Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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MÚSICA POTENCIALIZANDO O CUIDADO HUMANIZADO NO AMBIENTE HOSPITALAR
Roseane Vargas Rohr, Liliane Mageski Aquino, Renata Santos Souza, Eliane Fátima Almeida Lima, Glayce Crislayne Carlesso Moura

Resumo


O hospital recebeu fortes influências dos diferentes modelos de organização administrativa, partindo das teorias de Taylor e Ford, aos modelos surgidos na década de 80, que até hoje tentam superar os fortes traços de fragmentação mas ainda focados na produção e organização, deixando o trabalhador em segundo plano (MATOS; PIRES, 2006). Evidencia-se hoje um modo de organização com predomínio no trabalho parcelado e centrado em tarefas, focado nos especialismos e na realização de procedimentos com vistas à produtividade, com valorização das tecnologias em detrimento das relações, sendo que essas características influenciam diretamente o modo de produção do cuidado em saúde. Os profissionais de saúde devem dominar a tecnologia, necessários à prestação de cuidados no ambiente hospitalar, entretanto precisam compreender que essas tecnologias instrumentais devem ser complementares ao cuidado terapêutico, “promovendo o equilíbrio entre o cuidado-expressivo e o cuidado-tecnológico” (SILVA; FERREIRA, 2008). O processo relacional é fundamental para que o cuidado se estabeleça, sendo que o distanciamento entre profissional e cliente pode ser o ponto desencadeante de uma prática de cuidado desumanizada (BETTINELLI; WASKIEVICZ; ERDMANN, 2003). Esse quadro influencia diretamente a formação dos profissionais de saúde, que reproduzem a lógica que impera no ambiente que circulam durante sua formação. A humanização como política transversal do Ministério da Saúde, dentre outros princípios, busca a valorização da dimensão subjetiva e social nas práticas de atenção em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde propondo investimentos direcionados não apenas aos clientes, mas também aos trabalhadores da saúde (BRASIL, 2004). Humanizar o ambiente hospitalar numa perspectiva ética significa valorizar a dimensão humana e subjetiva do trabalhador possibilitando o desenvolvimento de sua sensibilidade para que reconheçam as singularidades dos clientes hospitalizados, e de forma compartilhada busquem estratégias facilitadoras da compreensão e superação do momento vivido (BACKES; LUNARDI; LUNARDI, 2006). A música vem sendo utilizada como intervenção no cuidado de enfermagem tendo como respaldo as taxonomias de CIPE® e NIC, bem como as evidências científicas que apontam seus benefícios no controle e redução da dor, ansiedade, frequência respiratória, estresse, melhoria no bem estar e quadros de depressão em pacientes hospitalizados (ROHR; ALVIM, 2011). O projeto “uma canção no cuidar” realizado em hospital privado de São Paulo (LEÃO; BUSSOTTI; AQUINO, 2011) e as estratégias de visitas e encontros musicais propostas por Bergold (2005; 2009) são experiências concretas de utilização da música como recurso no cuidado de enfermagem em ambiente hospitalar evidenciando seus benefícios no processo de humanização. O projeto de extensão “Saúde em Harmonia: a música no cuidado em saúde” iniciado em 2009 na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) busca aproximar arte e ciência na formação e cuidado em saúde. Adota a proposta de “visitas musicais” Bergold (2005), e o referencial de Paulo Freire (2005) estabelecendo uma relação dialógica e participativa no processo educativo com os estudantes envolvidos no projeto, bem como na relação com os clientes internados. Tem como objetivos sensibilizar estudantes de enfermagem para a incorporação do recurso musical em sua prática de cuidado; oferecer experiências musicais compartilhadas a clientes, estudantes e trabalhadores da saúde, fortalecendo as potencialidades de enfrentamento da doença e favorecendo a interação, o vínculo e a comunicação entre clientes, acompanhantes, estudantes e trabalhadores da saúde. É desenvolvido no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM) e conta com a participação de professores e estudantes de enfermagem além de músicos voluntários. As visitas musicais são realizadas tanto nos setores e alas de circulação com hospital, como também em enfermarias, sempre após agendamento prévio com a equipe e clientes. Nos setores, as atividades de audição e canção em grupo predominam, havendo participação de estudantes com habilidades musicais e músicos voluntários que apresentam um repertório musical, desde músicas eruditas a canções populares, levando letras de algumas canções previamente selecionadas, e também dando oportunidade aos presentes de escolherem outras músicas de sua preferência. Nas enfermarias, os estudantes realizam entrevista inicial, buscando conhecer os sujeitos e identificando diagnósticos de enfermagem que possam ser alvo das intervenções de enfermagem com música, além de identificar as preferenciais musicais dos clientes. No retorno, os estudantes levam canções e compartilham momentos musicais juntos. Também são realizados encontros mensais para leitura e discussão de textos que abordem a temática “música e saúde”, pautados na proposta de circulo de cultura de Freire (2010) valorizando o diálogo participativo e as experiências compartilhadas. A partir das experiências do projeto percebemos que as visitas musicais possibilitam momentos de conforto e calma aos participantes, proporcionando um ambiente mais aconchegante e promovendo uma melhor relação entre os profissionais e clientes. A partir dos discursos dos sujeitos internados, percebe-se que a música também possibilita momentos de alívio do sofrimento, mudando o foco dos pensamentos na doença para a contemplação da arte musical. As mudanças são percebidas por meio da comunicação não verbal, seja pela mudança na face e humor, ou mesmo nos relatos verbais dos sujeitos. Percebe-se a importância da dimensão espiritual no enfrentamento da doença, por meio dos discursos e escolha de canções que falem de fé e esperança. O afastamento da família é revelado como um aspecto que gera sofrimento, sendo amenizado quando são possibilitados espaços de escuta tendo a canção como uma forma de externalização de sentimentos. Observamos que a experiência de cantar em grupo favoreceu a mudança de humor, percebida pela comunicação não verbal, por meio de gestos, mudança na face e expressões de sentimentos, como também na comunicação verbal por meio dos relatos compartilhados, conforme relatos de literatura. Os resultados apontam também para a sensibilização dos acadêmicos que participam do projeto na incorporação do recurso musical em sua prática, revendo conceitos, posturas e vislumbrando novas possibilidades de intervenção no intuito de melhorar a qualidade do cuidado prestado. A partir de nossas experiências e com base nas evidências científicas sobre o poder da música na saúde humana, recomendamos aos profissionais de saúde que desejam utilizar a música no cuidado em saúde, que se apropriem das experiências e do conhecimento produzido nessa área, respeitando sempre o campo de atuação do musicoterapeuta.