Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O trabalho como princípio educativo: a importância do estágio na formação politécnica em gestão em saúde
Ana Paula de Souza Gomes

Resumo


1 INTRODUÇÃO A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) foi criada em 1985 e representa uma conquista do movimento sanitário que impulsionou a constituição da saúde como um direito de cidadania e a construção do Sistema Único de Saúde (SUS). O Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola é norteado pela noção de politecnia, que defende a luta pela saúde pública e uma formação crítica e integral de trabalhadores. A politecnia pressupõe a superação da divisão entre trabalho intelectual e manual, ou entre aqueles que pensam e aqueles que executam, não permitindo que o trabalhador tenha uma visão fragmentada do processo de trabalho. Com base nessa noção, a escola possui um currículo integrado que envolve a formação geral (ensino médio) e específica (curso técnico), bem como a articulação permanente entre teoria e prática. O currículo visa, por meio da pesquisa e de atividades práticas, uma formação que aborde conteúdos numa perspectiva histórica, ética e política. O Curso Técnico de Gerência em Saúde (CTGS) é constituído por três componentes curriculares: Iniciação à Educação Politécnica, Projeto Trabalho, Ciência e Cultura, e Gerência em Saúde. O primeiro visa uma formação inicial que possibilita ao aluno compreender questões históricas e conceituais na área da saúde. O segundo fortalece a pesquisa como princípio educativo. O terceiro componente, Gerência em Saúde, é voltado para questões específicas no campo da gestão e se organiza com base em quatro noções metodológicas: interdisciplinaridade, contextualização, historicidade e caráter social da formação humana. O aluno, ao final do CTGS, é inserido em instituições e serviços de saúde para realização de estágio supervisionado, com o objetivo de promover a integração entre teoria e prática. Nesse sentido, a hipótese principal desta pesquisa é que o estágio é um dispositivo de formação que possibilita a reflexão crítica das contradições constituídas no cotidiano dos serviços e instituições de saúde. Espera-se, com a investigação, colaborar com a formação no âmbito da gestão, especialmente no contexto de reforma curricular do CTGS, em defesa de uma escola unitária e de uma educação omnilateral que possibilite a melhoria do SUS. II. OBJETIVOS GERAL: Compreender a dimensão educativa do estágio curricular do Curso Técnico de Gerência de Serviços de Saúde, segundo a visão dos alunos-estagiários. ESPECÍFICOS: Identificar os campos de estágio e o trabalho do CTGS Compreender as dificuldades no exercício do trabalho, as críticas e estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelos alunos; Analisar os desafios colocados à formação politécnica no âmbito do estágio do Curso Técnico de Gerência em Saúde. III. METODOLOGIA A pesquisa pode ser classificada como qualitativa, por estar preocupada com a dimensão educativa do trabalho ou sobre como o trabalho no âmbito do estágio é um dispositivo de formação que opera pelas contradições percebidas e vivenciadas pelos alunos. Além disso, o fenômeno analisado é parte constituinte da realidade social, e não pode ser quantificado. A abordagem da pesquisa toma como referência teórica às noções definidas no PPP da escola. Para o alcance dos objetivos foi realizado um grupo focal com os alunos-estagiários, que possibilitou aprofundar o debate sobre a importância do estágio na formação dos técnicos em gerência em saúde. O grupo focal foi realizado com 6 ex-alunos formados em 2010 e 2011. IV. RESULTADOS O estágio curricular é uma atividade do curso CTGS que ocorre no final do curso, possibilitando o aluno interagir com o mundo do trabalho. Essa atividade é supervisionada pelos os pesquisadores do Laboratório de Educação Profissional de Gestão em Serviços de Saúde, com o objetivo de acompanhar os alunos nas instituições e possibilitar uma integração dos conceitos teóricos com a prática. Os alunos devem cumprir uma carga horária de 420 horas em regime de 12 horas semanais nos campos de estágio. A atuação dos alunos nos campos de estágio As atividades do estágio variam de acordo com os campos[1] e os setores o qual o aluno está inserido. Os alunos passam pelas áreas administrativas e gerenciais, como a farmácia, o almoxarifado, a estatística e documentação, o setor de compras e de planejamento. Quando os alunos são locados nas instituições de saúde há um profissional da instituição que se responsabiliza pelo estagiário no campo. Essa pessoa é chamada de preceptor de estágio, e tem como função manter o vínculo e a mediação entre a EPSJV e a instituição, e auxiliar o aluno durante a sua permanência. Porém, nem sempre esse preceptor faz essa tarefa, sendo assumida por outro funcionário. É a preceptora [...] até hoje a gente não conhece foi a coordenadora do setor de logística que acabou fazendo essa função. (informação verbal) As dificuldades vivenciadas no estágio Uma das reclamações do aluno é a dificuldade de relacionamento nos campos de estágio. Em alguns casos, os estagiários tiveram dificuldades de relacionamento com os trabalhadores, principalmente em função do não acolhimento e inserção deste no âmbito do setor. Outra dificuldade relatada pelos estagiários é o despreparo e o desconhecimento