudo no estímulo à formação de uma estrutura de discussão/atenção ao assunto.A organização autônoma das várias estruturas componentes da rede gerou alguns esboços iniciais de projetos, como diagnósticos situacionais das comunidades junto as equipes de saúde; projetos de esportes dos jovens indígenas com a Universidade Federal do Espírito Santo e a FUNAI; capacitação dos servidores com a Secretaria Estadual de Saúde; audiência sobre Segurança Pública com a Secretaria Estadual da pasta; ampliação da ação educativa da Polícia Militar com as Escolas Indígenas; entre outros. Totalizou-se mais de dez reuniões em um período de dois meses, com envolvimento de aproximadamente cem atores, conforme constam as listas de presença das mesmas. Desta forma, é possível inferir que na luta democrática pela efetivação das políticas públicas estudadas e na proposta de gestão por redes, há um ponto de convergência, a busca pela autonomia, o que parece ser alcançado mais facilmente com investimentos na educação continuada e permanente dos servidores e das populações. Os dados iniciais levantados quanto à forma de organização da rede de atenção ao consumo de crack, álcool e outras drogas na comunidade indígena Tupiniquim e Guarani, mostram a dificuldade encontrada pelos atores frente a esta demanda. No entanto, a articulação destes, envolvidos num processo de atenção complexa - que muitas vezes pode refletir anos de desencontros, desrespeitos, violência, como é o caso de comunidades que requerem atenção ao uso abusivo de substâncias psicoativas – formando uma rede inter (etnias– setores – disciplinas–instituições–etc), ou seja, rompendo o paradigma da fragmentação, da centralização e da hierarquização, pode transpor barreiras de longos períodos históricos de imposições e potencializar ações positivas em prol da coletividade, capazes de efetivar mudanças; esta foi uma ação reflexa alcançada pelo presente estudo, já iniciada na região, embora não tenha sido o seu objetivo principal.