Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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HISTÓRIAS DE VIDA DE PESSOAS QUE SE SUICIDARAM SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO
Lilian Zielke Hesler, Roger Flores Ceccon, Stela Nazareth Meneghel

Resumo


INTRODUÇÃOO suicídio é considerado um importante problema de saúde pública e pode ser entendido como um comportamento auto-agressivo, iniciado e levado até o fim por uma pessoa com total conhecimento ou expectativa de um resultado fatal (OMS, 2001). Dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde indicam que as mortes por suicídio aumentaram 60% nos últimos 50 anos, e cerca de um milhão de pessoas cometeram suicídio no ano 2000, o que representa uma morte a cada 40 segundos, correspondendo a 13ª causa mundial de morte na população geral (OMS, 2006).A prevalência do suicídio segundo sexo ocorre em freqüência três vezes maior entre homens do que entre mulheres, embora as tentativas de suicídio sejam mais altas na população feminina na maioria dos países (SHIMITT et al., 2008). Essa diferença acentuada nas taxas de suicídio entre os sexos tem influenciado o debate sobre a importância da condição de gênero na ocorrência deste evento. Outro fato que indica a importância do gênero na distribuição de casos de suicídio são as diferenças no padrão da mortalidade segundo as normas de gênero vigentes, de maneira que ocorrem maiores coeficientes de mortalidade de suicídio feminino em culturas islâmicas e orientais onde a posição da mulher é mais desvantajada (CLEARY, 2011; MENEGHEL et al, 2004). Entende-se que a socialização de gênero, que ainda se mantém na sociedade atual, representa um cenário que pode predispor homens e mulheres ao suicídio. Homens e mulheres podem apresentar maior vulnerabilidade à auto-agressão quando há falhas no desempenho dos papéis de gênero que podem decorrer de conflitos relacionais entre os casais, velhice, doença, reveses econômicos, precarização do trabalho e aumento do desemprego, assim como modificações na economia rural.Diante disso, o presente estudo objetiva compreender, sob a perspectiva de gênero, as histórias de vida de pessoas que se suicidaram em municípios da região sul do Brasil.PERCURSO METODOLÓGICO Este estudo é uma investigação de caráter exploratório-descritivo com abordagem qualitativa, que faz parte de uma pesquisa maior intitulada “É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de Idosos no Brasil e possibilidades de Atuação do Setor Saúde” (MINAYO e CAVALCANTE, 2010). O estudo foi desenvolvido em quatro municípios do estado do Rio Grande do Sul/Brasil: Porto Alegre, São Lourenço do Sul, Venâncio Aires e Candelária. Foram realizadas autópsias psicossociais (SCHNEIDMAN, 2004) por meio de entrevistas com familiares de 24 idosos suicidas. Foi uma amostra intencional de suicídios ocorridos em pessoas de ambos os sexos nos último cinco anos. As famílias foram contatadas por profissionais das Secretarias Municipais de Saúde e, para os que aceitaram participar do estudo, foram agendadas entrevistas realizadas por profissionais de nível superior, na residência dos familiares ou unidade de saúde próxima.Utilizamos a perspectiva de gênero para analisar os elementos da história de vida das pessoas que pudessem significar fragilidades para condutas de auto-agressão. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (CEP /FIOCRUZ) e todas as recomendações e cuidados éticos foram respeitados.DISCUSSÃO DOS RESULTADOSRealizou-se análise das 24 histórias de vida de homens e mulheres que se suicidaram em quatro municípios gaúchos nos últimos cinco anos. Nos relatos obtidos por meio de autópsias psicossociais foram identificadas questões de gênero na vida dessas pessoas, pautando-se: a presença de desigualdade de poder entre o casal, o desempenho de papéis sexuais rígidos, violências de gênero, principalmente de cunho psicológico, doenças que afetam a feminilidade ou virilidade como as ligadas ao aparelho reprodutor de ambos os sexos, que geram impotência ou desfiguração.Consideramos que a educação diferenciada de gênero que opera através dos chamados papéis ou estereótipos de gênero usados para educar meninas e meninos é um dos determinantes das desigualdades que ocorrem entre homens e mulheres. Esses papéis depois de assumidos permanecem ao longo da vida, e são naturalizados e invisibilizados pela cultura. Desta maneira, espera-se que as mulheres sejam passivas, delicadas, cordiais, reprimam sua agressividade e cuidem dos familiares. Para os homens o papel delegado é o de provedores da família, fortes, agressivos, potentes e viris.Percebeu-se por meio das falas dos familiares, que os homens haviam se aposentado por idade ou doença e se sentiam impotentes frente ao afastamento do mundo do trabalho e como provedores do lar. Alguns agricultores, no momento do suicídio, haviam passado o posto de chefe da família aos filhos e manifestavam sofrimento porque queriam continuar ativos no trabalho e nas decisões da família. Outros estavam em situação de tristeza e impotência ocasionada por doenças incapacitantes, que os diminuíam frente às companheiras. Houve vários relatos de infidelidade conjugal, separações, crises no casamento que parecem ter sido fatores associados ou coadjuvantes do suicídio.As mulheres, principalmente idosas e agricultoras, seguem ocupando uma posição de subalternidade na hierarquia dos sexos e o valor a elas associado está relacionado ao que produzem no trabalho e ao cuidado dispensado à família. Algumas se suicidaram após uma longa vida de cuidadoras e trabalhadoras, parecendo que se permitiram morrer apenas após ter colocado tudo em ordem. Estudar o suicídio na perspectiva de gênero nos leva a considerar que os papéis, as hierarquias e as formas como homens e mulheres se relacionam na sociedade contribuem diretamente para os comportamentos auto-agressivos. Acreditamos que estudar o suicídio usando a categoria gênero representa uma possibilidade de ampliar a compreensão deste problema.REFERÊNCIASCLEARY A. Suicidal action, emotional expression and the performance of masculinities. Soc. Sci. Med. 2011, e Pub. MENEGHEL, S.N.; VICTORA, C.G.; FARIA, N.M.X.; CARVALHO, L.A.; FALK, J.W. Características epidemiológicas do suicídio no Rio Grande do Sul. Rev Saude Publica. v.38, n.6, p.: 804-10, 2004.MINAYO, M.C.S.; CAVALCANTE, F.G. É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de Idosos no Brasil e possibilidades de Atuação do Setor Saúde. Projeto de pesquisa, CLAVES, 2010. OMS. Organização Mundial de Saúde. Relatório sobre a saúde no mundo 2001: saúde mental - nova concepção, nova esperança. Genebra. 2001.OMS. Organização Mundial de Saúde. 1.Suicídio — prevenção e controle. 2. Tentativa de Suicídio – prevenção e controle. 3.Aconselhamento. I. Organização Mundial de Saúde. II. Série: Prevenção do suicídio: uma série de recursos; 7. 2006.SHIMITT, R.; LANG, M.G.; QUEVEDO, J.; COLOMBO, T. Perfil epidemiológico do suicídio no extremo oeste do estado de Santa Catarina, Brasil. Rev Psiquiatr RS, v.30, n.2, p.115, 2008.SHNEIDMAN, E.S Autopsy of a Suicidal Mind. [S.l.]: Oxford University Press. 2004.