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RESUMO DO RELATO DE VIVÊNCIA SOBRE O VER-SUS RIO DE JANEIRO-2012.
Resumo
INTRODUÇÂO O VER-SUS Rio de Janeiro foi realizado do dia 29 de Janeiro a 07 de fevereiro de 2012 em período integral. Fui selecionado para Área Programática (A.P) 3.1, que por coincidência ou não, é onde moro e trabalho. Atualmente é dividida em Ilha do Governador, Leopoldina Norte que é sub-dividida em regiões Penha e Vigário Geral e Leopoldina Sul que é sub-dividida em regiões Alemão, Maré e Ramos. A proposta do projeto é vivenciar durante 10 dias o cotidiano do Sistema Único de Saúde (SUS) e discutir sua atual política de gestão em saúde. Previamente o que mais me atraiu e atrai atenção nesta conjuntura se trata da atual gestão realizada pelas Organizações Sociais de Saúde (OSS) e seus problemas. O grupo era formado por dez alunos, sendo um deles facilitador. Haviam estudantes dos cursos de ciências saúde e de ciências humanas, esta diversidade em nenhum momento deixou de acrescentar as discussões do grupo, provando a importância da multidisciplinaridade, tão falada durante o período de vivência mas pouco observada nas unidades de saúde. Durante o período de vivência a maioria das visitas foram voltadas para atenção básica como clínicas da família, Centro Municipal de Saúde(CMS), Centro de atenção psicossocial (CAPS), Unidade de Pronto-Atendimento (UPA).Visitamos apenas uma unidade terciária,o Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto, que é referência em cirurgia plástica de lábio leporino e fenda palatina, que mesmo sendo referência, foi dito pela gestora que nos recebeu que faltam cirurgiões e enfermagem cirúrgica. Conhecemos o Conselho Distrital de Saúde que fica ao lado da Coordenação da Área Programática (CAP). A falta de visita a unidade de serviços de alta complexidade foi o fator que mais empobreceu nossas discussões, na AP visitada estão presentes o Hospital Federal de Bonsucesso, Hospital Estadual Getúlio Vargas, Hospital Municipal Paulino Werneck não tivemos acesso em nossa vivência a nenhuma destas unidades. No primeiro dia de estágio o grupo visitou a CAP que se localiza no bairro de olaria ao lado de uma unidade de saúde, Centro de Saúde José Paranhos Fontenelle que é conhecido pelos usuários como Posto 11. Fomos recepcionados na CAP pelos responsáveis por setores como ouvidoria, gestão, administração, educação permanente entre outros. Foram apresentados as propostas e ações da Divisão ação de programa em saúde (DAPS), Núcleo de apoio a saúde da família(NASF) e Sistema Nacional de Regulação (SISREG) . Durante o debate e posteriormente durante a vivência o que mais me chamou a atenção foram o NASF, o SISREG e as OSS. NASF O questionamento a respeito do NASF surgiu a partir da percepção da evidente necessidade de determinados profissionais integrados a equipe como assistente social, psicólogo e nutricionista. Durante a vivência visitamos o Complexo do Alemão, a necessidade da diversidade profissional se torna clara em um território em que apesar de todo destaque que ganhou advinda da invasão policial e militar ocorrida em 2010 que teve como conseqüência maior investimento do poder público, conta ainda com uma brutal realidade em que se encontram moradias em condições desumanas, ausência de rede elétrica, água encanada e rede de esgoto, ou seja condições insalubres de habitação. Esta região onde durante anos o governo esteve completamente ausente, caracterizada pela disputa por pontos de venda de drogas com conseqüentes episódios de guerras sangrentas, torturas e abuso de poder mostra-se, carente de maior intervenção do Estado no sentido de transformar esta realidade e garantir direitos de cidadania e necessita também da atuação de profissionais que hoje não integram a equipe, como foi citado. A partir do processo de “pacificação”a questão de segurança pública tem melhorado mas ainda se percebe a necessidade de inúmeras melhorias, fato evidenciado através das queixas da população, em que se percebe que a força de “pacificação” que é exercida por militares, é vista por muitos moradores ainda, de forma inadequada o que gera o mal-estar, e talvez seja uma das explicações dos confrontos que são noticiados algumas vezes, como as brigas entre os moradores e a força de pacificação que resulta em agressão, morador ferido com arma de fogo não letal e denúncias de moradores sobre abuso de autoridade. Mostra-se então, preciso trabalhar soluções a partir destas queixas no sentido de alcançar melhorias. Durante a vivência pude perceber que o NASF ainda funciona de uma forma muito precária, mal estruturada não atendendo a necessidade da população de forma satisfatória. Em um contexto como o apresentado percebo que é preciso que haja parceria da força de pacificação com as unidades de saúde que têm implantadas a ESF no sentido de integrar as ações e promover saúde, entendendo a garantia do direito a saúde como uma ação de pacificação. SISREG O Sistema de Regulação hoje é regulamentado pelo Manual do regulador/ Autorizador SISREG III que foi implantado em setembro de 2008. É este dispositivo que regula as vagas dos serviços primários, secundário e terciários. É também responsável pela autorização, negação e devolução de procedimentos na Central de Regulação. (BRASIL, 2008). Meu conhecimento a respeito do SISREG vindo através de minha experiência profissional era restrito, foi muito produtivo ver como o SISREG funciona e a opinião dos gestores sobre o sistema. A meu ver o que mais impede o sistema funcionar é a ausência da classificação de risco dos pacientes. Não é coerente colocar na mesma fila de espera um paciente cardiopata com muitos fatores de risco para o agravamento de sua patologia na mesma fila que um paciente que tem menos fatores de risco para sua patologia ou um paciente internado instável e um que faz acompanhamento ambulatorial que apresenta sua patologia do ponto de vista clínico estável. É considerado favorável a implantação da classificação de risco dos pacientes antes do primeiro atendimento, de acordo com esta lógica seria coerente que o sistema de referencia tivesse um mecanismo de classificação de risco, não classificar o risco é um erro muito grave que principalmente impede a plena eficácia do funcionamento do serviço. Outro fator que considero falho no sistema se deve ao fato de que não há a consideração da distância que será percorrida pelo paciente entre sua moradia até a unidade referenciada pelo SISREG. Considerando as características de desigualdade social encontradas em praticamente todo território nacional seria minimamente lógico considerar este fator, visto que por vezes o cidadão pode não ter condições de percorrer grandes distâncias. Como exemplo, cadastra-se um paciente que mora em outro município como, Jardim Catarina, referenciando-o a um hospital na Zona Sul da cidade. O que torna muito mais complicado o acesso de quem realmente precisa do atendimento específico. Vejo isso como um fator agravante para o hospital de referência de emergência do município que não vai conseguir atender a necessidade desta pessoa e assim agravar seu quadro de saúde e também contribui para superlotação que existe hoje nos hospitais do estado e município. Outro falha do sistema é que determinadas especificidades como oftalmologia e neurologia, a fila de espera fica em torno de meses o que mais uma vez quem é a maior prejudicada é a população. Através da vivência percebi que é necessário que haja uma reforma no funcionamento do SISREG porque atualmente o sistema funciona, porém não leva em consideração fatores essenciais que impedem o seu funcionamento de forma integralmente eficaz. Uma das conseqüências das falhas neste referenciamento se evidenciam na superlotação dos hospitais do estado e município, onde devido a própria superlotação pacientes não recebem a devida assistência, sendo submetidos por vezes a um atendimento precário, com conseqüente agravo de seu quadro clínico. OSS Em todos os setores visitados sempre foi levantada a questão das OSS. Como estudante, trabalhador e militante do SUS, tenho convicção de que a implantação das OSS representa mais um processo de privatização dos serviços de saúde. Neste contexto tinha interesse em entender o que as Organizações fazem para ofertar uma assistência a saúde de qualidade que o estado não consegue oferecer. Em uma de nossas primeiras reuniões conversamos com o administrador da A.P, que deixou bem claro sua opinião e o motivo das OSS estarem realizando o “BOOM” da rede de atenção básica. Foi dito que a solução para burocracia que foi chamado de burrocracia, que concordo, é que hoje no estado para compra de materiais e equipamentos para as unidades de saúde a CAP levava em torno de 4 anos ou mais, o que sem duvida nenhuma impedia o sucesso e o avança da atenção básica. As OSS trouxeram maior agilidade na realização de compras, o que demorava quatro anos, segundo ele, hoje, compra-se em 4 meses. Em outra reunião, a gestora de uma unidade de saúde tipo B, nos dizia que mais ou menos 20 anos atrás quando entrou na unidade havia um quadro de profissionais que contava com funcionários federais, municipais e cooperativas e diferença salarial no quadro profissional atrapalhava o funcionamento do serviço, tendia-se a delegar maior quantidade de trabalho aos profissionais com maior remuneração. Hoje acontece a mesma coisa só que os profissionais que ganham mais são os da OSS. Perguntei a ela que como já tinha vivido essa experiência como profissional da assistência e qual a opinião agora como gestora. Respondeu-me que como diretora não tem como a unidade funcionar como funciona hoje sem as OSS e como militante do SUS, as OSS representam um processo de privatização do SUS. Considero que as OSS trabalham em cima de falhas já identificadas ao longo do processo de construção do SUS e que impedem seu funcionamento pleno, desta forma estas entidades conseguem espaço vendendo uma ilusão que irão resolver o problema do Sistema de Saúde. Por que não resolvemos estes problemas dentro do SUS, o problema é a burocracia? Vamos então resolve-la! É necessário uma reformulação do Estado e para o SUS cumprir seus princípios? Acredito que temos pessoas capazes de cumprir esta tarefa. Outro assunto que foi bastante levantado é a rotatividade de profissionais, principalmente do quadro médico. Durante uma reunião de equipe de saúde da família uma médica nos disse que um dos principais motivos dessa rotatividade é a instabilidade do emprego que a OSS gera, este discurso me faz pensar no discurso que o prefeito e os sub-secretários vem dizendo, “- se faltar é pé na bunda!”. Tenho convicção que a solução da instabilidade profissional não é o método CLT, sou a favor de concurso público que é garantido legalmente para cargos de finalidade pública, além de garantir estabilidade, o regime estatutário parece garantir maior autonomia profissional. Um questionamento encontrado porém sem reposta clara foi a possibilidade das OSS receberem verba de empresas privadas para investir em seu gerenciamento. Ressalta-se que as OSS, segundo seu conceito não tem fins lucrativos, todo excedente deve ser reinvestido em seus custos de gestão. Durante uma visita a uma clinica da família foi visto um móvel com uma identificação que dizia “Patrimônio viva comunidade” e uma série de números que parecia ser de registro. A dúvida que nenhum gestor soube responder é, esse material pertence a quem ? Quando as OSS acabarem ele irá continuar na unidade ou será retirado? A estrutura da maioria das clinicas da família não é feita de tijolo e sim container, qual garantia que a população tem que quando esse contrato acabar, como toda relação política acaba, aquela unidade de saúde permanecerá lá? E o pior a se imaginar neste contexto: Os operários que retirarem a unidade de saúde, muito provavelmente, já usufruíram do serviço, acredito que o gestor, não. Minha dúvida colocada, surgiu quando o próprio gestor nos disse que a relação com as OSS não é fácil, favorecendo assim a instabilidade do serviço. Um questionamento sem resposta que desenvolvi durante a vivência se deu a partir da percepção de que os gestores que tive contato apontam a implantação das OSS como algo negativo ao desenvolvimento do Sistema Único de Saúde, por que então esses mesmo gestores e profissionais que defendem um SUS integralmente público, não se unem para debater e trabalhar os princípios, diretrizes, direitos, deveres e formas do bom funcionamento do Sistema? AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE Os agentes comunitários de saúde (ACS) são profissionais importantíssimos para a ESF. para ser um ACS é necessário morar no território de atuação da estratégia, ter ensino fundamental completo. O curso de formação possui 40 horas e atualmente existem 4.000 ACS. Acontece um projeto de capacitação para o ACS que possuem 2ºgrau completo e após essa capacitação é pago um aumento no seu salário valorizando sua escolaridade, o que concordo com a iniciativa. Durante o estágio percebi que a participação popular e o trabalho dos ACS são essenciais para o funcionamento da estratégia. Tive o prazer de conversar e realizar visitas domiciliares com eles e perceber o valor de seu trabalho. Uma das maiores queixas apresentadas por estes profissionais é o de assédio moral, sendo por vezes menosprezados e desvalorizados. Durante uma reunião um ACS se pronunciou pedindo que nós, estudantes, quando estivéssemos em uma unidade como profissionais, cultivássemos uma boa relação com os ACSs. Muito se fala que os ACS são os olhos e ouvidos do território, que conhecem onde estão os maiores problemas da população, que é o pilar mais importante da estratégia, pergunta-se então: Por que então não há o reconhecimento ? Será a desvalorização do saber popular e a supervalorização do saber acadêmico? Nunca teremos um serviço eficiente enquanto houver essa diferença! Teremos é mão de obra infeliz e tempo perdido. Em uma reunião que tivemos com uma Agente comunitária, tive uma aula de vida e de saúde que em 5 anos estudando, poucas vezes ouvi alguém dizer com tanta clareza e amor. Esta ACS passou a nós um sentimento de esperança que com mais de 30 anos lutando pela saúde e pelo complexo do alemão. As dificuldades e o tempo não enfraqueceram a luta desta forte mulher, contrariando o que já ouvi diversas vezes ao longo do meu processo de formação em que se apontava a minha motivação para mudanças devido ao fato de ser jovem. Essa mulher mostrou que esperança e vontade de trabalhar não tem a ver com tempo de serviço ou idade. Nos disse frases que jamais vou esquecer e que com certeza vão me ajudar a dar força na luta pelo SUS. São elas: “A formação e a vivência de trabalho é como um casamento, você precisa de um homem e uma mulher para ter filhos” e a outra é, “ Fechando o cerco com pessoas comprometidas”. Essas duas frases traduzem muito o que sentia e acredito mas não conseguia expressar de forma tão clara como a ACS conseguiu. CONCLUSÃO Acredito que para se começar a concretizar o desejo que a estratégia de saúde da família funcione de forma eficaz é necessário a participação dos profissionais de saúde, dos gestores e de outros setores como segurança pública, educação, a associação de grupos representativos e principalmente a participação popular que notei que não é tão valorizada como deveria ser. REFERÊNCIA: BRASIL. Ministério da Saúde. Manual do Operador Solicitante SISREG III (Solicitação e Agendamento de Consultas e Procedimentos). Brasília: Ministério da Saúde. 2008. Disponível em: <http: //portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/sisreg_solicitante.pdf>. Acesso em: 04 març. 2012.