Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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EM BUSCA DE OUTRAS VISIBILIDADES PARA AS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO DOS TRABALHADORES DA SAÚDE: AS MATRIZES DISCURSIVAS QUE OPERAM NO CAMPO
Tiago José Silveira Teófilo, Rossana Staevie Baduy, Nereida Palko dos Santos

Resumo


Este resumo é fruto de resultados parciais de dissertação de mestrado desenvolvida na Linha de Pesquisa Micropolítica do Cuidado e o Trabalho em Saúde da UFRJ, tendo como norte para o desenvolvimento deste processo, a implicação com a questão da educação dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde a partir da participação no Projeto Vivências e Estágios na Realidade do SUS (VER-SUS), provocado pela parceria entre o Ministério da Saúde e os estudantes da área. A pesquisa objetiva responder aos seguintes questionamentos: quais as principais matrizes discursivas que habitam as experiências de mudança no ensino de graduação a partir das políticas/programas/projetos institucionais e governamentais da área? Quais as práticas discursivas que mobilizam forças no cotidiano desses processos? Desde o final do Século XX o Brasil vem experimentando a ação de movimentos sociais, acadêmicos e corporativos, além de políticas públicas, com a intencionalidade de influenciar a formação dos profissionais de saúde. Nesta área, a década de 2000 foi palco da introdução de ações governamentais com grande alocação de recursos. Nesse contexto, é possível visualizar que boa parte da teoria e das práticas com vistas à mudança no ensino das profissões da saúde se aproxima de dois movimentos produtores de matrizes discursivas importantes: a saúde coletiva e os núcleos profissionais. Em relação à primeira, observamos que duas correntes principais se fortalecem a partir da década de 1990: Vigilância à Saúde (VISAU) e Em Defesa da Vida (DV). A VISAU parte de uma articulação com intuito de aprofundar os avanços da Epidemiologia Crítica com a elaboração de propostas de mudança nas formas de organização tecnológica do trabalho em saúde, repensando as práticas de prevenção e de promoção da saúde. A concepção de promoção da saúde utilizada pela VISAU se baseia no enfoque político e técnico em torno do processo saúde-doença-cuidado, ultrapassando a idéia de nível de prevenção primária. O desenvolvimento do Programa de Reorientação da Educação Profissional em Saúde construído a partir da experiência do Programa Nacional de Reorientação da Educação Médica e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde parecem ter tido influência das matrizes discursivas desta corrente. Isso se deve ao fato destes operarem com conceitos que são fundamentais para a VISAU como: o ensino baseado nos principais problemas de saúde da população, a priorização dos programas de atenção primária, a orientação do modelo de ensino a partir de estudos clínico-epidemiológicos, ancorados em evidências capazes de possibilitar a avaliação crítica do processo de saúde-doença com base na idéia de determinação social deste. Por sua vez, a corrente DV reconhece os limites e avanços das reformas no setor saúde até então e considera que medidas como a territorialização, hierarquização e programação, embora importantes e necessárias, não são suficientes para a mudança do modo de produzir saúde. Por isso, propõe a criação de mecanismos para a incorporação de novos sujeitos na luta pelas mudanças do setor, trabalhando na perspectiva de que a política vai além da relação entre Estado e sociedade, estando presente na microesfera da vida social, sem desconhecer o papel dos determinantes macroestruturais, e de que o usuário deve ser sujeito da mudança e produtor de demandas a partir de suas singularidades. Nesse contexto, a Aprender-SUS, Educar-SUS e o VER-SUS se aproximam da DV, pois se baseiam na inclusão de diferentes atores, no desenvolvimento de estratégias de articulação multiprofissional e transdisciplinar, na interação com a rede de serviços, usuários, controle social e da gestão setorial, e entre saberes e práticas com toda pluralidade de atores envolvidos, com vistas à produção coletiva do cuidado. A orientação das graduações para a integralidade, meta principal de tais políticas é proposta como um processo que se dá através da aproximação de conceitos e princípios que possibilitem atenção integral e humanizada à população. Entre tais conceitos encontram-se acolhimento, responsabilização, vínculo, cuidado humanizado e sistema de saúde usuário-centrado. Por sua vez, os núcleos profissionais também desenvolvem, a partir de seus valores enquanto práticas sociais e de seus modos de compreender e agir sobre o mundo, processos que interferem fortemente no movimento de mudança na educação. Neste campo, as matrizes produzidas pela medicina e enfermagem são as que possuem maior acúmulo histórico. A medicina tem ocupado posições sociais de autoridade e poder se apresentando como profissão altamente tecnicista e especializada, fortemente centrada no modelo curativo de atenção à saúde, por meio de práticas que são fetiche de bens e mercadorias, representadas por equipamentos, procedimentos especializados e medicamentos. Portanto, a partir da produção do conhecimento tido como científico e da prática política, como com a participação significativa nos poderes legislativos e em altos cargos do governo, produz e instaura disciplinas normatizadoras dos modos de viver, adoecer e curar-se. No que diz respeito à educação médica, a corporação atua por meio de frentes como: a forte interferência na abertura de novas escolas e à produção de noções de avaliação e acompanhamento das escolas, mediados por instrumentos de pesquisa e de intervenção. Produz também acúmulo no debate sobre a mudança na educação com foco na reforma sanitária brasileira em contrapeso às determinações do Relatório Flexner. A enfermagem nasce enquanto trabalho, sendo exercida quase que exclusivamente por mulheres, como fruto da divisão social do trabalho médico, a partir do qual, desenvolve suas técnicas de trabalho, que a partir de 1920, passarão a ser estudadas e lentamente se produzirá sua sistematização. A profissão tem buscado desenvolver sua prática por meio de uma ordem de trabalho científico com base na “adjetivização” de muitos processos já desenvolvidos pela medicina com caráter fortemente hierárquico e disciplinar promovido pela divisão social e técnica do seu trabalho. O trabalho dos enfermeiros com nível de graduação tem sido fortemente capturado pelas atividades burocrático-gerenciais, participando da protocolização das práticas de saúde e gerando na categoria aprofundamento da divisão parcelar do trabalho. No que diz respeito à educação em enfermagem, principalmente no âmbito da graduação, a corporação tem investido intensamente na iniciação à pós-graduação e na produção de discussões acerca da inserção da enfermagem no atual contexto das políticas de saúde a partir da noção de papel social da profissão. Conclui-se que tais matrizes discursivas devem ser levadas em consideração nas pesquisas e nas propostas de mudança desenvolvidas neste campo, considerando que suas formulações são atravessadas por diversas tensões paradigmáticas produzindo uma diversidade de propostas teóricas e de novas experimentações no modo de formar os trabalhadores da saúde.