Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Educação, saúde e participação: Projeto Intersossego, o desafio da interdisciplinaridade, intersetorialidade e mobilização comunitária na Vila Sossego, em Porto Alegre.
Alzira Maria Baptista Lewgoy

Resumo


O Grupo de Extensão e Pesquisa em Saúde Urbana da UFRGS propõe-se a ser um laboratório para o desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde e intervenção sobre seus determinantes sociais e ambientais. Entre as questões que o grupo gostaria de responder estão 1) se é possível atuar sobre estes determinantes no nível local e como; e 2) como trabalhar no território de forma integrada, interdisciplinar, intersetorial e com participação da população local. Para explorar estas questões, iniciou-se, em abril de 2011, um projeto de extensão comunitária denominado “Projeto Intersossego - Integralidade e Intersetorialidade: trabalho multiprofissional em uma microregião de Porto Alegre”. Foram etapas deste trabalho até o momento, a) a nucleação do grupo, com a participação de 7 docentes, 1 profissional e 6 acadêmicos da UFRGS e 3 profissionais da UBS HCPA/Santa Cecília, de diversas áreas: arquitetura, fonoaudiologia, serviço social, medicina, nutrição, psicologia, comunicação social e agentes comunitárias de saúde; b) o reconhecimento coletivo do espaço geográfico de inserção da equipe e de sua população; c) vinte visitas e seis reuniões na Vila Sossego; d) 6 reuniões na UBS e e) 32 reuniões do grupo da UFRGS para o o diagnóstico e planejamento interdisciplinar das atividades e estudo dos conceitos-chave sobre Saúde, Saúde Urbana, Comunidade, Extensão Universitária, Interdisciplinaridade, Plano Diretor, Área Especial de Interesse Social, Urbanismo e Habitação f) a edição e circulação de um jornal, o Saúde Sossego (três edições até o momento) com contribuição da UFRGS, UBS e da moradores da Vila, que tem servido como instrumento de comunicação e mobilização social.A participação social e a educação foram os eixos da atuação do grupo. Segundo Souza (2004) a dificuldade maior para enfrentar os problemas do dia a dia é a participação. Neste projeto, entendemos que haja pelo menos dois níveis de participação a serem trabalhados: o da comunidade, na identificação e acompanhamento da resolução de seus problemas, e o dos profissionais e futuros profissionais de saúde em sua relação com os objetivos dos programas de saúde e seu envolvimento com a comunidade, alvo de seu atendimento. Na Vila Sossego, a pouca participação parece refletir a baixa confiança dos moradores em sua capacidade de conquistar direitos já muitas vezes prometidos ao longo dos anos pelos órgãos públicos. Muitos simplesmente delegam, para pessoas que identificam como “mais capazes”, as lutas pelos seus interesses. Como salienta Souza (2004), a não participação pode ser também indicadora de participação, especialmente quando este é o único caminho para se contrapor ao que não se aceita. Na Vila Sossego, identifica-se esta “não participação” ou por parte de membros da comunidade que discordam de encaminhamentos da liderança, ou por parte da liderança ao tentar desmobilizar ações que não controla. Com relação aos profissionais, a não participação muitas vezes decorre da cultura dos profissionais da área da saúde, ainda habituados – assim como a academia - a trabalharem intramuros, ou da descrença ou desconfiança de iniciativas que possam ir além das prerrogativas do serviço no qual se inserem.O Projeto Intersossego desafia a lógica da oferta de serviços e parte de uma tentativa de diagnóstico e planejamento conjunto envolvendo a UFRGS, a UBS Santa Cecília e a comunidade Vila Sossego. A ideia é de que este diagnóstico comunitário e a lista dos problemas identificados dependa menos da disponibilidade de oferta pelos profissionais, e mais das necessidades sentidas pela população-alvo. Por exemplo, é mais fácil agendar pacientes para retirarem medicação de uso continuado no posto (oferta do serviço) do que tentar ajudar a comunidade a melhorar as condições