Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O SUS revelado em pesquisa e o SUS que a mídia mostra
Izamara Bastos Machado, Kátia Lerner, Wilson Couto Borges

Resumo


Introdução: Com a Constituição da República de 1988, a saúde no Brasil passou a ser reconhecida como um direito social, isto é, cabendo ao poder público a obrigação de garanti-la a todo cidadão através do Sistema Único de Saúde. A partir deste momento houve um processo de reestruturação da dinâmica de funcionamento da saúde no país, gerando variadas avaliações - tanto de gestores, profissionais da saúde, usuários etc.- sobre esse novo modelo. Em 2011, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIP) com o tema “saúde”. O estudo teve por objetivo principal avaliar a percepção da população sobre serviços prestados pelo SUS e sobre planos e seguros privados de saúde. A pesquisa foi realizada com usuários do SUS e com aqueles que se consideravam não usuários deste sistema. O questionário contou com 24 perguntas objetivas, organizadas em três blocos, que contemplaram os seguintes temas: i) Percepção sobre cinco tipos de serviços prestados pelo SUS: atendimento em centros e/ou postos de saúde, atendimento por membro da Equipe de Saúde da Família (ESF), atendimento por médico especialista, atendimento de urgência e emergência e distribuição gratuita de medicamentos; ii) Avaliação geral sobre o SUS; iii) Avaliação dos serviços oferecidos por planos e seguros de saúde. A pesquisa foi um importante instrumento de sondagem à população, especialmente a partir da perspectiva de que tal percepção é “mediada por inúmeros fatores (da experiência na utilização dos serviços, da experiência de outros membros da família ou da comunidade, dentre outros)”. Queremos ressaltar um dos aspectos que nos parece ser central à forma como compreendemos e interferimos no mundo: o discurso midiático. Ainda que o trabalho do Ipea aponte que “aquilo que é divulgado pelos meios de comunicação interfere na formação de uma opinião geral”, o que buscamos realçar nessa comunicação é que a forma e o conteúdo da presença da saúde na mídia são fatores preponderantes para a compreensão da abrangência e dos limites do SUS. Objetivos: Através do Observatório Saúde na Mídia, projeto do Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da FIOCRUZ, propomos: - Refletir sobre os modos como os meios de comunicação de massa, em especial o jornalismo impresso através do jornal O Globo, produzem discursos sobre o SUS; - Apresentar possíveis triangulações entre as notícias divulgadas sobre o SUS pelo jornal O Globo e os temas abordados na pesquisa do Ipea. Método: A definição do recorte se deu em função da data em que a pesquisa ocorreu até a data de sua divulgação. Compreendendo que o intervalo entre os dias 03 de novembro de 2010 e 09 de fevereiro de 2011 (início da coleta de dados do Ipea e divulgação do resultado, respectivamente) cobriria um espaço de tempo em que o assunto poderia estar mais evidente na mídia, optamos por ampliar o corpus em trinta dias anteriores ao início da coleta de dados pelo Ipea (03/10/2010) e 30 dias posteriores à data de divulgação do relatório do Instituto (09/03/2011). No que diz respeito ao veículo selecionado para estudo - O Globo - nossa opção foi feita em função de dois critérios: trata-se de um jornal já monitorado pelo Observatório Saúde na Mídia e, concomitantemente, de um dos periódicos de maior circulação no país como um todo e no Rio de Janeiro em particular. Foi mapeado ao longo do período de 03/10/2010 e 09/03/2011 tudo o que foi publicado pelo jornal O Globo a respeito dos 5 tipos de serviços prestados pelo SUS que foram colocados na pesquisa realizada: Atendimento em centros e/ou postos de saúde; Atendimento por membro da Equipe de Saúde da Família (ESF); Atendimento por médico especialista; Atendimento de urgência e emergência; Distribuição gratuita de medicamento. Resultados: No período pesquisado localizamos 89 textos que mencionavam, de algum modo, os serviços prestados pelo SUS (reforçamos que levamos em consideração os 5 tipos de serviços citados pela pesquisa do Ipea e também buscamos identificar textos que de um modo geral faziam alguma avaliação sobre o serviço de saúde pública do Brasil). Desses 89 textos identificados, 53 deles estavam distribuídos entre as editorias RIO e PAÍS; 24 textos eram Cartas de Leitores e 12 textos ocupavam a editoria OPINIÃO (sendo alguns editoriais e outros artigos assinados por especialistas ou profissionais que de alguma maneira estavam ligados à discussões sobre a saúde). Quando o próprio SIPS aponta que o SUS é mais bem avaliado por quem já o utilizou, é possível perceber que, dentre aqueles que “nunca utilizaram” ou que “nunca acompanharam alguém que tenha utilizado o SUS” outros sentidos produzidos contrários ao Sistema (como os que são postos em circulação pela mídia) tendem a produzir um efeito bem poderoso. Dessa forma, cremos que, nas informações geradas pelos meios de comunicação são privilegiadas determinadas formas de se perceber a saúde pública dando-se mais ênfase às dificuldades e entraves, do que aos avanços e conquistas. É possível perceber também que, muitas vezes, os créditos são conferidos aos governos estaduais ou municipais quando as ações são positivamente avaliadas; já os insucessos dos serviços de saúde são tidos como ações do Ministério da Saúde, retratado de forma isolada. Outro ponto de destaque é que a grande maioria desses textos teve em seus títulos termos, expressões ou frases de sentido pejorativo à saúde pública. Além disso, a sigla SUS não aparece nas matérias que apresentam uma abordagem favorável aos serviços realizados pelo Sistema Único de Saúde. É possível notar que a desconfiança sobre o serviço público de saúde é constante nas páginas dos jornais. Mas isso não é exclusividade pois, eventualmente, algumas matérias buscam relatar a eficiência do sistema (mesmo que timidamente). Há textos e títulos em que o SUS é mostrado como algo que pode dar certo ou que deu certo em algum aspecto (nunca em sua totalidade). Conclusão: A reflexão aqui proposta visa ressaltar a importância de que a mídia supere a mera denúncia do que não funciona no Sistema Único de Saúde, dando visibilidade à variedade de serviços ofertados pelo SUS, como vigilância sanitária, vacinação, entre outros. Muitas pessoas que se declaram como não usuárias não sabem que em algum momento já usaram o Sistema Único de Saúde. Acreditamos que seja possível esclarecer sem abrir mão da crítica, o que é fundamental para o crescimento do SUS. Esperamos poder, com este trabalho, contribuir para a reflexão sobre Comunicação, Mídia e Saúde, em especial no que diz respeito ao SUS. Entendemos que um tema de tamanha relevância na vida da população brasileira mereça maiores aprofundamentos futuros.