Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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DE UMA IMAGEM À OUTRA: A METODOLOGIA DAS CARTAS AUDIOVISUAIS COMO TROCA DE EXPERIÊNCIAS ENTRE ESPECTADORES-AUTORES NA ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO (EPSJV/FIOCRUZ)
Jean Carlos Pereira da Costa

Resumo


Em uma sociedade onde a influência imagética atua em quase todas as esferas do cotidiano, é preciso questionar as condições em que os espectadores têm a possibilidade da construção de um olhar crítico, bem como as condições em que são apenas receptores passivos do que a ideologia mercadológica da imagem lhes proporciona. É necessário discutir como a imagem ganhou tamanha importância nas relações sociais e como influenciou os meios de comunicação entre indivíduos. Com o avanço da tecnologia e das formas de reprodutibilidade de textos e imagens, foi praticamente esquecida a cultura de se escrever cartas em papel, fechadas em um envelope, seladas e enviadas a um destinatário através dos Correios. Como as cartas resistiriam à cultura do efêmero e da imagem como principal forma de comunicação e identificação sendo elas tão simples e de tão demorada entrega? Mesmo o e-mail, entendido como correio eletrônico, posteriormente, permitiu a inserção de figuras e vídeos, ratificando o protagonismo da imagem nas relações entre os sujeitos. Entendendo que nesta sociedade as relações sociais são mediatizadas por imagens, torna-se evidente a desvalorização das cartas escritas em detrimento das formas audiovisuais contemporâneas de correspondência. São necessários hoje meios em que a imagem seja a principal forma de comunicação, ratificando o desdobramento do fetichismo da mercadoria, explicitado por Marx, em fetichismo das imagens, pois “no atual estágio do desenvolvimento capitalista, a predominância da imagem – melhor dizendo, da forma-imagem como desenvolvimento da forma valor – indica uma radicalização do fetiche” (FONTENELLE, 2002, p. 285). Neste sentido, a disciplina de Audiovisual do ensino médio integrado ao técnico da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) tenta contribuir para a formação de técnicos em saúde capazes de refletir, criticar e criar novas formas de se pensar a sociedade na era do capitalismo de imagens. A EPSJV é uma unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) que possui como elementos estruturantes do seu currículo integrado o Trabalho, como princípio educativo e produção da existência humana; a Ciência, como conhecimento que se produz pela humanidade; e a Cultura, como dimensão simbólica da vida social, garantindo o processo de aprimoramento do aluno no sentido do desenvolvimento de valores e instrumentos de compreensão e crítica da realidade, além do acesso ao conhecimento científico e tecnológico na contemporaneidade. Com as adaptações necessárias ao contexto sociocultural brasileiro, a disciplina de Audiovisual se apropria, então, da metodologia das Cartas Filmadas criada pelo teórico francês de cinema Alain Bergala a partir da exposição “Correspondências”, dos cineastas Abbas Kiarostami e Víctor Erice. Segundo Bergala, “a exposição itinerante ‘Correspondências’ propõe um diálogo entre as obras cinematográficas de Víctor Erice e Abbas Kiarostami. Por meio da troca de ‘cartas filmadas’, cada qual lança seu olhar sobre a obra do outro” (2007). Em uma perspectiva de educação politécnica em que o que produzo não se separa de como produzo, propõe-se aos alunos que, a partir de uma temática relacionada ao seu cotidiano e às suas experiências enquanto sujeitos históricos, sejam produzidos curtas que serão como cartas, pois serão trocados entre os outros alunos e, posteriormente, serão respondidos em uma nova Carta Audiovisual. Este exercício traz aos alunos o desafio de entender as escolhas feitas durante a produção da Carta e propõe também um olhar crítico e criativo sobre a mensagem presente no vídeo. Quando é proposta a produção das Cartas Audiovisuais, os alunos se encontram em um lugar de escolhas abertas, de imaginação e criação. Neste momento, os eles se percebem em um espaço de produção coletiva de conhecimento e troca de experiências, dividindo-se e dialogando sobre as várias etapas do processo de produção das Cartas (roteiro, filmagens, edição, fotografia, entre outras). É comum que aconteçam leituras diferenciadas dos objetivos da Carta inicial e, assim, na resposta, o grupo poderá desconstruir o conteúdo presente no primeiro curta. Neste sentido, é necessário ao processo de aprendizagem que o aluno tenha autonomia sobre sua leitura e análise da carta, bem como sobre a produção da Carta-resposta. É importante mostrar ao aluno a necessidade de se “fazer um esforço de lógica e de imaginação para retroceder no processo de criação até o momento em que o cineasta tomou suas decisões, em que as escolhas ainda estavam abertas" (BERGALA, 2008, p.130). Ao ocupar um lugar ativo sobre sua formação, o aluno percebe a dificuldade de imaginar, produzir e filmar algo que fuja da zona de conforto e dos clichês aos quais está acostumado. É interessante quando se percebe que, no mundo, as coisas nem sempre estão no lugar certo para serem filmadas. Entendendo que o papel dos técnicos de saúde não se restringe a ações meramente mecânicas e sem reflexão, é importante a inter-relação existente entre o campo da Saúde e o das Artes, como o Audiovisual, de maneira que sejam formados profissionais em saúde capazes de compreender a realidade em que se inserem para além da zona de conforto instituída pela educação pelas miragens realizada nos discursos naturalizados da indústria cultural. É importante que estes técnicos sejam capazes de captar e propor saídas criativas e possíveis dentro da realidade das redes de saúde em que se inserem, entendendo seu trabalho como objeto de reflexão crítica e criativa, facilitando e modificando a compreensão de processos em saúde, além de potencializar a qualidade destes serviços e a maior humanização das redes de saúde. Com a metodologia das Cartas Audiovisuais, percebe-se, então, que há um confronto entre imaginação e recriação do real. A compreensão de seu papel social enquanto cineasta e de sua responsabilidade com o espectador fica clara quando o aluno se coloca no lugar de um espectador-autor, já que terá de responder ao vídeo com outra Carta Audiovisual. Neste sentido, a analogia no que diz respeito à formação de técnicos em saúde se completa quando o aluno percebe a importância de cada uma de suas escolhas enquanto profissional da saúde e dos resultados de suas ações sobre os usuários do serviço. O aluno salta, então, da espectação passiva para ser um autor, para ocupar um lugar ativo sobre sua formação, criando uma rede de troca e produção artística de experiências coletivas e críticas. Referências bibliográficas: BERGALA, Alain. A hipótese-cinema. Trad. Mônica Costa Netto, Silvia Pimenta. Rio de Janeiro: Booklink. CINEAD-LISE-FE/UFRJ: 2008.BERGALA, Alain. Kiarostami e Erice. Biblioteca Diplô. set. 2007. Disponível em <http: //diplo.org.br/imprima1901>. Acesso em: 03 mar 2012.FONTENELLE, Isleide Arruda. O nome da marca: McDonald's, fetichismo e cultura descartável. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2002.