Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


Tamanho da fonte: 
OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE À MATERNIDADE HIV+ E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO CUIDADO
Gilney Costa, Juliana Sampaio, Marcelo Silva de Souza Ribeiro

Resumo


OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE À MATERNIDADE HIV+ E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO CUIDADO[1] COSTA, Gilney.[2] SAMPAIO, Juliana.[3] RIBEIRO, Marcelo Silva de Souza.[4] INTRODUÇÃO: Qualquer construção que se faça em torno das experiências das pessoas com HIV/AIDS há que se considerar que este é um fenômeno, sobretudo, social, ou seja, em torno dele se forjam discursos, práticas e políticas, nem sempre consensuados. No caso das mulheres com HIV/AIDS, tais produções se atrelam, ainda, às construções sociais sobre o feminino, que centradas na maternidade, interferem na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. OBJETIVOS E METODOS: Esse trabalho discute as implicações dos sentidos da maternidade HIV+ produzidos por profissionais de saúde na construção do cuidado junto às mulheres com HIV, mais especificamente na promoção de sua saúde sexual e reprodutiva. Trata-se de um estudo exploratório, de abordagem qualitativa (Minayo, 2010), que teve como marco teórico-metodológico as práticas discursivas (Spink, 2004; Spink e Medrado, 2004) e as teorias de gênero (Scott, 1995), buscando compreender como se articulam os aspectos simbólicos e materiais, no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres com HIV. Os resultados produzidos em 30 horas de observação do cotidiano de dois serviços de referência em IST/HIV/AIDS de Petrolina-PE e Juazeiro-BA e em 8 entrevistas semi-estruturadas com profissionais de nível superior (2 enfermeiras, 2 farmacêuticas, 1 psicóloga, 1 médico infectologista, 1 medico pediátrico e 1 assistente social) foram tratados a partir da análise de conteúdo temática (Bardin, 2004). RESULTADOS: Os resultados indicam que os discursos dos profissionais legitimam o binômio mulher-mãe (Moura e Araújo, 2004), que, no contexto HIV+, se amplia na tríade mulher-mãe-boa paciente (Barbosa, 2001; Adam e Herlizch, 2001), ratificando que uma boa mãe deve seguir fielmente o protocolo biomédico, para assegurar, não somente sua saúde, mas, sobretudo, a de sua prole, conformando as perspectivas históricas da (re)produção social: procriar “filhos sadios”. Assim, o papel social da mulher, como observado nos discursos dos profissionais, fica refinado pelo valor de responsabilidade da maternidade, cabendo a ela o desempenho de “boa mãe” centrada na abnegação feminina. (…) Tem horas que a gente fica assustada não por elas serem mães. Elas têm todo direito. Elas são pra ter o bebê delas, que já faz parte da natureza da mulher ser mãe. Mas nessa questão, tem que ter responsabilidade pra evitar que um inocente ter uma doença dessas, que não tem nada haver com a irresponsabilidade dos pais. (Profissional 6). Esses julgamentos perpassam a conduta de paciente-mãe, na medida em que sua dificuldade em aderir ao tratamento, não são devidamente problematizadas, sendo por vezes compreendida como irresponsabilidade, própria de uma mãe-má e não de uma pessoa que precisa de cuidados. Tem algumas mães que não ligam, (…) que tem crianças que toma o coquetel e que não fazem, na verdade não tem adesão como deveria ter de tá pegando a medicação todo mês… tudo direireitinho. Entao, eu acho que na verdade a mãe nem se ama, porque se faz isso com o filho, não se ama. (Profissional 4) No que se refere aos direitos reprodutivos das mulheres com HIV+, os discursos dos profissionais se reduzem à sua possibilidade de engravidar. Já os direitos sexuais referem-se exclusivamente à liberdade dessas exercerem práticas homoeróticas. Em suas narrativas, os profissionais pontuam o caráter universal desses direitos, que em tese alçam a homens e mulheres. Os direitos reprodutivos tá bem claro, é o desejo da pessoa ter… planejar a sua prole, (…) tanto de homens quanto mulheres, terem filhos serem pais mesmo sendo HIV positivo (…) E com relação aos direitos sexuais, vamos dizer assim, das opções das pessoas expressarem sua sexualidade mais feliz. (Profissional 3). Direitos sexuais eu acho com relação a pessoa ser homossexual (…). (Profissional 4) Ademais, as narrativas sobre a profilaxia da transmissão vertical (TV), ao justificarem a possibilidade da gravidez HIV+ com baixos riscos para o bebê, mantém a centralidade da maternidade nas históricas produções sociais sobre o feminino, e conseqüentemente o uso do corpo, assim como fundamentam as ideologias e práticas contrárias ao abortamento/aborto. Eu vejo a maternidade delas como algo natural… A gente está aqui pra apoiá-las na decisão delas pra instrui-las dos riscos que elas correm, quando