Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Formação em comum de profissionais de saúde: investigação do eixo curricular Trabalho em Saúde – UNIFESP - Campus Baixada Santista
Sra Aparecida Capozzolo, Sidnei Jose Casetto, Virgínia Junqueira, Flavia Liberman, Viviane Maximinino, Rosilda Mendes, Mauricio Lourencao, Maria Fernanda Frutuoso, Alexandre Henz, Fernando Kinker

Resumo


As inadequações da formação de profissionais de saúde para responder aos problemas de saúde da população levaram a uma série de movimentos de reformas no ensino. No Brasil, com o movimento de Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde, desencadearam-se uma série de iniciativas para mudanças no ensino. As novas diretrizes curriculares nacionais aprovadas para os cursos de graduação destacam que a formação deve contemplar o sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral. Nesse contexto se insere o desenho curricular dos cursos do Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo. Este campus iniciou em 2006 a implantação de cursos de graduação em Educação Física, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia e Terapia Ocupacional. Sua proposta político-pedagógica almeja a formação de profissionais comprometidos com atuações consistentes, críticas e potencialmente transformadoras da realidade social, com maior capacidade para atender às necessidades de saúde da população e mais preparados para oferecer uma atenção integral e de boa qualidade. A organização das atividades de ensino prioriza a educação interprofissional, as discussões e as vivências conjuntas das diferentes profissões envolvidas no cuidado em saúde, a formação para o trabalho em equipe e para a integralidade da atenção. Este trabalho apresenta a investigação realizada sobre a experiência de formação de profissionais de saúde proposta pelo Eixo Trabalho em Saúde, um dos eixos comuns aos diversos cursos de graduação do campus. Esse Eixo percorre os três primeiros anos de graduação e realiza atividades de ensino que possibilitam o contato com diferentes grupos populacionais e seus problemas de saúde, com movimentos sociais, bem como com as equipes e diferentes serviços em que ocorrem ações de cuidado à saúde. Aposta na produção de um conhecimento a partir de experiências que possibilitam um exercício crítico das diversas dimensões envolvidas no trabalho em saúde. Os estudantes são expostos, de diferentes formas, ao desafio de realizarem intervenções de cuidado em conjunto. As estratégias pedagógicas envolvem 33 docentes de diferentes áreas profissionais, equipes da rede de serviços na orientação de cerca de 700 estudantes/semestre. A pesquisa, financiada pelo CNPq ocorreu entre os anos de 2009 e 2011. Teve como objetivo sistematizar, analisar e aprimorar a proposta de formação profissional desenvolvida, estabelecer estratégias para o acompanhamento, avaliação e sustentabilidade desta experiência e a criação de um núcleo local de pesquisas e produção tecnológica no campo do trabalho em saúde e formação. O estudo, estruturado em duas fases, foi conduzido por um grupo de quinze pesquisadores. Contou-se com o apoio de consultores externos durante toda investigação uma vez que os pesquisadores estavam diretamente implicados com o objeto de investigação. Na primeira fase, foi realizada pesquisa documental, grupos focais com estudantes (por curso), docentes (das diversas áreas profissionais) e agentes comunitários de saúde, assim como entrevistas semi-dirigidas com coordenadores de curso e de eixos comuns; diretor acadêmico; e com gerentes e enfermeiros de serviços de saúde que participam das atividades do Eixo. A pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética da universidade. Todas as entrevistas e grupos focais foram gravados e posteriormente transcritos. Cada material foi analisado separadamente por, pelo menos, três pesquisadores com ajuda de uma matriz analítica, em que se identificavam os temas, as posições assumidas pelos participantes, e os trechos representativos destas posições. Em seguida elaborou-se um único quadro de cada material, em que foi discutido pelo conjunto dos pesquisadores. A partir daí chegou-se à identificação de grandes núcleos temáticos comuns, por meio dos quais se elaborou um texto de cada segmento de participantes (estudantes, docentes, coordenadores, equipe dos serviços) e, em seguida, de quatro grandes temas, reunindo as análises dos diversos segmentos: a formação baseada na experiência, o comum e o específico na formação interprofissional, o trabalho docente, e as relações universidade – serviços. A segunda fase consistiu em qualificar as análises e discutir resultados preliminares com os sujeitos da pesquisa bem como com interlocutores externos. Foram realizados seminários com convidados de outras instituições que receberam previamente as sínteses de resultados parciais da pesquisa. A última etapa da análise consistiu em realizar o cruzamento do conjunto dos materiais já sistematizado na primeira fase da investigação e do material produzido nos seminários, resultando na elaboração de uma síntese interpretativa final em quatro blocos. O primeiro bloco recebeu o nome de “Experiência, produção de conhecimento e formação em saúde”. Nele desenvolveu-se a compreensão do aprendizado por meio da experiência, procurando-se estabelecer as condições em que as vivências de campo conseguem transformar-se em experiência e em aprendizado teórico/técnico e clínico. Entre elas destaca-se a implicação dos participantes (docentes e estudantes), ou seja, sua capacidade de deixarem-se afetar e transformar-se pelos acontecimentos em questão. O segundo foi denominado “Trabalho (em) comum: pensamento acerca da formação”, em que são discutidas as noções de “comum” e “específico”, e o eventual tensionamento entre elas na formação. Percebeu-se que, nas práticas do Eixo, os diversos saberes profissionais não têm lugar sempre central, uma vez que são valorizados também os saberes engendrados em comum e as invenções coletivas produzidas nas aulas, em campo e nas supervisões. As análises mostraram que os encontros produziam pensamentos constituídos nos interstícios, para além das fronteiras, entreprofissões. O terceiro tema, “O trabalho docente na formação em saúde”, procura discutir o papel central do docente nesta proposta de formação. Conclui que tal modelo, se surge no bojo de um conjunto de medidas de âmbito nacional visando a mudança na formação, ainda tem que manter-se em meio a diversas condições institucionais e pensamentos que o contradizem. O professor seria o personagem em quem tais contradições mais se expressariam, como, por exemplo, frente às exigências contemporâneas de produção, que desestimulam o investimento no ensino da graduação, o trabalho coletivo e o conhecimento não especializado. O quarto tema, “Os (des)compassos entre a universidade e os serviços de saúde”, apresenta as conclusões sobre como ocorreram, nos primeiros anos da experiência, as relações entre estas duas grandes instituições. Perceberam-se diversos descompassos, tais como a descontinuidade dos acompanhamentos, e a dificuldade de trabalhar com a noção de integralidade do cuidado, que poderia criar uma descrença no estudante da possibilidade de efetivá-la com os recursos que efetivamente percebe existirem na rede. Foram identificados efeitos significativos na formação dos estudantes quanto à constituição de um modo de pensar e agir que considera a complexidade das questões envolvidas no cuidado em saúde. Percebemos que poderia ser considerada característica desta proposta o exercício da singularização do cuidado e do seu aprendizado em situações concretas e complexas, que favorecem a inventividade da experiência pelo trabalho em equipe e com os usuários do sistema de saúde. Por fim, valeria citar que esta investigação mostrou-se também como uma forma de qualificação e sustentação da proposta do Eixo TS, tendo permitido um refinamento conceitual da proposta e desencadeando movimentos de ajustes nas estratégias do Eixo. Esta pesquisa resultou também na criação do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre formação e trabalho em Saúde – LEPETS.