Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE DA MULHER EM TERREIROS DE UMBANDA
Antonio Cheslem de Souza, Laio Santana Passos, Daiana Clara Bueno de Sousa Brandão, Tayná Maria Gonçalves Varão Silva, André Fonseca Nunes, Manoel Guedes de Almeida, José Ivo dos Santos Pedrosa

Resumo


CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA: As relações culturais permeiam as práticas em saúde. Prova disso, é que cada grupo social possui maneiras específicas de lidar com as enfermidades que lhes são próprias. No âmbito da sexualidade, essa ligação é ainda mais evidente. Por exemplo, ao se analisarem indicadores epidemiológicos de doenças sexualmente transmissíveis, a variação da prevalência das moléstias em função da religião professada pelos indivíduos é significativa. Outro exemplo é a variação da idade da primeira relação sexual em função das diferentes etnias. O Brasil é um país miscigenado, onde existe um sincretismo enorme entre os distintos segmentos. A atenção sobre a população negra, nesse sentido, é simbólica além de epidemiológica. Apesar da pluralidade própria deste país, a desigualdade velada sobre esse povo e sua cultura é marcante. Por isso, as Políticas Públicas não os atingem de modo eficaz, seja pelo menor acesso à educação em saúde, seja por não entenderem essas políticas como parte de suas verdades intersubjetivas. Ações educativas muitas vezes não são bem recebidas por se mostrarem distantes da realidade desses indivíduos. O modelo de formação tradicional do profissional de saúde, particularmente do médico, não o prepara para entender as singularidades da população negra. O objetivo deste trabalho trabalho foi encontrar uma alternativa eficiente que minimizasse o afastamento entre o referido segmento, especificamente de mulheres pertencentes a ele, e o serviço de saúde. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: Projeto de Extensão Universitária com abordagem etnográfica, realizado em 2011, por meio de rodas de conversas e grupos focais em terreiros afro-brasileiros de Teresina – PI, seguida do confronto entre realidade vivenciada e bibliografia consultada. O tema Saúde da Mulher assumira, nas rodas, aspectos singulares. A roda fora composta por 20 mulheres entre 10 e 60 anos e estudantes de medicina da UFPI. Posta a problemática da gravidez na adolescência e DSTs, evidenciou-se desconhecimento sobre os temas e suas conseqüências, bem como sobre as modificações fisiológicas e patológicas do corpo feminino, como menstruação, menopausa, câncer de mama e infecções genitais. Inicialmente, chamaram a atenção dos estudantes duas jovens de 12 e 14 anos que estavam gestantes. Ao serem questionadas sobre o conhecimento de métodos contraceptivos, as jovens relataram um contato eventual com os mesmos, mas evidenciou-se que desconheciam os riscos de uma relação sexual desprotegida. A conversa então assumiu um caráter educativo, procurando conscientizá-las de tais perigos e da importância do acompanhamento pré-natal. A discussão sobre menopausa também revelou resultados surpreendentes. Algumas mulheres jovens desconheciam completamente o processo e, mesmo dentre aquelas que já haviam passado por ele, observou-se que algumas não sabiam o seu significado. Elas levantaram questões do tipo: “Essa doença tem tratamento?”. Os acadêmicos então abordaram os pontos mais relevantes do tema, mostrando tratar-se de um ciclo natural na vida de toda mulher, mas que deveria ter seu desenvolvimento acompanhado pelo profissional da saúde. EFEITOS ALCANÇADOS: Constituiu-se uma troca de saberes populares e científicos, indispensável a uma subjetividade que reverbere em mudanças de hábitos e costumes necessários à redução de agravos ao grupo. Esse entendimento fora construído em conjunto com as práticas locais, articulando a cultura afro-descendente à Rede do SUS e saberes científicos à religiosidade. Assim, a essência da iniciativa em educação popular foi preservada: os entendimentos prévios sobre saúde dos quais o grupo local dispunha, adquiridos da vivência diária, não foram ignorados, mas, ao contrário, tomados como ponto de partida para os debates. Pôde-se, dessa forma, inserir o grupo como parte das Políticas Públicas e reduzir o estranhamento entre essas culturas divergentes. A comunidade tornou-se, então, aberta a novas informações e propostas, e incorporou noções em saúde à sua realidade coletiva. Em contrapartida, houve a construção no acadêmico de verdades ignoradas pela Universidade, agora legitimadas pela co-vivência. Percebeu-se, desse modo, que as iniciativas de educação popular podem se configurar como estratégia de reorientação para as políticas de saúde, na medida em que despendem bem menos recursos do que ações educativas convencionais e atingem, em muitas situações, resultados mais efetivos. Além disso, o tema desenvolvido nas discussões não poderia ser mais adequado a tal metodologia de trabalho. Apesar do mito dominante de que os brasileiros são muito desinibidos no que se refere à sexualidade, o que se verifica na prática é algo bem diferente. Tratar desse assunto envolve uma relação de confiança, a qual, dependendo da forma de abordagem, pode ser obtida com maior ou menor facilidade. Assim, a educação popular mais uma vez se mostra eficaz, uma vez que a relação de troca corrobora para a aquisição dessa confiança entre as partes. RECOMENDAÇÕES: A vivência do acadêmico com culturas distintas de modo a torná-lo ponte de saberes e culturas entre sociedade e universidade, ampliando a área de atuação das políticas nacionais de saúde a grupos sobre os quais elas têm pouco efeito, sobretudo o afro-descendente, são imperativas. Tal relação deve ultrapassar a condição de prática esporádica e ser incorporada como alternativa eficaz na formação. Para tanto, deve haver uma re-estruturação do ensino e das práticas de modo a entender outros saberes em saúde como legítimos e a permitir uma construção conjunta dessas políticas e práticas. O presente estudo também reforçou a importância que a educação popular assume no campo da saúde. Não devem, pois, serem medidos esforços para que essa metodologia seja cada vez mais usada em atividades dessa natureza. Constatou-se também que, apesar das evoluções conquistadas, a população negra ainda é especialmente segregada no acesso ao serviço de saúde. É preciso, pois, fazer valer a equidade e tratar esse segmento com a atenção que ele realmente merece. Somente assim, poderemos imaginar um modelo de saúde que seja, de fato, para todos.