Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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OBSERVANDO A UTILIZAÇÃO DAS PRÁTICAS TERAPÊUTICAS NO PROCESSO DE CUIDAR EM SAÚDE MENTAL A PARTIR DA DISCUSSÃO DO GRUPO DE GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO (GAM)
Andrea Acioly Maia Firmo, Maria Salete Bessa Jorge, Rosana Teresa Onocko Campos, Mardênia Gomes Ferreira Vasconcelos, Antônio Germane Alves Pinto

Resumo


As abordagens terapêuticas em saúde vão inovando seu conjunto de técnicas, dispositivos e medicamentos ao longo de sua história. A evolução da clínica em saúde adquire cada vez mais elementos de uma complexidade tecnológica que para se compreender tais processos faz-se necessária uma boa habilidade intelectual para aproximar de tais informações. Essas inovações contribuem para adição de variados saberes e práticas no modo de cuidar em saúde a partir de cada núcleo profissional. Na medida em que tais saberes se articulam para um fazer único, torna-se permeável a espaços interdisciplinares onde o objetivo comum da equipe é a resolução dos problemas do usuário. Entretanto, a farmacoterapia ainda evidencia-se como possibilidade ampliada em oferta e sobreposição dentre as demais práticas terapêuticas. Além disso, a subordinação ao ato terapêutico no cotidiano de saúde é determinado também por uma ausência de entendimento sobre o próprio processo de cuidar no qual o usuário está inserido. A dificuldade em entender remete para a efetivação de relações desproporcionadas pela necessidade e confiança premente daquele instituído socialmente como detentor do saber da cura. Por isso, a pesquisa traz em seu bojo a pretensão participativa enfocando o usuário como protagonista do processo analítico a partir de suas vivências e percepções sobre o modo de vida cotidiano. Assim, a mudança do foco para o pólo-usuário, reconhece de imediato uma subjetividade passível de múltiplas possibilidades no seu dia-a-dia, formulando itinerários que se associam ao que está ofertado como solução para seus problemas na rede pública, ou seja, no terrirtório vivo em que todas as pessoas estão situadas, são postuladas conexões com dispositivos, sujeitos e atitudes que ampliam as possibilidades de resolução dos agravos, dificuldades e adoecimentos na vida. Tendo em vista o compromisso ético-político inserido nas práticas terapêuticas do SUS observa-se a ênfase na garantia cidadã da atenção em saúde e a produção de autonomia nos sujeitos. A integralidade do cuidado em suas diversas linhas apresentadas na rede assistencial deve ser um objetivo comum de todos os sujeitos, serviços e modelos de funcionamento. Portanto, utilizou-se a experiência enativa como estratégia que foca a produção da experiência subjetiva, sua emergência. Neste caso, o setting do grupo de Gestão Autônoma da Medicação é considerado a partir dos efeitos ético-políticos da experiência da gestão compartilhada da medicação e busca promover espaços de autonomia e cidadania. Estas dimensões analíticas dispostas na aplicação do GAM pautam-se no entendimento de autonomia como um vir-a-ser, merece ser resgatada como uma condição de saúde e de cidadania, da própria vida, um valor fundamental, portanto, mas que não é nem pode ser absoluta. É relativa e relacional, como dito acima, e deve ser construída em um processo de produção contínua em uma rede de dependências que é bastante maleável e que necessariamente se vê reduzida no adoecimento. Sobre a cidadania o entendimento perpassa pela consolidação do SUS na garantia de forma que materializem social e politicamente uma ação cuidadora integral, tida como direito de cidadania. Este estudo faz parte de uma pesquisa multicêntrica e mais ampla desenvolvida no Brasil pelo grupo de pesquisa na Universidade de Campinas (UNICAMP) e Associação de familiares e amigos da saúde mental de Campinas (Aflore) pelo Projeto ARUC (Associação Internacional de Pesquisa Universidade-Comunidade em parceria Brasil-Canadá) reunindo quatro universidades brasileiras (Unicamp, UFF, UFRJ e UFRGS). O cenário do Estado do Ceará foi incluído na referida pesquisa como campo para validação do Guia Gam. Este recorte objetiva analisar as experiências dos usuários do CAPS no processo grupal voltado para Gestão Autônoma da Medicação (GAM) com ênfase no tratamento farmacológico, intersubjetividades e resolubilidade assistencial na atenção em saúde mental do SUS com o intuito de observar se a produção do cuidado possui foco na integralidade da atenção ou se há insistência mais convergente em responder a uma resolução imediata e principalmente conduzida sob forma farmacoterápica. Utilizou-se uma metodologia específica de validação do Guia GAM, dado o seu caráter participativo e com foco na experiência de usuários e trabalhadores dos CAPS. Com abordagem qualitativa, foi realizado no município de Maracanaú-CE, região metropolitana de Fortaleza, capital do Estado do Ceará. As informações foram coletadas nos grupos GAM que aconteciam semanalmente no Centro de Atenção Psicossocial com referência para Álcool e outras drogas (CAPS Ad) e contou com a participação de 13 usuários e oito profissionais de saúde que atuam nos centros de atenção psicossocial (CAPS Ad e CAPS Geral), entre eles médico, psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional e assistente social, além de três pesquisadores da universidade. Desse modo, metodologia específica de validação do Guia GAM-BR pautou-se no uso de três procedimentos metodológicos: Grupo GAM (GG), Grupo Narrativo (GN) e Grupo focal (GF) e entrevistas de aprofundamento. O GG é compreendido como o grupo de intervenção, em que existem três facilitadores: o manejador, responsável estava à frente de facilitar o processo grupal e registro da memória de cada sessão do grupo GAM; o anotador, responsável pelo registro de comportamentos e dinâmicas do grupo e o observador, responsável pela observação dirigida a categorias de comportamentos e/ou dinâmicas grupais que nos interessam observar, ou seja, as nuances do processo grupal que iam além das palavras. Este grupo GG foi realizado semanalmente no período de março à setembro de 2011, totalizando 21 encontros. Os grupos narrativos foram realizados em três momentos distintos, que foram a cada sete encontros, em que foi construído uma narrativa baseada nas informações obtidas a partir da função de coleta de dados dos três facilitadores. Os grupos focais e as entrevistas serviram para avaliar a ampliação dos efeitos da experiência do sujeito e aprofundamento de alguns temas. Os resultados revelam que o cuidado em saúde poderá ser ampliado através da incursão de dispositivos voltados para aproximação subjetiva entre trabalhadores de saúde, usuários e familiares; bem como estratégias que se fundamentam na liberdade de expressão dos sentimentos e sintomas dos usuários, posto que remetem os pacientes à condição de usuários do SUS e, com isso, cidadãos que emanam direitos e deveres para com o processo de construção de sua atenção. Portanto, vemos que a conduta terapêutica advinda das necessidades do usuário implementam um processo de aprendizagem que contribui diretamente para a melhoria da qualidade da atenção em saúde e a consequente integralidade e desmedicalização nas abordagens terapêuticas.