Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Documentário Quatro Reais- Resumo expandido
Elisandro Rodrigues, Eliane Lavall, Leonardo Abib, Graciela Daudt Caputti, Henrique Tobal Paz

Resumo


O documentário aborda a história de vida da Dona Terezinha Fátima, cartografando as ideias e os olhares no dia a dia dessa usuária de um serviço de Saúde Mental do município de Novo Hamburgo (CAPS Santo Afonso), intercalando suas memórias, histórias de vida e suas relações interpessoais. O Projeto surge a partir do desejo de Dona Terezinha de dar visibilidade a sua existência e a concretização de um sonho: fazer um filme. No ano de 2006 os usuários do grupo de convivência do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Santo Afonso fizeram uma visita ao Campus Universitário Feevale (Novo Hamburgo/RS). Foi lá que Teresinha conheceu pela primeira vez um ambiente de telejornal, com estúdio, câmera, luz, imagem e gostou. Sentou-se na bancada onde era apresentado o jornal. Gostou do seu enquadramento e logo pensou/sonhou: "- Quero fazer um filme sobre a minha vida e a de minha mãe!". A partir daquele momento nascia a idéia do desejo: fazer um filme para contar a sua vida. Esse filme demorou, foram quatro anos para sair de suas “ideias” e ir para as telas. Seria um documentário, mas também ficção. O desejo foi escutado por Laerte, hoje, psicólogo do CAPS Santo Afonso e acolhido finalmente em 2010 por um grupo de cinco residentes de Saúde Mental Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, que acreditavam que através do documentário, poderia se conjugar uma outra produção, a produção do respeito, da valorização, de encarar a diferença como algo possível dentro da sociedade, dando conta assim da demanda particular de Dona Terezinha Fátima. Terezinha queria representar sua via. Falar de suas dores, de seus amores. Dizer para as pessoas terem mais cuidado na vida. Representar o que ficou quatro anos quardados na mémoria. A utilização desta mídia, do audiovisual como ferramenta para alcançar diferentes setores da sociedade no intuito de provocar diálogos e reflexões quanto a questões emergentes da Reforma Psiquiátrica, também tornou-se um fato motivador para a realização do documentário. Mas o percurso foi longo, custoso. Conseguimos câmera com Educasaúde (Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde - UFRGS), o roteiro foi construído em conjunto entre Terezinha e residentes. Os atores, os cenários também foram pensados por esta parceria, Terezinha, residentes, CAPS. As filmagens foram feitas em grande parte no meio da vila Palmeira (Novo Hamburgo/RS) próxima às margens do rio dos Sinos, local em que fica uma casa, feita de tábua, sala, cozinha, um quarto. É nesse ambiente em que moram Dona Teresa (mãe de Terezinha Fátima) e Terezinha. Tudo no capricho para receberem as gravações: vizinhos, cachorro, criança, família, flor e mate. Foram mais de cinco horas de gravações. Um material rico em sensibilidade, em afeto, em desejos. Foram cinco meses num processo de pre-produção e produção e mais cinco meses de pós-produção. Para a finalização do documentário outros parceiros tiveram que ser buscados, e foi na Feevale, nos seus alunos que encontramos uma parceria. E o ciclo finda, começa outro. A mãe de Terezinha tem importante contribuição e participação no documentário e na sua vida. O documentário Quatro Reais lança o olhar sobre uma usuária de longa data do serviço de saúde mental de Novo Hamburgo. Filha de migrantes, ela já passou por internação em Hospital Psiquiátrico e hoje vive na pele as mazelas por que passa essa população: desemprego, falta de acesso aos bens culturais, saúde, condições de moradia precária, etc. Dona Terezinha Fátima participava de grupos no CAPS, contudo faz mais uso de medicamentos psiquiátricos. Sua trajetória até este momento dentro do serviço de Saúde Mental representa algo de muito significativo dentro da filosofia da Luta Antimanicomial. Dentre as diversas provocações deste documentário, uma delas poderia ser: o que isso tem a ver com a nossa prática nos serviços públicos de saúde? Ou ainda, com as nossas noções ou linhas de cuidado? O trabalho coletivo para realização de um sonho e o resultado deste esforço integrado, as apostas em experiências fora das usuais para promoção de saúde e autonomia estão implicadas neste contexto. A aposta na escuta, no sonho, no desejo. Na prática, intersetorialidade, integralidade, SUS, Reforma Psiquiátrica. Realidades que muitos ainda ousam em não acreditar. Que muitos insistem em não investir de maneira satisfatória e que garanta mais dignidade e participação da comunidade. Porém, Terezinha, os residentes, o CAPS Santo Afonso conseguiram materializar esta parte do Plano Terapêutico Singular (PTS) dessa usuária. E Após a realização do documentário, a protagonista Terezinha deu-se alta do CAPS Santo Afonso e agora corre atrás de outros sonhos, agora, talvez, mais possíveis. Ousar construir asas do desejo foi a proposta desses residentes. Ousar pensar em outras ferramentas. Ousar buscar parceiros. Ousar sonhar o sonho já sonhado de alguém. Ousar trabalhar com ferramentas e processos poucos conhecidos pelos residentes. Ousar ser Teresinha. Ousar jogar na mesa Quatro Reais. Suely Rolnik diria que esse movimento foi de “dar língua aos movimentos do desejo”. Deixamos que a palavra e a imagem brincassem. Uma composição, uma dança como Teresinha gosta de fazer: uma coisa sem pé nem cabeça que vem das “ideias” que ela tem. Uma experimentação frágil, mas que alça voos inusitados. De uma forma poética poderíamos dizer que esse documentário brincou com os desejos de loucura de todos os envolvidos. Uma busca pela afecção do outro, da outra, da Teresinha. Como construir um sonho? Essa era a grande pergunta por trás das imagens e das palavras. Como dizer de um sonho guardado por quatro anos? Como falar de um sonho de uma mulher. De uma usuária do serviço de saúde mental. De uma cidadã. De uma guerreira a procura de trabalho, de linhas para se inscrever na vida. Questões que saltam nas fala baixa de Teresinha. Nos olhos da Dona Teresa. Nas imagens pouco trabalhadas dos residentes. Na finalização do documentário com os parceiros. Nas apresentações realizadas. Na face alegre de Teresinha ao ver-se na tela grande. Nas palavras generosas ditas por Teresinha que dizem desse sonho “ficou bonito né....eu gostei!”