Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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"Era Uma Vez Um Pássaro, meu Deus!": o teatro derrubando fronteiras da educação médica
Gabriel Nobre Andrade, Leon Henrique Mourão, Bruno Brabo, Vitor Nina Lima

Resumo


Caracterização do problema: O espetáculo “Era uma vez um pássaro meu, Deus!” é a primeira experimentação do projeto Porta-Teatro, um dos braços de pesquisa da Trupe da Procura. A Trupe da Procura é um projeto de extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA) financiado pela PROEX-UFPA (Pró-reitoria de Extensão da UFPA), que busca novas formas de entender e discutir saúde através da arte. Por sua atuação recebeu o Prêmio PROEX de Arte e Cultura 2011. O Projeto porta-teatro tem por objetivo pesquisar escolas de teatro político, como o Teatro Épico (Bertold Brecht) e o Teatro do Oprimido (Augusto Boal). O intuito é utilizar ferramentas dessas escolas como base para discutir temáticas relacionadas à saúde com a sociedade. Além disso, oferecer também novas perspectivas de realidade a partir da subversão lúdica de mecanismos opressores. A partir desses objetivos foi montado e encenado o espetáculo “Era uma vez um Pássaro, meu Deus!”, com texto e direção de Vitor Nina, estudante de medicina da UFPA, e atuação de Gabriel Andrade e Leon Mourão, ambos também estudantes de medicina da mesma universidade. A peça surgiu principalmente da dificuldade de discutir saúde dentro da própria faculdade de medicina e vem cumprindo com o objetivo de renovar a discussão sobre o tema e desafiar seu público a pensar saúde pública. Descrição da experiência: O enredo se desenvolve em torno da temática da saúde pública no país, trazendo à cena uma discussão que perpassa a formação de profissionais nas escolas médicas, os problemas sociais que o Brasil enfrenta, o cenário político nacional, a organização e as falhas no nosso sistema de saúde e, principalmente, o papel do cidadão dentro desse contexto. O espetáculo convida a plateia a travar contato com dois personagens obscuros antagônicos, que estão trancados por vontade própria há muito tempo em um calabouço. Estes esperam uma ordem vinda de um rádio para sair desse “não-lugar” e partir para uma revolução. A peça tem seu início no limite da espera dos personagens, em que um já não aguenta permanecer e decide ir embora, enquanto o outro está decidido a esperar o tempo que for a ordem do rádio. O embate se dá quando um tenta convencer o outro de seu ponto de vista, evidenciando o conflito: utopia (ficar) versus pragmatismo (sair). Através de um desafio ideológico e intelectual ambos discorrerão sobre questões relacionadas a saúde, sociedade, preconceito, inércia etc, assim envolvendo o público e o incentivando ao questionamento incessante durante toda a peça. Os convidados são dispostos em cadeiras que formam um quadrado em torno dos atores num palco estilo arena, estes revezam suas posições em quatro cadeiras no centro da cena, voltadas uma para cada lado do quadrado, a uma distância em que público e atores quase se tocam. Os personagens, apesar de travarem uma discussão entre si, não se olham, fazem suas falas olhando nos olhos dos convidados como se discutissem com cada membro da plateia. O objetivo dessa disposição de lugares é fazer o público se inserir cada vez mais no embate travado, também sendo desafiado pelas falas dos personagens, para assim compreender seu lugar dentro da temática estudada, deixando de assumir uma postura meramente contemplativa. Durante a peça são resgatados tanto nos atores quanto nos espectadores vários questionamentos que os obrigam a se defrontar com a sua condição de ser humano e cidadão. Merecem destaques algumas questões. Dentre elas a culpa pelas insuficiências do nosso sistema de saúde. Quem são os culpados por essas deficiências? Para instigar a dúvida nos espectadores, os personagens expõem uma série de problemas no atendimento aos pacientes do SUS e logo após gritam repetidas vezes um ao outro “A culpa é tua!” apontando para a plateia e fazendo-a questionar a própria culpa. Após este momento, em tom de deboche, desfazem a afirmativa: “Não, a culpa não é tua!”, também se dirigindo à platéia. Outra questão fundamental diz respeito à liberdade e à democracia. Ao expor as contradições do nosso sistema democrático o público é desafiado a pensar o que fizemos nós com a democracia conquistada e se esse sistema pode ser nomeado dessa forma, mesmo lhe é oferecido a ditadura como opção a esse sistema. O espectador então é colocado no lugar de questionar a própria liberdade e o que tem feito dela. Muitos outros questionamentos são feitos, como a idéia de humanização, a formação acadêmica do profissional de saúde, a opressão dentro da sociedade etc. Levando o espectador por vezes a se perder nas falas dos personagens, o que é feito propositalmente. Ao final da trama, o espectador se vê literalmente impelido a tomar uma decisão e sair de sua posição coadjuvante dentro do espetáculo, sendo que mesmo que não tome decisão alguma, terá feito uma escolha. Efeitos: Foram realizadas mais de quinze apresentações teatrais para um público heterogêneo, estimado em 600 pessoas. Os espetáculos ocorreram em diversos locais, incluindo a Faculdade de Medicina da UFPA, o Hospital Universitário João de Barros Barreto e a escola de Teatro e Dança da UFPA. Além disso, foi levado ao 41º Encontro científico dos Estudantes de Medicina, em Uberlândia, cujo tema foi a privatização da saúde. Ao final de cada apresentação do espetáculo, que dura cerca de trinta minutos, o público é convidado para um debate para dar suas impressões e depoimentos. Destes debates muitos depoimentos interessantes foram colhidos, e estes têm demonstrado que o espetáculo tem conseguido atingir seu principal objetivo: causar inquietação e mudança na forma de pensar saúde. O fato mais interessante que se tem notado com as discussões é que muitos espectadores chegam à conclusão que nenhuma das questões expostas é nova, todas são de seus cotidianos, e mesmo assim estes perderam o contato com elas, tendo a oportunidade então de um novo e diferente contato. Recomendações: O empenho dos futuros profissionais da saúde que compõem o espetáculo se refere a manter constante a sua inquietação ante a inércia a que estão submetidas as políticas públicas de saúde, fortalecendo a remodelação desse sistema.