Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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E QUE RUFEM OS TAMBORES: A EXPERIÊNCIA INVESTIGATIVA/PERFORMÁTICA COM EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ATENÇÃO BÁSICA DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS
Cesar Augusto Paro, Sergio Resende Carvalho, Maria Lucia M. Cyrino, Andrea Aparecida Barbosa, Lindomar Coutinho de Rezende Ferreira, Isabela Mantovanni Gomes, Camila Severing do Couto Caligari, Elenilda Fatima de Sena Nunes, Fatima Aparecida da Silva Oliveira, Luiz Gustavo Vala Zoldan, Diego Augusto Barbosa, Jose Guilherme Pereira Bergamasco, Daniela Donaçao Dantas, Gines Villarinho, Michele Eichelberger, Bruno Azevedo Mariani

Resumo


Partindo do pressuposto de que a arte, a educação e a saúde podem se encontrar com o objetivo de auxiliar o homem na construção de um mundo melhor, através da ativação de núcleos sadios e levando a formas mais harmoniosas de se comunicar, relacionar e estar no mundo, nos propusemos a experimentar o uso de ferramentas artísticas, especialmente as advindas das artes circenses, para o trabalho com educação em saúde dentro do projeto “Pesquisa Avaliativa Sobre Gestão do Trabalho e a Formação de Graduandos e Trabalhadores de Saúde: Explorando Fronteiras” do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). Esta experiência tratou-se de uma pesquisa-intervenção realizada junto ao território adscrito a três Centros de Saúde (CS) da região Sudoeste de Campinas (CS Dic III, CS São Cristóvão e CS Aeroporto), em que graduandos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), em parceria com trabalhadores da rede SUS de Campinas, elaboraram performances artísticas, buscando estimular reflexões sobre o cuidado integral à saúde. A elaboração do enredo das performances ocorreu no decorrer das reuniões do PET-Saúde, onde os atores (graduandos de Medicina e Fonoaudiologia) do espetáculo contaram com o auxílio dos demais membros do grupo. Os espetáculos possuíam em média quarenta minutos de duração e foram apresentados em algum equipamento social existente nos territórios dos CS, como escolas e igrejas. Com o auxílio e treinamento por artistas da cidade, explorou-se algumas técnicas circenses como palhaço, tecido acrobático, malabarismo e realização de coreografias junto ao público. No espetáculo, dois palhaços atrapalhados frequentavam os diversos serviços públicos de saúde da cidade, nos seus distintos níveis de atenção, de forma cômica e irreverente, mostrando quais são e como são distribuídos estes serviços, além de como se organiza o acesso a eles. Os atores sempre convidavam o público a participar do espetáculo, buscando suscitar a reflexão sobre as situações apresentadas, como quando um dos palhaços atropela o outro e recorre ao público para saber o que fazer na situação. A coleta/co-produção dos dados foi realizada através da prática diarística influenciada pela análise institucional, observação participante, vídeos e entrevistas semi-estruturadas. A elaboração do projeto e análise dos dados – através do compartilhamento dos diários – foi realizada por um grupo de seis graduandos em parceria com o coletivo de 21 membros do projeto PET. Entre estes últimos, cumpriu destacado papel os trabalhadores dos serviços de saúde (gestores, enfermeiras, dentista, médica e terapeuta ocupacional) que atuaram como preceptores e construíram conjuntamente o projeto, auxiliando na discussão sobre os objetivos, na confecção (tanto no conteúdo, quanto na execução) dos espetáculos e na divulgação dos mesmos. O caráter participativo da elaboração, operacionalização e reflexão do processo investigativo permitiu aos distintos participantes reflexão e amadurecimento sobre as práticas e saberes atinentes a temática em discussão. O projeto inicial proposto foi sofrendo modificações ao longo do seu percurso: os objetivos foram repensados, o roteiro da performance reelaborado, aspectos operacionais tiveram de ser adaptados, ou seja, o trabalho foi se transfigurando, resultado de uma experiência transdisciplinar muito envolvente e concreta. A performance foi apresentada uma vez em cada território, com boa receptividade dos trabalhadores e usuários: crianças e adultos se afetaram e participaram das intervenções com colocações e até coreografias quando sugerido. Percebeu-se, pela reação e participação do público, que esta intervenção auxiliou na educação em saúde, principalmente, no entendimento da organização do SUS, prevenção e promoção de saúde. Diante da intensa participação dos usuários, suscitou-se a reflexão nos trabalhadores dos CS sobre o uso de outras linguagens na atenção básica, já que os recursos artísticos puderam ser vistos como potentes formas de diálogo. Além disso, os espetáculos despertaram novas parcerias entre os serviços de saúde e educação. Neste percurso investigativo, produziram-se vínculos/afetos fortes entre graduandos, serviço e comunidade, sendo que todo este processo se tornou um dispositivo de reflexão para a equipe (re)pensar a gestão/produção do cuidado. A integração entre ensino e serviço dentro do espaço da comunidade trouxe um aprendizado diferente daquele da universidade: a práxis do cotidiano do serviço e da interação com o “paciente” em seu nicho, não mais encoberto pela estrutura física imponente do hospital e tampouco pelas modestas paredes do CS. Eram alunos e trabalhadores se entregando ao experimentar a comunidade, levando e trazendo consigo diferentes conhecimentos que ali se complementaram. Além disso, foi uma experiência muito interessante para os graduandos, já que pensar e operacionalizar as intervenções artísticas ajudou a formar profissionais “promotores de saúde”, que vivenciaram a importância da interdisciplinaridade e de uma formação humanizada. Do ponto de vista da produção de conhecimento e saúde, a pesquisa-intervenção demonstrou a potência advinda do encontro arte, educação e saúde, uma vez que esta logra criar novas dinâmicas que se contraponham à fragilização da vida no seu cotidiano, de quebrar especialismos e de explorar novas fronteiras do corpo e do fazer/produzir saúde. Possibilitou, igualmente, encontros inesperados entre universidade, serviço e a população contribuindo para a (re)invenção do espaço público. Práticas transdisciplinares como as que aqui relatamos podem vir a se constituir em ferramentas potentes para experienciar e inventar a vida. Podem, igualmente, constituírem-se em eixo da formação e das práticas de graduandos e profissionais de saúde no momento em que logram apontar para novas sensibilidades e possibilidades narrativas que potencializam experiências do encontro (clínico, cuidador, pedagógico e da/na investigação) e do trabalho em rede, por meio de processos mais colaborativos.