elas já sabem que tem o vírus, mas também da possibilidade que elas tem de fazer o tratamento e diminuir esse risco, e também da possibilidade de se ela tiver tão gritante essa maternidade, essa vontade de ter filhos, a possibilidade também de adoção (…) (Profissional 8). As narrativas sobre aborto são pautadas por valores morais, religiosos, e, sobretudo, ideológicos que fundamentam a oposição dos profissionais de saúde frente à decisão da mulher de interromper sua gravidez. Impera nas discursividades dos profissionais dos serviços uma metáfora de vida em defesa da criança, a partir da qual falar em aborto equivale a metaforizar a morte, contrariando os princípios biomédicos que organizam os serviços. A gente sempre trabalha independente da situação para preservar a vida. Então, a atitude minha enquanto [profissional] e da formação que eu tive, na época em que fui formado é sempre lutar contra o aborto, (…) exceto naquelas situações em que estão regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Código Penal Brasileiro (Profissional 3). Embora, os profissionais reconheçam a importância de respeitar a decisão da mulher frente a essa prática – aborto/abortamento –, o posicionamento final, em qualquer situação, é o de tentar convencê-la a desistir da interrupção da gravidez. Corroborando com Adesse (2006), percebe-se que os valores, que tangenciam a interrupção da gravidez, têm colaborado, de sobremodo, para ofuscar sua amplitude no campo clínico e da saúde pública. CONSIDERAÇÕES: O tema HIV/AIDS associado à maternidade é polêmico e delicado. Os discursos dos profissionais não deixam dúvidas quanto ao comprometimento com a qualidade do cuidado, embora o cotidiano desses serviços seja marcado por dilemas entre posturas humanizadas, éticas e técnicas. É fato que o cuidado integral e humanizado no contexto da maternidade HIV+ demanda profissionais de saúde capazes de refletir sobre sua prática cotidiana junto aos usuários/usuárias. Por outro lado, os profissionais dependem também de outros tantos fatores como processos de trabalhos instituídos, redes de serviços organizadas, políticas priorizadas, dentre outros. Tais resultados apontam, ainda, a necessidade de fomentar debates sobre iniqüidades de gênero, que possibilitem o cuidado integral que alcancem às demandas singulares das mulheres soropositivas, em seu amplo exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Assim, advogamos na crença e na esperança de novas compreensões e caminhos a serem trilhados coletivamente, na construção de uma sociedade mais justa, humana e solidária para as mulheres e para as pessoas vivendo com HIV/AIDS. REFERENCIAS: Adam P, Herzlich C. Sociologia da doença e da medicina. São Paulo: Edusc, 2001. Adesse L. Assistência à mulher em abortamento: a necessária revisão de práticas de má conduta, preconceito e abuso. IN: Deslandes SF, organizadora. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. Barbosa RHS. Mulheres, reprodução e AIDS: as tramas da ideologia na assistência à saúde de gestantes HIV+ [tese]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, 2001. [acesso em: 10 de fev. 2011]. Disponível em: http: //portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00006701&lng=pt&nrm=iso. Bardin L. Análise de conteúdo. 3 ed. Lisboa: Ed. 70, 2004. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: a pesquisa qualitativa em saúde. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010. Scott JW. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação e realidade [periódico online] 1995. [acesso em: 15 fev 2011]. Disponível em: http: //s3.amazonaws.com/files.posterous.com/musadesastrada/toxbpezmr4ocbywrri74eqvuffbtx8td8p1xgbipd4hrvo0xschhwtklry99/joan_scott_genero.pdf?awsaccesskeyid=akiajfzae65uyrt34aoq&expires=1321692281&signature=wc%2fcolbkhh28n%2fgll9wevyb5f4c%3d. Spink MJ, Medrado B. Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem teórico metodológica para análise das práticas discursivas. IN: Spink MJ, organizadora. Práticas discursivas e produção dos sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metdológicas. São Paulo: Cortez, 2004. Spink MJ. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, 2004. [1] O trabalho é inédito e foi aprovado junto ao Comitê de Ética em Estudos Humanos e Animais (CEEHA) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), protocolo 0031/270611. [2] Bacharel em Psicologia com enfasê em processos clínicos e saúde coletiva pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), gilney.costa@yahoo.com.br. [3] Psicóloga, Doutora em Saúde Coletiva professora adjunta da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), julianasmp@hotmail.com. [4] Psicólogo, Mestre em Educação em Pesquisa professor adjunto da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). mribeiro272527@hotmail.com.