da função do técnico de gestão nos serviços de saúde e, logo, nos campos de estágio. Os funcionários não sabem quais atividades o estagiário está apto a realizar durante a sua permanência no estágio. Eles não estavam preparados para receber estagiários e muito menos eles sabiam o que um técnico de gestão foi capacitado para fazer. (informação verbal) Esse despreparo ocasiona uma desqualificação dos alunos no processo de estágio, uma vez que o técnico de gerência não é reconhecido como uma parte fundamental na organização do sistema de saúde. Teve um dia que o chefe disse: “estagiário faz café, né?” aí eu disse não, estagiário não faz café não. Cortei logo, se não... eu já não estava fazendo nada ali, aí ele [o chefe do setor] diz que “faz café”, eu ia lá para fazer café? (informação verbal) Relação entre teoria e prática No grupo focal, uma questão investigada foi à relação entre a teoria e a prática. Alguns alunos relataram que esperavam chegar aos setores e “aplicar” o conhecimento absorvido nos outros anos do curso técnico, porém eles só conseguiram utilizar as disciplinas mais instrumentais. Contudo, outros alunos entendem que essas disciplinas instrumentais não são as mais importantes e sim aquelas que davam uma visão ampla do Sistema Único de Saúde, das políticas de saúde, aquelas que possibilitaram entender o funcionamento do sistema de saúde com base num pensamento critico. [...] são esses outros conteúdos que dão o olhar que possibilita a gente pensar, e eu acabo achando que esses são os fundamentais, porque viver o processo de trabalho. (informação verbal) Na relação entre teoria e prática, os estagiários lembraram que a supervisão de estágio, que é um encontro mensal com as supervisoras, tem o objetivo de orientar os alunos e possibilitar a relação entre teoria e prática. No entanto, esse encontro se torna um espaço para resolver problemas burocráticos como freqüências, avaliações, troca de setor e problemas emergenciais; deixando de lado o espaço fundamental de reflexão sobre o cotidiano do trabalho. As estratégias de enfrentamento dos problemas vivenciados no estágio Esse primeiro contato com o mundo do trabalho, algumas vezes, acaba ocasionando conflitos com os quais os alunos precisam elaborar estratégias de enfrentamento. A vivência no estágio coloca os alunos em contato com a organização hegemônica do trabalho em saúde, caracterizada principalmente pelo modelo taylorista que opera por uma divisão técnica e instrumental do trabalho. O estagiário precisa lidar com a fragmentação do trabalho e com o sistema taylorista, vigente nas organizações de saúde. Como exemplo desta organização, os alunos foram colocados para realizar um censo como os funcionários do hospital sobre as condições de trabalho. [...] a gente tinha um horário para realizar, a gente era cronometrado. [...] aí a gente tinha que fazer a meta. (informação verbal) Outro enfrentamento realizado no âmbito do estágio, ressaltado por alguns alunos, foi em relação às relações de poder que permeiam o trabalho na saúde. Essa imposição de poder se mostra presente, principalmente, na relação do médico com os técnicos. É meio que institucionalizado, todo mundo sabe que é assim..aí vai ser assim, meio que nas relações de poder eles ficam no topo sabe, e a gestão fica meio que impossibilitada, [...], emperra justamente nesse poder médico, no saber médico. (informação verbal) A importância do estágio na formação dos técnicos de gestão Os alunos ao serem questionados sobre a importância do estágio para a sua formação, não só no âmbito acadêmico, mas também na sua formação humana. Eles demonstram perceber que o estágio apesar dos enfrentamentos e dificuldades é um período produtivo e proveitoso. Essa experiência com o mundo do trabalho ajuda a fortalecer a formação humana e politécnica do aluno/estagiário. E também compreende que a dificuldade é um espaço importante para a sua formação profissional. A gente aprende até mesmo com essas dificuldades, até instiga mais a gente a questionar as coisas. (informação verbal) Contudo, eles entendem que o período do estágio poderia ser mais proveito, caso tivesse um tempo maior para a reflexão, para unir os conhecimentos com a prática do trabalho. Acho que poderia ser mais produtivo, acho que de fato é produtivo, mas poderia ser mais, porque a gente tem um conjunto de informação, uns relatos diversos, mas ao mesmo tempo comuns, sobre o que a gente viveu, que esta disperso não está sistematizado, está solto está mal articulado. (informação verbal) V. CONCLUSÃO O trânsito entre os conceitos de politecnia, pesquisa e trabalho possibilita subsídios para uma formação ampla, integral e emancipatória. Um currículo integrado organizado por essas premissas fortalece a luta em defesa de uma escola unitária. O aluno constituído nesse contexto, ao ser inserido no campo de estágio, é capaz de analisar o processo de trabalho ao invés de meramente reproduzi-lo. A formação desse aluno se dá por meio de dois movimentos o estranhamento e pelo o acolhimento. [1] Os alunos entrevistado fizeram o estágio curricular nos seguintes campos: Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), Instituto de Pesquisa Evandro Chagas (IPEC), Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO), Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) e O Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF).