Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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FORMAÇÃO DOS TRABALHADORES: A HISTÓRIA DO NEGRO NA ENFERMAGEM - LEMBRANÇAS E ESQUECIMENTOS
Gabriela Velozo Gomes dos Santos, Raphael Monteiro de Oliveira, Jose Luiz Cordeiro Antunes, Igor Costa Martins, Luana Asturiano da Silva

Resumo


Introdução Quando se fala em cuidado, é comum relacioná-lo a profissionais da saúde e, conseqüentemente, à saúde e à doença, porém, o cuidado em seu sentido mais amplo, permite analisar as relações interpessoais de forma completa/complexa. Esse cuidado, em termos gerais, foi sendo construído ao longo da história de acordo com a necessidade e peculiaridade de cada época.A organização do cuidar em enfermagem na sociedade brasileira compreende desde o período pré-colonial até o final do século XIX quando a organização da Enfermagem passa-se a institucionalizar-se no contexto da sociedade brasileira em formação, ou seja, do Brasil República. O processo de desenvolvimento do cuidado originalmente se deu com os nativos indígenas. Antes da colonização, os índios já exerciam a prática de cuidar através dos sacerdotes. Mais adiante teve a presença marcante do africano.O estudo que aqui é apresentado, seus resultados e conclusões parciais representa parte das investigações que desenvolve o GETEPES – Grupo de Estudos sobre Trabalho, Educação e Práticas Educativas em Saúde, junto ao Curso de Graduação de Enfermagem (Bacharelado e Licenciatura da UFF).Neste sentido, este trabalho tem como objetivo realizar uma discussão bibliográfica sobre a história do negro na profissão de enfermagem, resgatando a memória do negro no Brasil, na medida em que entendemos sua participação na formação social e política do país em diferentes áreas do conhecimento humano. Desta forma, faz-se necessário pensar a respeito da reconstrução da história oficial, suas contradições e quem sabe auxiliar no processo da construção de outra história, na qual demonstre quem são todos os protagonistas.MetodologiaPara dar conta da questão principal proposta: a presença do negro na enfermagem brasileira, recuperando uma certa memória, segundo o eixo temático proposto “História da Enfermagem”; metodologicamente e concomitantemente, seguimos dois caminhos.O primeiro deles foi a necessidade de se construir um quadro de referência que explicitasse como entendemos o real, neste caso: a constituição do cuidar humano, o surgimento da enfermagem enquanto ofício, inicialmente relacionado a um saber prático e posteriormente, como profissão, relacionado a sua institucionalização ou constituição do campo e formação profissional específica, interpretando os condicionantes ou determinantes históricos e as práticas constituídas pelos saberes e pensares dos sujeitos. Neste sentido, utilizamo-nos do materialismo histórico e dialético para a análise do fenômeno estudado. O segundo deles realizou-se por um levantamento bibliográfico, tratando-se assim de um estudo bibliográfico de caráter exploratório, em pesquisas e artigos, como fontes secundárias. Foram consultados artigos publicados na Biblioteca Virtual em Saúde, Scielo e Lilacs e busca por livros da historia do negro na saúde. Foram utilizados como palavras-chave na busca eletrônica: “historia da enfermagem”, “historia do negro na enfermagem” e “seacole”. Resultados A profissão de enfermagem surgiu do desenvolvimento e evolução das práticas de saúde no decorrer dos períodos históricos. As práticas de saúde instintivas foram às primeiras formas de prestação de assistência. Num primeiro estágio da civilização, estas ações garantiam ao homem a manutenção da sua sobrevivência, estando na sua origem, associadas aos trabalhos femininos, caracterizados pela prática do cuidar nos grupos nômades primitivos, tendo como pano-de-fundo as concepções evolucionistas e teológicas, mas, como o domínio dos meios de cura passaram a significar poder, o homem, aliando este conhecimento ao misticismo, fortaleceu tal poder e apoderou-se dele (TURKIEWICZ, 1995) .O Brasil foi o maior país de escravos das Américas ou, o mais economicamente dependente do trabalho escravo durante mais de três séculos (MAURO, 1991). O que em outras palavras significa que durante mais de três séculos todo trabalho no Brasil colonial foi fundamentalmente realizado por escravos, inclusive o cuidado das pessoas doentes. Os escravos e escravas, treinados para cuidar dos doentes ainda que não recebessem a denominação de enfermeiro, suas atividades nitidamente tinham relação com o que se convenciona ser enfermagem, a saber: cuidados terapêuticos para a pessoa doente e implementação de prescrições médicas (CRUZ, 1994)Outro fator importante é que na origem da formação profissional propriamente dita, nos cursos de formação de enfermagem, seja em nível técnico ou superior, dever-se-ia evitar a presença negra nos quadros discentes, resultado de um processo de seleção rigidamente instituído por brancos e pelo campo da medicina.Além disso, nosso levantamento bibliográfico confirma o resultado obtido por Cruz e Sobral (1995), quando cita Florence Nightingale como a fundadora da enfermagem moderna, porém estes mesmos estudos não fazem referência à negra jamaicana Mary Jane Gran Seacole que a acompanhou, como enfermeira, durante a guerra da Criméia. Mary Seacole nasceu em Kingston na Jamaica e quando pequena acompanhou sua mãe que ajudava feridos e doentes. Seacole relata em seu livro que este foi o motivo pelo qual ela começou cedo a adquirir suas habilidades de Enfermagem (nursing skills) e a cuidar de pessoas (SEACOLE, 2007). ConclusãoComo conclusões parciais percebeu-se que no período colonial os escravos eram treinados para cuidar dos doentes. Muitos traziam um saber prático de seu grupo étnico. Este saber prático, tanto por parte dos negros ou por outras pessoas que viviam à margem da sociedade, não era valorizado.Os resultados obtidos na historia de Seacole nos revela que as experiências de cuidar desta jamaicana iniciaram bem antes da guerra da Criméia, entretanto pouco é abordado sobre o período anterior a este processo. Diante disso, nos surgi a pergunta: teria Seacole iniciado a sua pratica de cuidar antes de Florence? O foco principal deste trabalho não se norteia por esta pergunta, entretanto percebemos a necessidade de desfragmentar conhecimentos existentes em pesquisas futuras.Com isso também, em nossas conclusões parciais podemos dizer que a história da Enfermagem e do cuidar se constrói de forma a privilegiar algumas informações e menosprezar outras, o que nos leva a concordar com Le Goff (1990) e Nora (1995) quando asseguram que a memória é feita de lembranças e esquecimentos e, é também aquilo que pode dar textura e consistência ao coletivo. Por isto a necessidade de se concretizar uma outra tessitura sobre a presença dos negros na história da enfermagem brasileira e quiçá mundial. Referências CRUZ, ICF da e SOBRAL, VRS. Nem Ladies, nem Nurses: Sinhazinhas e Mucamas - Por uma re-visão da história da enfermagem brasileira e do Sistema de Saúde. VIII SENPE; São Paulo – Ribeirão Preto, 1995. CRUZ, ICF da. O negro brasileiro e a saúde: ontem, hoje e amanhã. Rev. Esc. Enfermagem USP; v. 27, n.3, p.317-27, dez. 1994. LE GOFF, J. A História Nova. São Paulo: ed. Martins Fontes, 1990. MAURO, FA. Vida Cotidiana: O Brasil no Tempo de Dom Pedro II. São Paulo: ed. Cia das Letras; 1991. NORA, P. Les lieux de mémoire - la nation. Paris: Gallimard, 1986. In : Cruz, ICF da e Sobral, VRS. Nem Ladies, nem Nurses: Sinhazinhas e Mucamas - Por uma re-visão da história da enfermagem brasileira e do Sistema de Saúde. VIII SENPE: São Paulo – Ribeirão Preto, 1995. SEACOLE, MJG. Wonderful Adventures of Mrs Seacole in Many Lands. Ed. Dodo press; 1857. Biografia escrita por Mary Jane Seacole (1857) e redigida em 2007 por Russel, WH. TURKIEWICZ, M. História da Enfermagem. Paraná: ed. ETECLA, 1995.