Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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EXPERIÊNCIA DA GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: Formação, Grupalidade e Cuidado.
Alexandre Melo Diniz, Maria Salete Bessa Jorge, Rosana Teresa Onocko Campos, Antonio Germane Alves Pinto, Mardênia Gomes Ferreira Vasconcelos

Resumo


A experiência descrita neste estudo pautou-se na validação do Guia de Gestão Autônoma da Medicação (GAM) com ênfase na participação social de usuários, trabalhadores de saúde e gestores do SUS na grupalidade, construção da autonomia e nos saberes e práticas do campo da saúde mental coletiva. Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida no Brasil por pesquisadores da Universidade de Campinas (UNICAMP) e Associação de familiares e amigos da saúde mental de Campinas (Aflore) pelo Projeto ARUC (Associação Internacional de Pesquisa Universidade-Comunidade em parceria Brasil-Canadá), reunindo ainda quatro universidades brasileiras (UNICAMP, UFF, UFRJ e UFRGS). A Universidade Estadual do Ceará (UECE) participou na validação do guia. A pretensão participativa desta pesquisa enfoca o usuário como protagonista do processo analítico a partir de suas vivências e percepções sobre o modo de vida cotidiano. Pois, a partir da utilização de medicamentos e outras abordagens terapêuticas no seu atendimento pela rede de atenção à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) e além das redes sociais do seu território de vida, é possível mapear e descrever a realidade numa ótica diferenciada, seu caminhar para buscar atendimento para suas necessidades de saúde, e construção de autonomia no seu processo de vida. Nesse sentindo, compreende-se que a construção da autonomia se faz pela formação de múltiplas dependências, conexões e oportunidades. No cuidado em saúde, a oferta dos serviços e o conjunto de dispositivos sociais para formulação de uma rede integral de atenção ao usuário possibilitariam uma autonomia para com sua assistência. No entanto, a fragmentação do cuidado, a parcialização dos saberes e práticas e as tensões entre oferta e demanda no SUS fortalecem a dependência única e, às vezes, inexistente para suprimento de demandas, problemas e necessidades. A pretensão de validar o GAM insere-se na discussão sobre os modelos terapêuticos conformados na operação do cuidado em saúde nos diferentes cotidianos dos serviços de saúde. A clínica hegemônica nas práticas destes ambientes segue uma direção interventora, direcionando medidas classificatórias (diagnósticos), prescritivas (planos de intervenção) e objetivas (doença como foco). A dimensão anátomo-fisiológica e suas disfunções patológicas enquadram as pessoas que assim se acometem num plano objetivo em que suas singularidades, contexto social e pretensões subjetivas são remetidas ao descaso ou a um sub-plano. Por isso, o processo de validação pautou-se na ferramenta da grupalidade, ou seja, na compreensão que o processo grupal sobressai à dimensão celibatária da comunhão dos iguais e pressupõe o respeito das afetações recíprocas, de maneira mais múltipla, centrada, calcada, sobretudo no jogo entre as singularidades e o comum, e na potência ampliada da composição – sempre levando em conta o plano de consistência. Ao mesmo tempo, singularidade, individualidades e coletivo. Diante dessas dimensões analíticas, Objetivou-se analisar as experiências vivenciadas pelos usuários do Centro de Atenção Psicossocial no desenvolvimento do grupo operativo para GAM. Enfatizou-se o processo terapêutico empreendido e sua interlocução com os sentidos e significados do tratamento medicamentoso, a interação com a equipe de saúde mental, família e comunidade bem como a resolubilidade assistencial. Utilizou-se uma metodologia específica de validação do Guia GAM-BR, dado o seu caráter participativo e com foco na experiência de usuários e trabalhadores dos CAPS, para tanto, buscou-se na experiência enativa a estratégia capaz de focar a produção da experiência subjetiva e sua emergência. Com abordagem qualitativa, dentro de uma perspectiva crítica, foi realizado no município de Maracanaú-CE, região metropolitana de Fortaleza, capital do Estado do Ceará. O município é o quarto mais populoso do Ceará, e possui uma rede de serviços assistenciais em saúde mental ainda em construção. As informações foram coletadas nos grupos GAM que aconteciam semanalmente no Centro de Atenção Psicossocial com referência para Álcool e outras drogas (CAPS Ad) e contou com a participação de 13 usuários e oito profissionais de saúde que atuam nos centros de atenção psicossocial (CAPS Ad e CAPS Geral), entre eles médico, psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional e assistente social, além de três pesquisadores da universidade. Cada um dos três pesquisadores assumia papel diferenciado. Desse modo, metodologia específica de validação do Guia GAM-BR pautou-se no uso de três procedimentos metodológicos: Grupo GAM (GG), Grupo Narrativo (GN) e Grupo focal (GF) e entrevistas de aprofundamento. O GG é compreendido como o grupo de intervenção, em que existem três facilitadores: o manejador, responsável estava à frente de facilitar o processo grupal e registro da memória de cada sessão do grupo GAM; o anotador, responsável pelo registro de comportamentos e dinâmicas do grupo e o observador, responsável pela observação dirigida a categorias de comportamentos e/ou dinâmicas grupais que nos interessam observar, ou seja, as nuances do processo grupal que iam além das palavras. Este grupo GG foi realizado semanalmente no período de março à setembro de 2011, totalizando 21 encontros. Os grupos narrativos foram realizados em três momentos distintos, que foram a cada 7 encontros, em que foi construído uma narrativa baseada nas informações obtidas a partir da função de coleta de dados dos três facilitadores (manejador, observador e anotador). Os Grupos focais e as entrevistas serviram para avaliar a ampliação dos efeitos da experiência do sujeito e aprofundamento de alguns temas. As narrativas desvelam que em todo o processo de discussão sobre a medicação, fica evidente que a escuta e o acompanhamento individual, ou seja, a abordagem singular dos usuários possibilita uma melhoria significativa no estado de saúde mental. Desse modo, é possível ressignificar a utilização precípua do medicamento e interagir com inovações terapêuticas mais voltadas para hábitos de vida saudável. A cada encontro era evidenciada a formação da matriz grupal, o que favoreceu o vínculo entre usuários, profissionais e pesquisadores. Estabelecidas estas bases, o grupo se mostrou coeso e suporte efetivo no cuidado aos usuários. Criou-se um espaço singular para troca de experiências e compartilhamento de dúvidas e aprendizados. Na promoção da autonomia dos usuários alguns temas foram trabalhados, tai como: autoconhecimento, entendimento das propriedades terapêuticas e indesejadas dos medicamentos, a importância das relações familiares e comunitárias, direitos dos usuários do SUS, dentre outros. Com a experiência foi possível a validação do Guia GAM a partir do saber do usuário, uma maior integração entre usuários, profissionais do serviço e pesquisadores, favorecendo o vínculo e com ele a construção de projetos terapêuticos promotores de autonomia.