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RELATO DAS EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES VIVENCIADAS NO VER SUS 2012/1.
Resumo
INTRODUÇÃO Este relato de vivência pretende expor de forma sucinta as percepções e o aprendizado adquirido nos 10 dias de estágios e vivências na realidade do SUS (VER-SUS) ocorrido na Área Programática 3.1 (AP 3.1) do município do Rio de Janeiro. A vivência foi realizadacom mais oito estagiários de diferentes cursos de graduação e um facilitador, também universitário. Em nosso estágio sempre estivemos acompanhados por algum funcionário da Coordenação de Área de Planejamento 3.1 (CAP 3.1). Sou estudante de Enfermagem, atualmente curso sétimo período do curso na UNIRIO. Desde o início de minha formação compreendi que a saúde extrapola o conceito biológico e que é necessário pensá-la de forma abrangente, considerando o contexto social e o político que define este anterior. Ao me deparar com as propostas da Oitava Conferência de Saúde, do Movimento de Reforma Sanitária e entender que a saúde deve ser um direito de todos, escapando a possibilidade de se tornar mercadoria, me senti engajada na luta por um sistema público de saúde efetivo. Ao longo da minha formação e experiências de vida pude perceber alguns dos inúmeros entraves que impedem a efetivação plena deste sistema. Os entraves e disputas políticas junto as disputas ideológicas, fazem com que o SUS se torne um sistema dinâmico, campo de disputas e por isso deve ser conquistado no campo das lutas políticas e também no campo da atuação profissional direta. A minha convicção de que saúde deve ser garantida como direito e de que é válido lutar pelo SUS, me fez ter interesse em participar deste estágio de vivência. Pretendo neste relatório demonstrar um pouco do que foi vivido e do que aprendi nesse período, onde pude vivenciar uma parte daquilo que significa o SUS Tentei durante este período realizar a minha observação da forma mais abrangente possível, analisando a estrutura das unidades, as ações dos profissionais, as relações entre estes profissionais e as relações entre profissionais, usuários e gestores. Mas o que mais me chamou atenção durante as observações foram os diálogos assumidos pelos atores do SUS que tive a oportunidade de dialogar ou de apenas ouvir, assistir o diálogo. O discurso mais interessante, que mais me atraiu atenção, na verdade não foi o falado, foi o discurso oculto, os silêncios assumidos por parte de alguns. Considerando o contexto apresentado na produção destes silêncios pude a partir da minha concepção e interpretação, perceber que estes silêncios estavam cheios de significados, pois se tratava de um silêncio imposto pelo medo, pela falta de liberdade de expressão, e isso pra mim representa uma infinidade de sentidos do qual falarei mais adiante. Muito me chamou atenção também as falas assumidas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACSs), estes sim, produziram um discurso falado, diversas vezes muito rico. Durante o estágio, o grupo em que estive, da AP 3.1, teve contato quase que integralmente só com a Atenção Básica, com a gestão da Atenção Básica (Coordenação de Área de Planejamento 3.1) e com a gerência da Atenção Básica (Organizações Sociais), excetuando-se uma visita realizada ao Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto (Atenção terciária) em que fomos recebidos por uma funcionária que apenas nos apresentou a unidade, limitando a visita a uma “visita técnica”. Acima diferencio gestão e gerência baseando-me no conceito de ambos contido na Norma Operacional Básica do SUS de 1996 onde Independentemente da gerência dos estabelecimentos prestadores de serviços ser estatal ou privada, a gestão de todo o sistema municipal é, necessariamente, da competência do poder público e exclusiva desta esfera de governo, respeitadas as atribuições do respectivo Conselho e de outras diferentes instâncias de poder. Assim, gerência é conceituada como sendo a administração de uma unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação etc.), que se caracteriza como prestador de serviços ao Sistema. Por sua vez, gestão é a atividade e a responsabilidade de dirigir um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional), mediante o exercício de funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria. São, portanto, gestores do SUS os Secretários Municipais e Estaduais de Saúde e o Ministro da Saúde, que representam, respectivamente, os governos municipais, estaduais e federal. (BRASIL, 1996). ATENÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES SOBRE O NOVO MODELO DE GESTÃO. Os dez dias de estágio trouxeram uma série de percepções e significados. Foi possível ter contato com diversos campos, como o campo da educação em saúde, vigilância em saúde, atenção a saúde mental entre outros. Porém, o campo que mais me chama atenção é aquele que destacarei neste relato de vivência, o campo da gestão em saúde. Trago este tema por compreender que o momento em que passa a Atenção Básica no município do Rio de Janeiro é extremamente interessante e o estágio trouxe questões que considero relevantes a serem relatadas e discutidas. Pode-se durante esta experiência viver o SUS em sua dinâmica atual. Pude compreender que o Sistema Único de Saúde não é estático e está em constante construção. O SUS que tem sua gênese no Movimento de Reforma Sanitária passa por diversos momentos em que se pode evidenciar a ocorrência constante de um conflito ideológico que reflete a sociedade em que vivemos e que conduz a efetivação de direitos sociais, e também da saúde, logo a condução do SUS é reflexo da condução das políticas públicas, reflexo do constante embate político e dessa forma é constante, se conquista e se constrói a cada dia. A Atenção Básica no município do Rio de Janeiro atualmente é palco de uma disputa ideológica a respeito do papel do Estado, visto que a expansão de uma política pública, a Estratégia de Saúde da Família tem de dado através de entidades de cunho privado, as Organizações Sociais. Foi muito interessante poder observar como o debate que envolve este