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RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO E FORMAS DE ADMISSÃO NO SUS
Resumo
INTRODUÇÃO E OBJETIVOS A relação público-privado está presente em toda a discussão a respeito da organização do sistema de saúde brasileiro e tomou novos contornos com o tema das alternativas para admissão de trabalhadores devido às dificuldades estabelecidas, principalmente, pelo teto remuneratório dos servidores públicos previsto na Constituição Federal (Emenda Constitucional nº 41 de 19 de dezembro de 2003) e a Lei de responsabilidade fiscal (Lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), que dificultoua admissão direta pelo município. Assim, os governos criaram e estimularam o desenvolvimento de Fundações Públicas de Direito Privado, Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interessa Público (OCISP) para evitar a realização de concurso público no momento da admissão dos trabalhadores. Entretanto, este arranjo produziu a precarização dos vínculos de trabalho dos profissionais. O texto analisa as formas de admissão que estão sendo propostas aos trabalhadores em saúde no Brasil e, para tanto, recupera elementos do debate sobre a relação público-privado em momentos importantes da construção do Sistema Único de Saúde (SUS), através das Conferências Nacionais de Saúde, legislação e posicionamento de diferentes atores sociais da atualidade. Esta revisão é parte integrante de uma pesquisa sobre as formas de admissão na Estratégia de Saúde da Família na região da 15ª. Coordenadoria Regional de Saúde, no estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética na Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (processo 23081.009917/2010-01). MÉTODO Para recuperar aspectos da relação público-privado foram eleitos os Relatórios das Conferências Nacionais de Saúde entre os anos de 1941 a 2010; a Legislação do SUS (Constituição Federal, Lei 8080/90, Lei 8142/90) e outros textos legais que estabelecem tetos para gastos com pessoal como a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar nº 101 de 04 de maio de 2004) ou que normatizam aspectos do funcionamento de Associações e Fundações, como a Lei 7.596 de 10 de abril de 1987, que prevê a criação das Fundações Públicas de direito privado, a Lei nº 9.637 de 15 de maio de 1998 e a Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999. Elaborou-se um quadro que permitiu identificar as manifestações das conferências e as determinações da legislação e estabelecer relações com outros movimentos que estavam produzindo propostas de institucionalidade para a saúde no mesmo período. RESULTADOS E CONCLUSÃO O processo de municipalização da saúde e o tema da relação público-privado foram amplamente discutidos durante todas as Conferências Nacionais de Saúde (CNS). Logo após a criação do Ministério da Educação e Saúde, na década de 1940 já se discutia formas de articular município, estados e União com a iniciativa privada para prestação de cuidados em saúde. Entretanto, no período do regime militar, existiu maior ênfase na construção e aparelhamento de hospitais particulares com dinheiro público. A VI CNS (1977) preconizava a partilha do financiamento da saúde entre as três esferas de governo e ainda, a liberdade de ação do setor privado baseado no princípio da descentralização que estabelece a “saúde como campo de ação direta do governo em ação conjugada com a iniciativa privada” (BRASIL, 1977). Também, é estabelecido que o setor privado devia expandir-se quando a capacidade do setor público estivesse esgotada, que, por sua vez não deve aumentar enquanto houvesse capacidade ociosa no setor privado, dando preferência para as entidades sem fins lucrativos e observando o setor social. Paralelamente a isto, fortalecia-se o Movimento de Reforma Sanitária brasileiro, com amplo apoio social, que “defendia o princípio de que a saúde era um direito de todos e um dever do Estado, propondo a instalação de um Sistema Único de Saúde, democrático e descentralizado, com responsabilidades estabelecidas para as três esferas de governo[1]” (PAIM & TEIXEIRA, 2007). Em 1986 ocorreu a VIII CNS que “marca o momento em que as mudanças ganham contornos claros, ao ampliar o espectro de atores envolvidos e explicitar em seu relatório as diretrizes para a reorganização do sistema” (BRASIL, 2009), que previa a estatização progressiva através do fortalecimento do setor público. O processo de elaboração da Constituição, em 1988 culminou como era o desejo do Movimento Sanitário, na definição de saúde como um direito de todos os cidadãos e dever do Estado. Posteriormente, foram promulgadas as Leis Orgânicas da Saúde em 1990, Lei 8.080/90 e 8.142/90 que criaram o Sistema Único de Saúde (SUS) e, entre outras coisas, promoveram a efetiva municipalização do sistema de saúde. Como consequência, os municípios tornam-se os principais responsáveis pela contratação de trabalhadores. A partir de então, todas as demais conferências e o Conselho Nacional de Saúde posicionam-se contrários a qualquer tipo de terceirização no setor saúde e pregam o fortalecimento do setor público. Entretanto, várias investidas governamentais, principalmente durante a década de 1990 e no início dos anos 2000, baseadas na visão neoliberal de administração pública gerencial solaparam este desejo. A criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei do Teto Remuneratório que dificultam a contratação direta pela administração municipal e a criação de alternativas para a contratação terceirizada de trabalhadores abriram a possibilidade cada vez maior da inserção do setor privado na prestação de serviços públicos através do enfoque da contratação e manutenção dos trabalhadores. A partir deste desenho, a administração indireta e a contratação de organizações sociais para o desempenho de funções não exclusivas do Estado se basearia na cobrança por resultados. Estes novos arranjos promoveram a precarização dos vínculos de trabalho gerando menos estabilidade, diferenças nas cargas horárias dos trabalhadores e grandes diferenças salariais entre as categorias e, o que é mais grave, dentro de uma mesma categoria, o que acaba gerando desqualificação, desmotivação, múltipla militância e diminuição na qualidade do serviço prestado a população. REFERÊNCIAS: BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. As Conferências Nacionais de Saúde: Evolução e perspectivas. Brasília: CONASS, 2009. 100 p. PAIM, J. S. & TEIXEIRA, C. F. Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde: problemas e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 12(Sup): 1819-1829, 2007 [1] Grifos do autor