Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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PERFIL DAS FAMÍLIAS DOS ADOLESCENTES DEPENDENTES QUIMICOS ATENDIDOS NO CAPS-CRIAA-UFF
Helcio Fernandes Mattos, Anna Maria Nunes Souza, Nathália Oliveira, Igor Sangenis

Resumo


INTRODUÇÃO: O atendimento oferecido no CAPSAD-CRIAA-UFF considera não só a dimensão médica, mas também as condições sócio-culturais dos adolescentes e suas famílias.[1] A família como grupo básico de socialização primária tem a responsabilidade de proporcionar ao adolescente as condições adequadas a seu desenvolvimento biopsicosocial. Estudos e pesquisas a respeito das causas da dependência química apontam para algum tipo de fracasso familiar que não se relaciona apenas à classe sócio-econômica, e sim, às características internas do grupo familiar, os complexos conflitos anteriores ao aparecimento do problema. OBJETIVOS: A partir da seleção aleatória do prontuário de vinte adolescentes matriculados no decorrer do ano de 2010, analisar a realidade familiar a fim de estabelecer as conexões com a problemática apresentada afim de explorar as dinâmicas, descobrir os valores e encontrar as redundâncias. Conforme Cirillo[2] trata-se de uma pesquisa das “homologias estruturais” através da qual o fenômeno observado é explicado pelo “paralelismo de duas estruturas: o comportamento do indivíduo dentro de sua própria história afetivo-relacional e o processo familiar e de outro pela concomitância histórico social”. Significa buscar as correspondências estruturais da dependência química, pois apenas os modelos causais simples ou os métodos estatísticos não fornecem explicações. METODOLOGIA: Pesquisa qualitativa por amostragem através a análise dos dados colhidos no momento da chegada do adolescente ao serviço. Foi levantada também a última anotação do prontuário para verificação de sua permanência. Foi considerado adolescente o indivíduo de ambos os sexos de 11 a 18 anos completos. Por se tratar de pesquisa qualitativa não será feito tratamento estatístico e suas conclusões não podem significar generalizações. FUNDAMENTOS TEÓRICOS: Os primeiros estudos surgidos em 1975 sinalizaram a forte ligação do dependente químico em relação à familia. Da extensa bibliografia existente, apresentaremos os que nos pareceram mais significativos para este estudo. Madanes, Dukes, Harbin[3] sinalizaram a subversão das fronteiras intrafamiliares enfraquecidas por diversas coalisões. Stanton,[4] abordou a “pseudodeterminação”, o uso de drogas associado a comportamentos transgressivos mostrando que a aparente emancipação em relação aos pais seria uma conquista ilusória. Sheldler e Block ao final de uma pesquisa de quinze anos acompanhando o desenvolvimento de cem crianças, dos três aos dezoito anos, concluíram que: “a dependência das drogas tem como causa primeira a fragilidade da personalidade do jovem não enquanto vulnerabilidade constitucional, mas decorrente do desenvolvimento relacional insatisfatório”.[5] DADOS DA PESQUISA: - 90% do sexo masculino dos quais metade -50%- com 17 anos. Meninas não usam drogas? Ou recusam mais o tratamento? Não foi encontrado nenhum adolescente na faixa etária de 11 a 13 anos e na mais alta apenas 10%. - Baixo nível de escolaridade: 80% com ensino fundamental incompleto, restante 20% ensino médio incompleto o que sinaliza para a futura dificuldade de inserção no mercado de trabalho. -Configuração familiar: embora 50% estivessem institucionalizados, 55% tinham pais vivos, 40% eram separados. Situações como pais falecidos, pai ou mãe falecido, pai encarcerado, 40% de pais separados permitem entrever as tragédias que concorreram para a atual desestruturação e dificuldade em envolver a família no tratamento. - Não foi possível obter outros dados importantes como: escolaridade e ocupação dos familiares, número de irmãos, posição na fratria. Apenas 25% tem uma família alongada avós e tios/as, o que poderá significar uma rede de apoio. O uso abusivo de álcool/drogas foi encontrado entre pais/irmãos, tios/primos em 35% das famílias. - A situação econômica foi avaliada como baixa em 35% enquanto 10% se encontravam em situação de miséria. - No tocante às instituições a que essas famílias recorreram há um predomínio maciço de instituições governamentais, 85% (conselho tutelar, casa de passagem, criad entre outras) sendo que 20% delas haviam recorrido anteriormente a instituições particulares ou religiosas. - Outros dados importantes se referiram as situações individuais como: fugiu cinco vezes da instituição onde se encontrava cumprindo medida sócio-educativa; expulso de casa pela mãe por envolvimento com o tráfico (15anos); criado por família substituta até aos sete anos, encontra-se institucionalizado; não conheceu os pais, sempre esteve abrigado. Situações que reforçam a complexidade dos problemas apresentados. - O atendimento proposto foi: grupo de motivação e oficinas – 30%; terapia individual – 15%; acompanhamento psiquiátrico -10%; internação e acompanhamento clínico – 5% cada. Em 15% não houve qualquer indicação, não retornaram após o primeiro contato. Quanto às famílias, 10% receberam indicação de grupo de motivação. - Um adolescente foi transferido para outro estado e 95% abandonaram o atendimento no decorrer do ano em que procuraram a instituição, 2010. CONCLUSÕES: Em primeiro lugar a dificuldade em se coletar dados que permitam uma visão mais completa e aprofundada da realidade familiar do adolescente. A complexa problemática familiar se mostrou anterior ao aparecimento da dependência química, portanto a situação familiar é uma de suas causas devendo ser parte integrante do tratamento. A fragilidade ou inexistência de um “Aparelho Psíquico Familiar”[6] o Eu Familiar, capaz de proporcionar condições ao desenvolvimento biopsicossocial do adolescente sinaliza para as diferentes formas de abandono quer dissimulado, desconhecido ou real[7]. Faz-se necessário que as instituições voltadas ao trabalho com essa clientela tenham condições mínimas de preencher algumas das funções familiares principalmente a de “continente”,[8] ou seja, “ser parte de”. O tratamento destas famílias tem que ser motivado e trabalhado desde o primeiro contato com o serviço para que ela perceba que os conflitos e desajustes não são apenas do adolescente, ela também necessita de ajuda. A grande maioria dos casos, por se tratar de famílias multiproblemáticas, exige o recurso a outras instituições, trabalho em rede. A importância de uma equipe capacitada para o atendimento destas famílias requer conhecimentos teóricos e prática clínica específicos. A dificuldade da instituição em manter uma equipe capacitada e estável demonstra as precárias condições que, por vezes chegam a impedir o desenvolvimento da atuação. [1] MATTOS, H.F. (org.) 2004 “Dependencia Química na Adolescência. Tratar a dependência de substancias no Brasil”. Companhia de Freud Ed. Rio de Janeiro. [2] CIRILLO,S. et al. 1997 “La Famille du Toxicomane”Esf. Ed. Paris.p.46 [3] MADANES, C. et al. 1980 –“Family ties of herione addicts” Arch. Gen. Psychiatry, 37 [4] STANTOS,M.D. “Famille et toxicomanie” Thérapie Familale nº6 [5] SHEDLER, & BLOCK,1990 in CIRILLO,S. op.cit. [6] EIGUER, A. 1989 “Complicités perverses entre le toxicomane et sa famille” Cahiers Cliniques, Ado. Tox. PUM Toulouse. [7]CIRILLO,S. op. Cit. [8] SOUZA, A.M.N. 1997 “A Família e seu Espaço.Uma proposta de terapia familiar”. AGIR ED. Rio de Janeiro.