Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


Tamanho da fonte: 
A politicidade do cuidado e a biossociabilidades.
Fabiane Asquidamini

Resumo


Resumo: Este escrito objetiva discutir a partir destes dois referenciais, a politicidade do cuidado e as biossociabilidades, percebendo as suas possíveis aproximações e contraposições nas formas de produzir a autonomia e a emancipação dos sujeitos e suas sociabilidades. Para conceituar Politicidade, partiremos da definição de Demo (2002, p.11) que a concebe como habilidade política humana de saber pensar e intervir criticamente, numa busca imanente por autonomia crescente, capaz de desenvolver o enfrentamento das dificuldades em âmbito social, econômico, cultural ou biológico, conforma o centro nevrálgico e motor da politicidade humana. A politicidade do cuidado caracteriza-se como movimento de integração, confronto e ruptura presente nas dinâmicas da vida que acontecem nas relações sociais. O cuidar além da prática de zelo e proteção tem sua centralidade no âmbito político, objetivando a formação do cidadão e o exercício da cidadania. Para Pires (2005) as relações estabelecidas no ato do cuidado, onde se fazem presentes ajuda e poder, se confrontam e se superam produzindo possível emancipação, onde o reconhecimento de saberes proporciona a construção de autonomia de sujeitos, sabendo-as relativas e processuais. Partindo da ideia do cuidado como dimensão ética, social, política e ecológica, no contexto da integralidade em saúde, cabe entender a politicidade como mediação dinâmica que tem um potencial disruptivo e inovador que está intrínseco no gesto de cuidar, deve ter a intencionalidade da emancipação e não da tutela (PIRES,2004 e DEMO,2002). A politicidade é um processo interminável de conquista, como é a participação, pela qual se pode consolidar a cidadania. A competência de articular e mobilizar para a participação dos sujeitos proporciona um aprendizado de democracia e, por conseguinte, um exercício de poder ser no mundo, numa postura ética e comprometida, onde sujeitos se relacionam com outros sujeitos numa relação, segundo suas necessidades e possibilidades.O diálogo que objetivamos construir está na dinâmica da politicidade do cuidado, frente as questões do modo como os procedimentos de cuidados corporais atuam hoje na vida e na identidade dos sujeitos. No artigo “Das utopias sociais às utopias corporais: identidades somáticas e marcas corporais” Francisco Ortega (2006) problematiza o cuidado, no âmbito restrito ao corpo, a medicina, a higiene e a estética, pontuando as novas formas de sociabilidades e das identidade corporais como espaço de uma nova subjetivação dos sujeitos. A biossociabilidade[1] trazida por Ortega (2006) é posta como uma forma de sociabilidade apolitica, com critérios de agrupamento de saúde e performances corporais, são regras de higiênicas, modelos ideais e ocupação do tempo. As preocupações dos sujeitos centram-se nas busca da melhor forma física, na longevidade e no prolongamento da juventude (p.43). Neste sentido, os sujeitos ocupam-se de práticas ascéticas que constroem processos de subjetivação. “Trata-se da formação de um sujeito que se autocontrola, autovigia e autogoverna” (ORTEGA, 2006, p.44).Esse apelo ao autocontrole e à disciplina está, sobretudo, neste momento histórico, ligado ao controle do corpo. Sendo assim o corpo é o lugar da moral e constitui-se como única identidade pessoal. O corpo e sua aparência traduzem as noções de auto-identidade, é a corporificação dos sujeitos.O desinteresse pelo coletivo, pelo bem comum e consequentemente pelo outro enfraquece essa habilidade humana de pensar a realidade e intervir de uma maneira crítica que resulte num processo de autonomia singular e coletiva.Os atos de autocontrole, autogoverno e de vigilância são aspecto perversos de uma sociedade hedonista, onde a perfeição e o disciplinamento dos sujeitos se colocam acima da habilidade humana do ser, originando sentimento de fracasso e de não pertencimento social, ou seja, constitui-se sujeitos que são incapacitados de desenvolver sua habilidade de ser político. Ou ainda, sujeitos que não conhecem e nem reconhecem em si essa habilidade de ser político.Conforme Ortega (2006) o interesse demasiado pelo corpo gera nos sujeitos um desinteresse pelo mundo, deste espaço social de participação e construção cultural. O corpo é preocupação primeira, “a hipertrofia muscular se traduz em atrofia social” (p.48). Para a formação de sujeitos políticos, é necessário estabelecer uma relação dialógica e dialética entre o ser e estar no mundo e as relações sociais que estabelecemos com o mundo, isso implica em ir além da corporifição do sujeito. É uma relação permanente que exige reflexão e ação sobre o que devo fazer, para o que devo fazer, quando fazer e para quem se destina o que se faz, essa ação reflexão é essencialmente um ato político. (FREIRE, 1987). Há uma realidade social construída e constantemente reforçada que dificulta e ainda, subjuga essa dimensão do ser político. “Não podemos mudar o mundo, tentamos mudar o corpo, o único espaço que restou à utopia, à criação”(ORTEGA, 2006, p.49). Essa relação está implicada com a definição de autonomia do sujeito, com esse vir a ser político. Em Freire (1996) a autonomia relaciona-se com a experiência de reconhecer-se como ser social e histórico. E é esse reconhecimento que habilita o sujeito a uma leitura e interpretação do mundo orientado por princípios éticos. É quando o sujeito participa de fato, compreende e se expressa a partir do local onde está e do seu modo de ver o mundo. Aceita as diferenças e as singularidades, respeita e valoriza a diversidade cultural, aprende a dialogar com o diferente e as diferenças numa perspectiva de aprendizagem. (GOHN, 2005). É no campo do social o lugar de construção das utopias sociais, para nos utilizar dos termos de Ortega. A biossociabilidade ressignifica os laços sociais e os desloca para o campo do indivíduo, especificamente para o corpo, o que gera uma sociedade de sujeitos apolíticos, ou seja, sem autonomia e impossibilitados de intervir na construção coletiva da sociedade.O sociólogo Robert Castel (2006) afirma que as pessoas não são autônomas por natureza, por essência. Para tornarem-se autônomos as pessoas precisam de condições e oportunidades para se desenvolver, se reconhecer e poder-saber pensar o mundo e as suas relações sociais. Essas condições sociais, quando são inexistentes ou difíceis de alcançar, originam nos sujeitos a necessidade de buscar outras formas de significados e ressignificações para si e para o mundo. Para Ortega (2006) a biossociabilidade é em si uma ressignificação destes laços sociais fragilizados ou inexistentes, neste sentido o investimento no corpo é o modo de constituir-se como saída desta situação, ele recria no corpo o universo, a realidade e o seu pertencimento. [1]Ortega usa o termo biossociabilidade distinto do biopoder clássico. Esse se articula numa dupla forma, como uma anatomopolítica do corpo, em cuja a base é os processos de disciplinamento corporal, e como uma biopolitica das populações. (ORTEGA, 2006, p.43)