Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O público e o privado na regionalização da saúde: processo decisório e condução da política no Estado do Espírito Santo.
Ana Paula Santana Coelho, Luciana Dias de Lima

Resumo


Introdução: O presente trabalho é resultado de uma dissertação de mestrado e se refere às relações entre o público e o privado na política de saúde, especialmente na que tange à regionalização. Estudos sobre as relações público-privadas têm se tornado cada vez mais freqüentes nas análises sobre a política de saúde do Brasil. Entretanto, ainda são escassos os trabalhos que investigam como o segmento privado influencia o sistema público de saúde, quais são os fatores que determinam sua influência e qual o impacto dessas relações sobre a configuração regional do sistema de saúde. Pretendeu-se contribuir com esse debate, por meio da análise das relações público-privadas na regionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) no estado do Espírito Santo, tendo como foco duas microrregiões de saúde. Partiu-se da concepção de regionalização como um processo político que envolve diferentes atores públicos e privados em relações de disputa, conflito, negociação e cooperação. Essas relações se expressam na regionalização da saúde de forma ampla podendo ser observadas em duas dimensões inter-relacionadas que dão sentido às regiões na saúde: uma técnico-política e outra político-administrativa.A temática do trabalho é particularmente importante visto que as relações público-privadas condicionam historicamente o funcionamento do sistema de saúde brasileiro, impondo sérios desafios ao processo de implementação do SUS na atualidade. A abordagem adotada possibilita aclarar aspectos que permeiam essas relações, trazendo subsídios para o desenvolvimento de mecanismos regulatórios orientados pela lógica do público e pelas necessidades coletivas de saúde como norteadores da política de regionalização do SUS.Objetivo geral: Analisar as relações público-privadas na regionalização do SUS no estado do Espírito Santo, no contexto do Pacto pela Saúde (2007 a 2010). Objetivos específicos: Descrever a organização do sistema de saúde no Espírito Santo, considerando seus recortes regionais e a distribuição dos serviços de saúde públicos e privados; Identificar os atores envolvidos, caracterizar e comparar as relações público-privadas em duas microrregiões de saúde selecionadas: Cachoeiro de Itapemirim e Vitória; Discutir a influência das relações público-privadas nos processos relacionados à regionalização do SUS no estado do Espírito Santo. Metodologia: A pesquisa empírica envolveu visita de campo, entrevistas e análise documental, adotando-se como estratégia metodológica o estudo comparado de duas microrregiões de saúde selecionadas: Cachoeiro de Itapemirim e Vitória. O estudo incorporou os métodos e análises efetuadas em pesquisa nacional intitulada “Avaliação Nacional das Comissões Intergestores Bipartite (CIB): a CIB e os modelos de indução da regionalização no SUS”. Desse estudo utilizou-se a tipologia nacional das regiões associadas aos Colegiados de Gestão Regional (CGR) gerada a partir da aplicação de técnicas estatísticas para a construção de agrupamentos (modelos de análise fatorial e de análise de agrupamentos - cluster analysis). Os métodos empregados permitiram a agregação das regiões conformadas pelos CGR que apresentam perfis semelhantes segundo um conjunto de variáveis socioeconômicas, complexidade do sistema de saúde e natureza do prestador do SUS. Foram realizadas análises de banco de dados nacionais (SIH, SIA, CNES) e entrevistas semi-estruturadas com atores-chave na condução da regionalização no estado e nas microrregiões. Foram incluídos os gestores municipais e estaduais; representantes dos prestadores (público, privado-público, privado); representantes da corporação médica, totalizando dezoito entrevistas. O estudo valorizou variáveis históricas, estruturais e sobre a dinâmica sócio-econômica, entendendo que são importantes para explicar as relações público-privadas que se constituem em cada uma das microrregiões. Resultados: Os resultados obtidos permitiram a identificação de dois padrões predominantes de relações público-privadas nas microrregiões estudadas: interdependente e cooperativo; e múltiplos arranjos com conflitos. O estudo evidenciou que as relações público-privadas exercem influência em todas as dimensões do processo de regionalização, por meio de relações formais e informais que se encontram institucionalizadas nos sistemas regionais de saúde. Na dimensão técnico-política, se observou essa influência na determinação do desenho regional da saúde na medida em que os principais critérios adotados foram a capacidade instalada e a produção precedente, e que grande parte do parque hospitalar do SUS no estado é de propriedade privada. No processo de planejamento e programação, a atuação dos gestores é fortemente condicionada por tal característica da oferta, que somada aos precários mecanismos de regulação, acabam por dificultar o controle do Estado, possibilitando uma lógica mercantilista na operacionalização do sistema de saúde, atendendo a outros interesses que não aqueles do público ou do coletivo. Na dimensão político-administrativa a atuação do privado se dá por meio da ampla participação dos prestadores no SUS, conferindo complexidade na gestão do sistema e exigindo ferramentas mais eficazes de controle. Também a inserção e múltiplos vínculos dos profissionais nos segmentos do sistema (público e privado) e a atuação de suas cooperativas de especialidades profissionais influenciam ambas as dimensões da regionalização, limitando os instrumentos e recursos do planejamento e dificultando a adoção de regras formais e mais transparentes na regulação estatal do acesso e seu financiamento. Considerações finais: Foi possível a notar por meio do estudo a influência e as interseções existentes entre o público e o privado no SUS em várias dimensões. A regionalização entendida nesse trabalho como um processo político, pressupõe a consideração de um sistema de interrelações entre diferentes atores sociais na elaboração e execução da política de saúde. A visão antagônica e segmentada entre o público e o privado dificulta o desenho de estratégias de coordenação e de controle do privado pelo gestor público. Nesse contexto é necessário o desenvolvimento de novas estratégias e instrumentos sem as quais o processo de regionalização da política de saúde pode tomar rumos diversos, privilegiando interesses variados, obstaculizando uma política do coletivo. Sugere-se o fortalecimento e ampliação da representatividade das instâncias regionais de gestão e pactuação no SUS, garantindo maior formalização e transparência nas relações público-privadas que permeiam a formulação e implementação da política de saúde.