Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Dimensões da avaliação da Estratégia de Saúde da Família pela perspectiva do usuário
Verena Duarte Moraes, Ana Laura Brandão, Carlos Eduardo Aguilera Campos, Monique Souza Bloise

Resumo


O conceito de satisfação, em especial dos usuários, está intimamente relacionado com a qualidade do serviço que é ofertado a população. Com o intuito de aperfeiçoar os serviços de saúde é importante investigarmos a satisfação. Uma das formas de pesquisar a satisfação dos usuários seria incorporando-os nos processos avaliativos. Porém, o termo satisfação, ainda que bastante difundido é um conceito vago que uni realidades diferentes e variadas, sendo composto por múltiplas dimensões. Assim o que se mede, muitas vezes, não é exatamente a satisfação, mas sim a percepção e a expectativa anterior dos usuários. Diversos programas já foram desenvolvidos para estimular os processos avaliativos em prol da qualidade dos serviços, porém tais programas, em sua maioria, não incluem os usuários. No Brasil, não há nenhum instrumento validado, direcionado para nossos usuários e adaptado para nossa realidade, em especial a Estratégia de Saúde da Família (ESF). A ausência de ferramentas envolvendo a satisfação do usuário reduz a potencialidade que as atividades de avaliações poderiam ter sobre o planejamento, coordenação e qualidade dos serviços de saúde. Diante disto, surge o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) que tem como um dos objetivos específicos a ampliação do impacto da AB sobre a satisfação do usuário. Dessa forma, foi desenvolvido um projeto de pesquisa que tem como objetivo final desenvolver um instrumento capaz de avaliar a satisfação do usuário, adequado à ESF. Investigar as dimensões da satisfação é a etapa inicial para o desenvolvimento de um instrumento fidedigno. O presente estudo teve como objetivo identificar as dimensões da satisfação valorizadas pelos usuários em relação aos serviços ofertados pela ESF que podem contribuir para a avaliação. A metodologia utilizada foi a de grupos focais, que acontece através de uma discussão focalizada, capaz de captar as verdadeiras dimensões envolvidas no conceito de satisfação. Foram realizados dois grupo focais em contextos distintos para ampliar as possibilidades de respostas . Após os grupos focais foi realizado análise de conteúdo e categorização das falas em dimensões e subdimensões da satisfação gerando um total de 19 dimensões. A frequência com que tais dimensões apareceram nas falas dos usuários foi bem diversificada. Considerou-se como as dimensões mais valorizadas aquelas citadas com maior frequência. Dentre as dimensões encontradas as mais mencionadas pelos usuários da ESF foram: 1) acesso aos serviços de saúde, 2) organização dos processos de trabalho, 3) relação dos usuários com os profissionais de saúde, 4) disponibilidade dos serviços de saúde (como por exemplo, ampliação do horário de funcionamento das unidades) e 5) longitudinalidade do cuidado. A dimensão acesso foi a mais frequente em nosso estudo, o que revela a importância que tal aspecto possui para os usuários da ESF em nosso país. Exemplificamos com a seguinte fala: “Seria ótimo se eu chegasse aqui de manhã e recebesse meu atendimento, trazer minha neta e ela tivesse atendimento não chegar aqui o profissional dizer para mim a senhora volta amanhã (...)”. Nossa população, em especial a com menor renda, enfrentou por um longo período a dificuldade do acesso, devido ao antigo modelo de atenção à saúde predominante em nosso país, marcado pela intensa medicalização e centrado nos grandes hospitais . A ESF necessita aprimorar seu objetivo de ser a porta de entrada para o usuário, facilitando seu acesso ao sistema de saúde local, no intuito de universalizar a atenção em saúde para a população. Apesar da dificuldade da população na obtenção do acesso, percebemos que a expansão da ESF, e sua localização mais próxima da população impacta algumas mudanças no que diz respeito a esta dimensão “Depois da construção da clínica de família com atendimento em casa para mim, para minha família para meus vizinhos eu vejo que melhorou muito antigamente não era assim”. A dimensão organizacional apareceu em segundo lugar, sendo mencionada em grande parte de forma negativa. A falta de organização interna dos serviços de saúde foi percebida pelos usuários em diversos aspectos. “Aí quando vem na data tem que remarcar de novo, porque teve um feriado, uma paralisação aqui na fundação, teve greve (...)”. A organização interna dos serviços é primordial para que o trabalho em equipe seja eficaz e que seja ofertado cuidados de qualidade para os usuários, proporcionado vantagens para estes dois atores em relação aos papéis, direitos e deveres de todos. A dimensão relacional muito citada na literatura foi a terceira dimensão mais frequente em nossos grupos focais. “(...) porque aqui a gente vê muito isso né a maioria dos médicos são super dedicados.” .“Foi o que eu falei a médica ela é atenciosa, ela pergunta examina direitinho”. As interações entre profissionais e pacientes contribuem para o estabelecimento de relações de longa duração, que facilitam a efetividade na atenção primária. A dimensão disponibilidade foi definida neste estudo como a disponibilidade que os serviços de saúde têm em ofertar os cuidados necessários a população, respondendo as suas demandas, especificamente no que diz respeito aos horários que as unidades dispõem para ofertar os serviços aos seus usuários. Foram obtidas falas como: “Para ninguém vir para fila, qualquer hora do dia estaria aberto até a noite”. “É só nós duas em casa, então ela estuda de manhã e eu saio de manhã só chego 6 horas da tarde. É difícil eu ver alguém indo lá em casa , lá na vila”. Percebemos que os horários disponibilizados pela unidade ou pelo profissional de saúde, não atendem a demanda de todos os usuários. É necessário respeitar o contexto da comunidade, adaptando horários de atendimento e funcionamento, pois caso contrário a indisponibilidade dos serviços e profissionais dificultará o acesso da população. Dentre estas dimensões destacadas como as mais mencionadas, a dimensão longitudinalidade foi menos referida. “Nossa, aqui eu já fui várias fases da minha vida porque foi assim criança, né aí minha mãe trazia, depois mocinha, depois me casei e trago as minhas filhas e pra mim também né”. O acompanhamento ao longo do tempo oferece ao usuário um cuidado mais adequado e um reconhecimento melhor dos seus problemas. Explorar o que o usuário pensa e necessita é essencial para que os estudos de satisfação sejam mais proveitosos, sendo, portanto incorporados na rotina dos serviços e não servindo somente como pontos isolados de reflexão. A incorporação rotineira da avaliação da satisfação pela perspectiva dos usuários deve propiciar sua institucionalização pelos serviços resultando na melhoria da qualidade dos cuidados e dos serviços prestados. Dessa forma, conhecer as dimensões da satisfação é essencial para o aprimoramento de instrumentos capazes de avaliar a satisfação dos usuários servindo como subsídio para o aprimoramento da ESF.