Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O trabalho e as relações sociais: momentos em que os pontos de uma rede se conectam e se afrouxam no cotidiano de uma população rural
Deise Lisboa Riquinho, Elida Azevedo Hennington

Resumo


As estratégias de enfrentamento no cotidiano de uma população rural mostram diferentes acionamentos de redes, seja uma conexão dos pontos, seja um afrouxamento. O contexto estudado denota um tecido social diverso em sua formação étnica, sendo formado por imigrantes alemães, pomeranos, italianos, franceses, indígenas e afrodescendentes que compartilhavam do mesmo território e também da mesma cultura, o plantio de árvores frutíferas. A palavra cultura está sendo empregada no sentido usado por esta população: como um conjunto de saberes e técnicas incorporadas para o plantio de determinadas espécies; estes saberes são transmitidos de geração a geração, por meio, da observação, da fala e repetição das técnicas, sendo também inovadas ou re(normatizadas) á medida em que novas tentativas (erro e acerto) são introduzidas ou mesmo testadas. Para Willians (1983) o significado primário da palavra cultura era designado ao cuidado com o crecimento natural, como por exemplo, “a cultura de beterraba”. Posteriormente, no século XIX ela passou a significar, em primeiro lugar, “um estado geral ou hábito da mente”, mantendo estreita relação com a idéia de perfeição humana; e em segundo lugar, veio a significar “o estado intelectual geral de desenvolvimento, em uma sociedade como um todo” (WILLIANS, 1960: 20). Para o autor, o desenvolvimento da palavra cultura com cada um dos seus significados originais e as relações entre eles, não é acidental, mas profundamente significativo, é um registro de uma série de importantes fatos e reações contínuas das mudanças no contexto social, na vida econômica e política, podendo ser visto, como um tipo especial de mapa, por meio do qual, a natureza das mudanças podem ser exploradas. A cultura significava um estado ou hábito da mente, ou um corpo de atividades intelectuais e morais, atualmente também significa um modo de vida. A análise das redes de apoio social permite a reconstrução dos processos interativos entre indivíduos e grupos, a partir das conexões interpessoais construídas no cotidiano (FONTES, 2004). As trocas estabelecidas na rede social vão desde a ajuda material a prestação de serviços, ao aconselhamento e companhia nas atividades de lazer. As redes sociais permitem acesso a recursos não oferecidos pelo Estado ou pelo mercado, utilizando-se de um princípio de dádiva e de reciprocidade (PORTUGAL, 2006). O estudo tem por objetivo discutir as formas de acionamento e afrouxamento das redes sociais a partir do processo de trabalho no cotidiano de uma população rural. Trata-se de um estudo qualitativo de cunho etnográfico, baseado na antropologia interpretativa de Geertz. Para este autor a descrição etnográfica é interpretativa e, o que ela interpreta é o fluxo do discurso social, fixando o “dito” em formas pesquisáveis, da mesma forma em que sua descrição é microscópica (GEERTZ, 2008). O lócus de pesquisa foi uma localidade rural de município no sul do estado do Rio Grande do Sul. Os sujeitos da pesquisa foram agricultores produtores e não-produtores de tabaco e informantes-chave da região (representantes do Estado, sociedade e mercado), totalizando 60 entrevistados. As técnicas de produção de dados utilizadas foram entrevista semi-estruturada e observação participante junto às famílias de agricultores. A produção dos dados ocorreu no período de 9 meses, totalizando 90 dias de trabalho de campo na comunidade, de dezembro a agosto de 2011. A análise do material deu-se por categorização temática (MINAYO, 2007). Os resultados demonstram que o acionamento das redes se dão em situações de festas, a maioria de caráter religioso ou em prol de alguma família em dificuldades financeiras: Historicamente os que vieram da Alemanha, da Itália, de outros países vieram para cá, tinham o desejo de possuir alguma coisa, uma terra para trabalhar, quando vieram para cá se agarram de mão à terra, de tal forma que ficaram individualistas. Mas por outro lado nas festas eles se unem bem, doam uma semana de trabalho para preparar as comidas, ficam em função das atividades comunitárias. Ah isso eles fazem, eles fazem prá doentes também (Informante da sociedade - representante religioso). A Igreja desempenha um papel de regulação social, cuja interação reafirma a responsabilidades e papéis, neutralizando os comportamentos desviantes (SLUZKI, 2006). Na ação social, certamente inclui-se o cálculo e interesse, material e imaterial, além disso, encontra-se também obrigação, espontaneidade, amizade e solidariedade, em resumo, o dom (CAILLÉ, 2002). Há dez anos muitas famílias migraram da cultura do pêssego para o plantio de fumo, o que disparou mudanças nas relações sociais. O afrouxamento de tais redes vem como conseqüência do apreender esta “nova” cultura, mais intensiva no trabalho e com um período mais longo de labor.O cara era bem mais pobre, passava mais dificuldade, mas o cara tinha muito mais liberdade. Hoje o cara tá um pouquinho melhor de vida, mas a liberdade completamente terminou porque chega agora na safra quando o cara sai é domingo de tarde um pouquinho (Casal de agricultores de tabaco). Desta forma, a vida em coletivo ficou mais restrita, as festividades acontecem em épocas de menor trabalho. Acompanhando as mudanças na paisagem local, ao trocar a “cultura” do pêssego pela do fumo, houve alterações também no tecido social e do modo de vida das famílias e, consequentemente, nos laços estabelecidos nas redes sociais, cada vez mais centradas numa individualização do processo de trabalho e isolamento das pessoas e pequenos grupos. Essa nova configuração fornece pistas para o entendimento dos modos de vida de uma sociedade campesina para uma capitalista do tipo sistema integrado de cultivo do fumo. A organização das relações de trabalho, no sistema capitalista, especialmente no capitalismo industrial, desenvolve-se na busca de uma homogeneização das relações de produção, ultrapassando os limites nacionais e regionais da cultura dos trabalhadores. É essencial, para o próprio capitalismo, que estes adquiram uma consciência de si cada vez mais distanciada das representações coletivas e de suas culturas (OFFE, 2001; SEGABINAZZI, 2007). Para Antunes (2003) da mesma forma que o capital se transnacionalizou, os limites no interior do mundo do trabalho sofreram um complexo processo de ampliação engendrando a conformação de uma classe-que-vive-do-trabalho, precarizada e fragmentada. REFERÊNCIASANTUNES, R. O caráter polissêmico e multifacetado do mundo do trabalho. Rev.Educação, Saúde e Trabalho. Rio de Janeiro v. 1, n. 2, p. 53-61, 2003. CAILLÉ, A. Antropologia do dom: o terceiro paradigma. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. FONTES, B. Sobre trajetória de sociabilidade: a idéia de rede se saúde comunitária. In: MARTINS, P. H.; FONTES, B. (Orgs.). Redes sociais e saúde: novas possibilidades teóricas. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2004. p. 121-142. GEERTZ, C. A Interpretação das culturas. 1. ed., reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008. MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2007. 406 p. OFFE, C. A atual transição histórica e algumas opções básicas para as instituições dasociedade. 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