de habitação (demanda da população). Mas, além do diagnóstico, tem-se que trabalhar em conjunto o proprio processo de participação. Souza (2004) sugere como estratégia de capacitação para a participação a constituição de grupos, inicialmente para o enfrentamento de interesse imediatos, mas que, à medida que resolvem pequenos desafios, aprendem para o enfrentamento de outros e vão, no processo, desvelando as relações causais implicadas no processo. No eixo da educação, entende-se este caminho como um processo em espiral, “onde as circunstâncias produzem um tipo de sociedade e de homem que, quando educado, pode alterar essas circunstâncias, criando um novo tipo de homem e de sociedade” (Pereira, 2006 p.318). Com relação aos objetivos 1) até o presente momento, as modificações em determinantes sociais da saúde foram pontuais – substituição de um muro com risco de queda, investimento público na pracinha local, melhoria na coleta do lixo, investimentos em áreas de circulação mais deterioradas. No entanto, a maior demanda da população - a “habitação digna” - que reconhecemos como o mais importante determinante de saúde para esta população hoje está, depois de 20 anos, ainda por ser conquistada; 2) com relação à formação de professores, profissionais e alunos, desenvolvemos maior capacidade de escuta entre o grupo e escuta da comunidade pelo grupo. Para os alunos, a experiência de inserção em um território possibilitou pensar sobre os problemas numa dimensão não apenas teórica, mas teórica a partir da prática. 3)A criação do jornal foi uma inovação reconhecida como importante pelo grupo e pela comunidade para a visibilidade do trabalho na Vila Sossego e na cidade de Porto Alegre. Esta experiência gerou indagações sobre como atuar. Um projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo CNPq no último edital de Ciências Sociais, o que representa respaldo acadêmico para o desenvolvimento deste projeto de extensão e pesquisa comunitária que deve prosseguir nos próximos anos.Como deixa claro Cardoso (2011), as estruturas sociais, históricamente construídas, impõe limites ao que seja possível atingir com um trabalho somente dentro da comunidade. Mas acreditamos que não estamos limitados a escolher entre os papeis do “observador objetivo e isento” ou do “denunciante romântico”. O jornal e outras tentativas do grupo de ampliarem a visibilidade e a discussão sobre a Vila Sossego com os gestores e outros setores da comunidade refletem nossa expectativa de trabalharmos por mudança real, não só na Vila, mas para populações em condições similares. Cardoso chama a atenção para o pensamento de Turner (1969) sobre frestas, momentos espontâneos e renovadores da estrutura de classes que podem resultar em transformações sociais. Podemos estar vivendo um destes momentos. As novas oportunidades econômicas que se apresentam hoje devem impulsionar um novo ciclo de democracia e desenvolvimento, com ampliação da equidade social (Calderon, 2009). Tanto na educação de graduandos como nas ações junto à comunidade, o trabalho do grupo espera ir além do projeto setorial de saúde pública ou da humanização dos serviços de saúde, em direção à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.SOUZA, Maria Luiza. Desenvolvimento de Comunidade e Participação. 8ª ed.São Paulo: Cortez, 2004.PEREIRA, Isabel Brasil.Possibilidades e avaliação de produzir conhecimento para a formação em saúde. In: Pinheiro,R; MATTOS, R.A (Org) Gestão em Redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, 2006.CARDOSO, Ruth. Os “simbolos” e o “drama” da antropologia política. Em: Caldeira, Teresa Pires do Rio (Org), Obra Reunida. Ed. Mameluco, São Paulo, SP, 2011. p.145-155.TURNER, Victor Witter. The ritual process: structure and anti-structure. Chicago: Aldine Publishing Company, 1969.CALDERON, Fernando. Inflexión histórica: la situación socioinstitucional en el cambio político de América Latina. Em: Fleury, Sonia e Lobato, Lenaura de Vasconcelos Costa (Eds): Democracia e Saúde, Coleção Pensar Saúde, CEBES 2009.