Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Educação permanente e aprendizagem significativa no contexto hospitalar: a perspectiva de enfermeiras educadoras
Giovana Ely Flores, Dora Lucia Oliveira

Resumo


Este relato apresenta os resultados de uma dissertação de mestrado que objetivou conhecer as experiências de aprendizagem significativa de enfermeiras facilitadoras de ações de educação permanente no contexto hospitalar, analisando as implicações dessa aprendizagem na transformação das suas práticas de cuidado em saúde. O estudo, de cunho qualitativo, do tipo exploratório-descritivo, foi desenvolvido a partir da experiência de formação do grupo de enfermeiras educadoras que atuam no Programa de Educação Permanente em Enfermagem (PEPE) no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), desenvolvendo atividades de educação em serviço para os trabalhadores da enfermagem. Essas enfermeiras são consideradas pela instituição como promotoras da interface entre o Serviço de Educação em Enfermagem (SEDE) e os demais serviços de enfermagem do HCPA, reconhecidas pelo alinhamento à proposta de formação em saúde, embasada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos pressupostos da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS). São denominadas na instituição como enfermeiras facilitadoras de ações educativas, ou seja, enfermeiras assistenciais designadas por suas chefias para atuarem no PEPE, cumprindo uma carga-horária de três a seis horas semanais destinadas ao planejamento, à organização, ao acompanhamento e à realização de ações de educação junto às equipes de enfermagem. A presente pesquisa seguiu as orientações apontadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(CNS), no que se refere aos aspectos éticos que envolvem pesquisas em seres humanos. Foi submetido para aprovação ao Grupo de Ética e Pesquisa do HCPA (GPPG) e para a Comissão de Pesquisa (COMPESQ) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foram sujeitos de pesquisa as enfermeiras facilitadoras que atenderam aos critérios de inclusão propostos para o desenvolvimento do estudo e que aceitaram o convite para participar da pesquisa. Os critérios utilizados para a seleção dos sujeitos de pesquisa foram: participação da enfermeira facilitadora no programa por ,no mínimo,seis meses, e o número de sujeitos para compor o grupo de pesquisa foi proposto entre seis a oito participantes. Então o grupo de análise constituiu-se de sete enfermeiras educadoras. A coleta de informações foi realizada por meio de Grupos Focais (GF), que ocorreram no mês de agosto de 2010. Para responder os objetivos de pesquisa foram elaboradas três questões relacionadas à experiência da qual as enfermeiras facilitadoras foram sujeitos, desenvolvidas em três grupos focais de 2hs cada um. A técnica de (GF) é apropriada para estudos que buscam entender atitudes, preferências, necessidades e sentimentos. Grupos focais também apresentam excelente potencial exploratório, podendo servir para investigar questões complexas no desenvolvimento e na implementação de programas. As informações coletadas foram analisadas por meio de procedimentos de análise de conteúdo, do tipo temático, identificando-se nos diálogos os núcleos de sentido do contexto avaliado. Para a organização e categorização dos dados foi utilizado como recurso complementar o software NVIVO versão 8.0, que é um programa que organiza o material para a análise em pesquisas qualitativas e possui ferramentas de codificação e armazenamento de textos em categoria específica. Para a identificação das falas na análise, utilizou-se a sigla (Enf) para designar as enfermeiras participantes da pesquisa numerando-as a partir de uma ordem alfabética. A análise e a interpretação das informações obtidas nos encontros de GF resultaram em três categorias que se inter-relacionam: ‘O (des)preparo da enfermeira para o diálogo entre a formação e a prática do cuidado’; ‘Os saberes investidos: o desafio de romper com o instituído e o privilégio de se tornar educadora na perspectiva da EPS’; e finalmente, mas não menos importante, ‘A ressignificação do cuidado de enfermagem a partir do aprendizado com sentido: potência e/ou fragilidade?’. Os resultados obtidos sugerem que a participação das enfermeiras em um programa de educação permanente constituiu-se como oportunidade para a interrogação de experiências anteriores e para a construção, a atualização e o compartilhamento de saberes, compondo um campo fértil para aprendizagens significativas, com potencial para a transformação das suas práticas de cuidado. A análise realizada permite argumentar que a graduação – e também a licenciatura, enquanto formação complementar – não preparou suficientemente as enfermeiras facilitadoras para assumirem o diálogo necessário entre cuidar e educar, considerando o pressuposto da complementariedade entre uma ação e outra. Evidencia-se, em suas colocações, a prevalência da modelagem de educação bancária-tradicional nas instituições formadoras e a utilização de metodologias pouco estimuladoras à participação nos contexos educativos. Por outro lado, a análise sugere que, mesmo tendo sido formadas numa perspectiva tradicional de educação, é possivel para essas enfermeiras forjar outras formas de educar no seu espaço de trabalho. Os dados evidenciam que esse movimento tem relação direta ao desejo de mudança, em nível individual, coletivo e institucional. A análise permite inferir que a experiência no PEPE viabilizou a abertura institucional para novos ‘modos de saber’ e novos ‘modos de fazer’, rompendo padrões até então estabelecidos como ‘possíveis’ no espaço de trabalho destas enfermeiras.Os processos de aprendizagem significativa, tornados visíveis nos depoimentos das enfermeiras que construíram esta trajetória, não se deram de forma linear, mas num ir e vir de aproximações com novos saberes e referenciais, constituindo um grupo de sujeitos diferentes que passaram a atuar na mesma direção, sem, contudo, deixar de preservar as singularidades de cada um. Ao assumirem o papel de facilitadoras nesse contexto, as enfermeiras trouxeram seus saberes, renovados na experiência do PEPE, pela inter-relação com seus colegas e com o próprio repensar da sua prática de cuidado. A aprendizagem significativa, como ação enriquecedora no espaço do trabalho, proporcionou a essas enfermeiras a descoberta de novos caminhos para o exercício de uma escuta sensivel do usuário e da equipe, para a aproximação e o reconhecimento sobre a importância do trabalho coletivo na instituição e dos valores que, mesmo velados, circulam no cotidiano laboral. Assim, o trabalho imaterial como processo e produto do trabalho da enfermagem ganha destaque neste contexto. Na perspectiva das enfermeiras educadoras, atuar no PEPE promoveu a reflexão sobre o trabalho e o seu papel educativo, além de possibilitar a revisão das suas concepções sobre educação, saúde e trabalho. Na experiência analisada, o próprio ato de constituir um grupo, cujos membros apresentam vivências comuns (como o compartilhamento de pressupostos relativos ao trabalho educativo e as próprias experiências anteriores), foi por si só, um aprendizado. Considerando que as aprendizagens significativas desse grupo de enfermeiras educadoras foram motivo de mudança, a aposta é que, enquanto facilitadoras, elas sigam investindo nessa lógica e ativem processos que despertem também o protagonismo dos seus pares em direção à renovação e à recriação do trabalho. Não há garantia, mas esta é a aposta da formação a partir da aprendizagem significativa: de que a produção do cuidado seja impregnada de implicações e sentidos, e que se formulem mais interrogações do que respostas sobre o fazer. Palavras-chave: Educação em Enfermagem. Educação Continuada. Educação em Saúde. Prática Profissional. Aprendizagem.