Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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A Educação em Saúde em perspectiva histórica: uma viagem pelo século XX e início do século XXI
Welington Serra Lazarini, Francis Sodré

Resumo


Essa pesquisa objetiva descrever a história da Educação em Saúde (ES) no Brasil e suas concepções do século XX ao início do século XXI. Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo e exploratório, onde foi realizada uma consulta de artigos na base de dados Scielo e em livros. Historicamente, as atividades de ES desenvolvidas no início do século XX, se orientaram pela verticalização das ações, que partiam das elites políticas e econômicas, muito mais preocupadas com a adoção de medidas normativas e de cunho higienista. As primeiras práticas de ES eram extremamente simples. Buscava-se muito mais uma alternativa de sanear os espaços urbanos e manter a saúde das elites, do que propriamente cuidar dos atores populares. Tal discurso ancorou-se na ideologia campanhista e a educação sanitária assumia um estratégico papel de controle da sociedade brasileira. Na década de 1930, os esforços do Estado na saúde da população se dirigem para a construção de um sistema previdenciário para os trabalhadores que estivessem mais organizados politicamente. No ano de 1942, é criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que abriu as portas e alavancou o desenvolvimento das instituições de saúde no país. No campo das técnicas educacionais da área da saúde, lograram-se importantes avanços do ponto de vista da inovação metodológica. Porém, no ano de 1964, foi imposto aos brasileiros um regime autoritário na administração pública, impactando todos os setores da sociedade. A simples ampliação da rede de serviços não se traduziu em melhorias dos níveis de saúde da população. A partir de 1967, as atividades educativas direcionadas a saúde se tornam uma obrigação nas escolas de ensino fundamental e médio na Brasil, com enfoque na higiene nos alunos. Apenas na segunda metade dos anos 70, se criou condições favoráveis a reorganização dos movimentos sociais e sua militância política. Ao mesmo tempo, inúmeros profissionais de saúde indignados, além de professores, intelectuais e estudantes, também começam a se articular. Diversas iniciativas ousavam integrar o saber científico com o popular. Para isso, o método educacional sistematizado por Paulo Freire, surge como alternativa àquele modelo impositivo, pois não propõe uma mera transferência de saber, mas um encontro verdadeiro, onde os sujeitos interlocutores possam realmente compreender o conteúdo dos significados. Era o caminho da Educação Popular em Saúde (EPS). Esse novo modo de conceber as ações educativas incorporou nos serviços de saúde uma cultura de diálogo com a comunidade. Em meio à forte tensão imposta pelo regime autoritário, o movimento sanitário ia se configurando, gradualmente, como uma força política. Finalmente, em 1986, ocorreria a VIII Conferência Nacional de Saúde, onde se debateu os princípios que orientariam a Reforma Sanitária. Além disso, neste mesmo ano, a Carta de Ottawa reconheceria o papel da ES para além da doença, ao considerá-la como estratégia básica para a promoção da saúde. No ano de 1987, o país assistiria a convocação da Assembléia Nacional. Grande parte das propostas engendradas pelo movimento da reforma fora incorporada pela Assembléia Constituinte na composição da nova constituição. Sua materialização trouxe o arcabouço que direcionou a construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Imbuídos desse espírito transformador, dezenas de pessoas ligadas a diferentes setores da sociedade, se organizaram para formar a Articulação Nacional de EPS, forjada naquele que seria o I Encontro Nacional de EPS, no ano de 1991, em São Paulo. Atendendo a Constituição, o SUS nasce com a responsabilidade de reorientar seu modelo assistencial, no sentido de aproximar os serviços de saúde da população. Era de extrema importância que a atenção básica adquirisse novos contornos no seu modo de atuação, uma vez que o modelo de atenção clássico assumido no Brasil já não correspondia aos anseios da população. Desse modo, eis que o Programa Saúde da Família (PSF) entra em cena, figurando como aposta do Ministério enquanto modelo de atenção à saúde, de modo a reorientar a atenção básica no Brasil. Assim, o PSF possui origem no ano de 1991, quando o Ministério da Saúde institucionaliza o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Foi a partir do entendimento da importância do trabalho dos agentes dos serviços básicos de saúde junto as famílias, que o Ministério faria a opção pelo PSF, no ano de 1993, em uma reunião em Brasília, contando com o apoio do UNICEF. Agora, o programa que só seria lançado em 1994, tinha em suas premissas a concepção de programar suas atividades através da cobertura por família, diferentemente do modelo anterior que focava seus esforços no indivíduo. Além disso, fazia-se necessário forjar um novo profissional de saúde, com habilidade suficiente para sair do conforto da individualidade e com a criatividade devida para contribuir com o trabalho interdisciplinar. A amplitude de tal proposta era tão grande que, ainda que tenha nascido com status de programa, o PSF assumiria na prática o posto de estratégia ministerial. Por intermédio de um detalhado diagnóstico da situação de saúde local, o PSF propõe uma participação ativa da comunidade, frente as diversas demandas que influenciam cotidianamente a qualidade de vida da população. Essas características que particularizam o PSF exigem um modelo de ES afinado e comprometido com os princípios do SUS. Apenas com o advento da Norma Operacional Básica (NOB) de 1996, a ES foi definida como procedimento de atenção e cuidado, se inserindo, assim, na tabela de pagamentos de procedimentos do SUS. Em relação a educação popular em saúde, a aproximação feita no início da década de 1990 e que originou a chamada Articulação Nacional de EPS, persistiu ao longo de toda a década e, em 1998, passa a se chamar de Rede de EPS. Em muitas instituições públicas, vários profissionais de saúde insistem em incorporar aos seus processos de trabalho práticas de ES orientadas por um processo dialógico e em construção com a comunidade, mas que, entretanto, esbarram na lógica ainda hegemônica do funcionamento dos serviços. Desse modo, com o intuito de reorganizar as ações de ES no país, o Ministério da Saúde (MS) cria no ano de 2003 o Departamento de Gestão da Educação, onde foi estruturada a coordenação de educação popular em saúde com o propósito de incentivar os movimentos e práticas de educação popular em saúde em todo o país. Em 2005, essa coordenação é transferida para a o Departamento de Apoio à Gestão Participativa, integrado a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do MS. Em 2009, cria-se a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS (ParticipaSUS), que orienta as ações de educação popular. Assim, embora pareça consolidada nos serviços a concepção de ES, por vezes os profissionais sentem-se sem apoio das secretarias municipais para desenvolverem seus trabalhos, já que as ações de ES ainda são sacrificadas em prol da produtividade das consultas.