tema, que considero ser muito complexo, é por vezes levado de forma superficial por alguns gestores e profissionais de saúde, neste sentido, ressalto que por vezes o discurso não se faz. Acredito que a produção destes silêncios principalmente por parte dos profissionais contratados pelas Organizações Sociais são oriundos do próprio processo de “flexibilização” proposto por estas entidades. Muito se discute hoje a respeito da liberdade e autonomia profissional frente ao modelo de contratação que é exercido pelas OSs. É de fácil percepção nos debates a respeito do tema que a autonomia que é dada as OSs para realizar os contratos via CLT dá a estas entidades uma manipulação do quadro profissional que por vezes atropela alguns direitos trabalhistas e a própria liberdade de expressão, ao meu ver trata-se da imposição da lógica mercadológica no campo da Atenção em saúde. Neste contexto é válido entender que este silêncio não é ausente de sentidos e significados, pelo contrário é recheado deles. As OSs surgem no Brasil no contexto da Reforma do Aparelho do Estado em 1995, uma reforma de caráter neoliberal, onde se defendia um Estado mínimo, regulador e fiscalizador, admitia-se que a burocracia estatal impedia a boa execução de alguns serviços dando espaço a implantação de um novo modo de gerenciamento das instituições públicas, baseado num pressuposto de que existe um espaço público não estatal, passível de ser gerido por instituições privadas. Surge então o novo gerencialismo público, que tem como princípios a transparência, a flexibilidade e a autonomia de gestão. Vale ressaltar que esse período é sucedido pelo período de redemocratização do país onde o processo da constituinte foi palco de uma discussão que permeava a definição da concepção de Estado. Faço esta retrospectiva histórica no sentido de demonstrar como a discussão que envolve as Organizações Sociais, apesar de gerar uma série de outras questões muito importantes, como as relações trabalhistas e a qualidade do atendimento, envolve antes destas questões a discussão sobre a concepção de Estado. Essa discussão permeia um debate que envolve a postura do Estado na condução de políticas a partir de um quadro onde a política de ajuste fiscal a partir do ideário neoliberal imposto aos países ainda em desenvolvimento que se deu a partir do Consenso de Washington em 1989 e determinou um reordenamento do Estado que tinha por meta desmontar as políticas de garantia dos direitos sociais e tornar os Estados menos soberanos, promovendo também a abertura do mercado ao capital internacional,incentivando os investimentos estrangeiros, as privatizações e as terceirizações. Esse caráter privatizante se inicia no Brasil em 1995 com o governo FHC e é dada continuidade nos governos Lula e Dilma. Toda a questão ideológica supracitada, gera neste quadro a questão da diminuição dos direitos trabalhistas, a não compatibilidade entre a finalidade da entidade privada e da entidade pública, a ineficácia do Estado em executar seu papel regulador, dando brechas a fraudes, desvios de verba e execução de serviço sem qualidade, a posição do controle social neste quadro, a constitucionalidade ou incostitucionalidade das OS e demais empresas do gênero, visto que na constituição a participação privada deve ser suplementar não podendo o Estado delegar a outro sua função executora e etc. Frente a essas e outras questões o controle social já demonstrou ser contrário a adoção destas entidades, a 13º Conferência Nacional de Saúde ocorrida em 2007, posiciona-se contra o modelo de gerenciamento por organizações sociais, afirma que ampliar os serviços públicos é a melhor forma de se consolidar a universalidade e a integralidade da atenção. Registra, ainda, que tal forma de gerenciamento colocaria em riscos a qualidade do serviço e o controle social. (BRASIL, 2008). O Conselho Nacional de Saúde, em 2005, também se posicionou contra as organizações sociais, fóruns de saúde pelo Brasil e a Frente Nacional Contra a privatização as saúde tem denunciado e confeccionado documentos onde se pretende demonstrar o quando é prejudicial a efetivação do SUS por meio destas empresas, existe ainda sem ser votada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra as OSs. Durante a vivência pude perceber que a expansão da ESF está ocorrendo por meio destas entidades (Organizações Sociais), porém além dos questionamentos acima citados, pode-se incluir outros a partir do que foi vivenciado. A instabilidade profissional é fácil de ser percebida, várias unidades contam com quadros insuficientes de profissionais. A liberdade de expressão desses profissionais também não é de difícil percepção, a flexibilização gerada por esse modelo pretende gerar maior qualidade do trabalho e regulação profissional, porém o que pode-se perceber muitas vezes é a execução de um trabalho sem autonomia e sem liberdade de expressão. O modelo de cumprimento de metas por vezes pode fazer do trabalho algo automático justificando o que foi dito acima sobre a ausência de autonomia profissional, questiona-se também se a elaboração dessas metas pactuadas entre OS e poder público leva em consideração de fato as realidades dos territórios assistidos. Esperamos que a expansão da ESF se dê além de forma quantitativa como vem ocorrendo, também de forma qualitativa. Espera-se que o poder público exerça sua função de gestor, regulador e fiscalizador enquanto este modelo estiver sendo utilizado. Espera-se ainda com muita esperança que possamos ter um governo que assuma que os problemas da esfera pública passam necessariamente por problemas de financiamento, que é negado pelos governos neoliberais que direcionam recursos do fundo público para o mercado financeiro, entendendo que a solução apesar de passar pela gestão, vai além da adoção de um novo modelo de gestão. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. NOB-SUS 1996: Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 1996. 34 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Conferência Nacional de Saúde, 13ª: Relatório Final. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 245 p.