Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Educação e saúde: Intervenções sobre a dimensão cultural dos hábitos posturais
Adriane Vieira, Patrícia Thurow Bartz, Anita Falk Giuliano, Caroline Darski

Resumo


Caracterização do problema: O clássico texto de Mauss (1974) sobre técnicas corporais explicita que nossos hábitos posturais não são naturais; eles são influenciados por noções culturais sobre o que é elegante e apropriado num determinado grupo social. Sem termos consciência, incorporamos maneiras de nos movermos que são, num certo sentido, impostas pela sociedade. Entretanto, nem tudo que é elegante é necessariamente saudável. Há hábitos como sentar de pernas cruzadas, andar com sapatos de salto alto e bico fino, encolher demasiadamente o abdômen, agachar-se evitando movimentos na pelve que podem, com o passar do tempo e a repetição, gerar prejuízos às nossas estruturas musculoesqueléticas. Ao propormos uma intervenção direcionada à educação da postura é, portanto, relevante que, além de explicações teóricas sobre a forma adequada de realizar atividades de vida diária (AVDs), sejam considerados, abordados e questionados os parâmetros culturais que permeiam nossos hábitos posturais. Descrição da experiência: O projeto de extensão Grupo da Coluna no Contexto do SUS tem por referência a metodologia proposta pelas Escolas Posturais e é oferecido para usuárias e usuários que apresentam dores musculoesqueléticas crônicas em uma UBS de Porto Alegre. O Grupo é composto de 5 encontros teórico-práticos com 2 horas de duração oferecidos uma vez por semana no turno da tarde. A cada encontro é trabalhado um tema específico, mas sempre procuramos (1) relacionar aspectos socioculturais, psicológicos e biológicos relacionados à postura, (2) discutir a importância de cuidar da postura e incorporar bons hábitos posturais para evitar ou amenizar as dores musculoesqueléticas, (3) avaliar velhos hábitos e vivenciar formas adequadas de executar AVDs e (4) realizar exercícios de alongamento, percepção corporal e relaxamento. Participam, em média, 8 usuários, sendo a maioria mulheres acima de 50 anos. Um dos hábitos mais trabalhados nos encontros é o ato de agachar- se, pois observamos que grande parte dos usuários pega objetos no chão e senta-se com as pernas unidas e com pouca flexão da articulação do quadril. Esse hábito dificulta a boa organização do sistema musculoesquelético, gerando sobrecarga na coluna vertebral e predispondo o surgimento ou perpetuação de dores, principalmente na região lombar e nos membros inferiores. Propomos, então, dinâmicas e exercícios onde o agachamento é executado com os pés afastados, as articulações do tornozelo, joelho e quadril são flexionadas, a pelve é projetada para trás e as curvaturas da coluna são mantidas. Identificamos, durante a realização desses movimentos, que muitos dos usuários demonstravam sentimentos de vergonha e constrangimento de “expor-se” relacionados principalmente à projeção da pelve (região dos ísquios) para trás. Compreendemos, então, que era importante conversar a respeito das conotações culturais relacionadas a esse movimento, buscando ressignificá-las para que uma organização mais adequada do ato de agachar-se pudesse ser incorporado como hábito postural na realização de AVDs como o pegar objetos no chão e o sentar-se. Buscamos, durante as dinâmicas de grupo, desconstruir as conotações culturais pejorativas que estão relacionadas ao movimento de agachar-se e salientávamos a observação e percepção das sensações de leveza e diminuição do esforço muscular que eram propiciadas pela melhor organização dos membros inferiores e da coluna vertebral na execução das AVDs. Durante essas atividades, observamos que as usuárias sentiam-se mais a vontade para expor e comentar seus sentimentos em relação à movimentação da pelve quando havia apenas mulheres nos encontros. Elas relatavam a sensação de que seriam observadas e moralmente repreendidas (mesmo que só em pensamentos) pelas pessoas a sua volta por estarem “expondo suas nádegas” ou que os outros achariam que elas estariam provocando sexualmente quem estivesse nas proximidades. Houve também participantes que se sentiam desconfortáveis, mas não sabiam identificar ou verbalizar o porquê; nestes casos, constatamos que, após comentários sobre o assunto, elas reconheceram que o desconforto estava relacionado aos sentimentos comentados acima. Relatos sobre a cobrança para que “sentassem direito” quando pequenas, mantendo as pernas unidas como “uma boa menina”, ou da sentirem-se deselegantes ao sentarem-se de pernas abertas foram recorrentes. Nos encontros em que havia homens na sala, observamos o constrangimento, em ambos os sexos, durante a execução da atividade, mas nessas situações, as manifestações verbais espontâneas foram escassas ou inexistentes. Eram, nesses momentos, os facilitadores do grupo que procuravam abordar e comentar o assunto. Não tivemos nenhum encontro em que só houvesse usuários para saber qual seria a reação num grupo de homens ao se abordar este assunto. Efeitos alcançados: Constatamos, no transcorrer de 10 edições do Grupo da Coluna, que grande parte dos participantes experimentou a forma adequada de agachar-se. Destes, alguns incorporaram a nova maneira de agachar-se e relataram a importância dessa pequena mudança de hábito para a redução das dores musculoesqueléticas que sentiam na coluna e/ou nos membros inferiores. Observamos, também, que alguns não incorporaram (ou mesmo experimentaram) essa nova forma de organização corporal durante a realização de AVDs, mas é difícil afirmar se esse fato está relacionado a questões culturais vinculadas a esse movimento ou se é decorrente de uma dificuldade psicomotora. Sabemos que, para muitas pessoas, 5 aulas é um estímulo muito pequeno para mudar um hábito incorporado há muitos anos. Foi, entretanto, surpreendente como esse pequeno estímulo contribuiu para a redução do quadro de dor crônica de muitos participantes. Os efeitos alcançados nos levam a acreditar que, num Grupo de Coluna direcionado à mudança de hábitos, é relevante rever crenças, repensar hábitos e experimentar novas maneiras de mover-se e posicionar-se. Os momentos vivenciados durante a realização dos encontros indicam que a pelve é uma região especialmente envolvida com significados culturais, os quais precisam ser abordados, discutido, desconstruídos e reconstruídos quando objetivamos, numa intervenção educativa, a aceitação e incorporação de novos padrões de movimento e hábitos posturais. Recomendações: Consideramos que, na educação da postura, a abordagem de aspectos culturais é essencial para que hábitos posturais saudáveis adquiram conotações positivas e sejam implementados na execução de AVDs, pois a motivação para incorporação de novos hábitos posturais nos parece bastante vinculada ao seu significado cultural. A nossa experiência com o Grupo da Coluna sugere que a discussão sobre o que é considerado socialmente adequado ou inadequado na postura suscitou maior interesse e teve maior repercussão nas mudanças observadas nos participantes do que o saber técnico sobre a as sobrecargas impostas à coluna pela execução inadequada de AVDs. Palavras Chaves: Educação em saúde, SUS, dores crônicas