Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Produção do Cuidado na rede psicossocial: experiências de usuários com o grupo para Gestão Autônoma da Medicação (GAM).
Maria Salete Bessa Jorge, Lianna Ramalho de Sena Rosa, Rosana Teresa Onocko-Campos

Resumo


Objetiva-se analisar as experiências vivenciadas pelos usuários do Centro de Atenção Psicossocial no desenvolvimento do grupo para Gestão Autônoma da Medicação (GAM). O GAM constitui uma proposta participativa de discussão e reflexão sobre o uso de medicamentos psicotrópicos, com a finalidade de disparar autoconhecimento e autonomia e buscar o diálogo no sentido de reduzi-los, a fim de construírem experiências significativas em sua vida social e individual. Conceitualmente, a autonomia, ainda que como um vir-a-ser, merece ser resgatada como uma condição de saúde e de cidadania, da própria vida, um valor fundamental, portanto, mas que não é nem pode ser absoluta. É relativa e relacional, como mencionado, e deve ser construída em um processo de produção contínua em uma rede de dependências bastante maleável e que necessariamente se vê reduzida no adoecimento. Opta-se pela pesquisa qualitativa, dentro de uma perspectiva hermenêutica na busca de sentidos e significados, que protagoniza a vivência dos participantes do grupo GAM. Realizado nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) Geral e Álcool e outras drogas (AD) do município de Maracanaú-CE. Como participantes constou-se com cinco usuários de CAPS Geral e Ad do referido município. Técnica de coleta foi entrevista em profundidade e a análise pautada na hermenêutica. Os resultados apontam que as narrativas dos usuários desvelaram, em todo o processo de discussão sobre a medicação, a evidente importância da escuta e do acompanhamento individua, ampliação do conhecimento sobre a medicação no sentir de produção de autonomia para uma vida saudável. A categoria Ressignificação do tratamento psiquiátrico indica uma síntese narrativa apresenta o cotidiano de vida social dos usuários atendidos no CAPS e sua interlocução com os profissionais. Nesse caso, a condução terapêutica é relatada na ótica de quem está sendo assistido pelo serviço de saúde mental. É possível apreender práticas e vivências da relação social após o ingresso no tratamento, reconhecimento do significado do medicamento e do equilíbrio psíquico-emocional. Na tentativa de cumprir a premissa da atenção psicossocial, os CAPS disponibilizam diversos dispositivos para reflexão, discussão e implantação estratégica de interlocuções sociais entre usuários, familiar, equipe de saúde e sociedade como um todo. No entanto, a vivência do usuário emite os valores e percepções envolvidas nessa interação social cotidiana. De modo geral, a confiança recebida pelas pessoas com as quais o usuário convive é bem diferente do que se pensa nas intenções terapêuticas. Como evidenciado, até mesmo o núcleo familiar tende a diminuir o grau de confiabilidade no usuário por motivos ligados ao seu adoecimento. Freqüentemente o processo de inversão desta situação se inicia em casa. Os usuários procuram demonstrar suas necessidades pessoais bem como suas dificuldades no sentido de obter apoio e ajuda dos próprios familiares. Como observado o ato prescritivo da medicação realizado pelo médico passa a ser revisto pelos usuários, e, desse modo, entendem a fórmula farmacológica como apenas uma das necessidades para sua saúde sendo até mesmo cogitada a desnecessária adoção desta prática. Neste âmbito é interessante notar a relevante preocupação com a dependência ao medicamento prescrito no tratamento dos usuários. Revelaram sentimentos de prazer, ocorrências de mudanças na afetividade com os profissionais, familiares para dialogar sobre sua doença e a escolha de seu tratamento discutindo com os profissionais de saúde. Nessa perspectiva, o sentido co-gestivo do grupo GAM apresenta-se nas narrativas com a expressão significativa do empoderamento dos participantes em seus processos terapêuticos. A inovação terapêutica ocorre pela indagação dos usuários sobre seus sofrimentos, transtornos e dificuldades bem como pela forma adotada por eles e pela equipe de saúde mental na conduta ao equilíbrio psicossocial. A abordagem singular dos usuários possibilitou uma melhoria significativa no estado de saúde mental e na compreensão do adoecimento. Outro ponto discutido diz respeito a Construção da sua autonomia: território, abordagens terapêuticas e intersubjetividades, as quais emergem nas narrativas, as relações dos usuários convergem nos atributos dos sentidos e significados da convivência com a comunidade, nas práticas terapêuticas e na interação com outros usuários, família e equipe de saúde. Logo, a construção da autonomia está transversalizada nas experiências cotidianas, singulares e subjetivas. Consoante se percebe, o estigma da doença mental ainda domina nas representações construídas pela sociedade. Evocam-se as pessoas como objetos caracterizados por aquilo que mais querem superar: o transtorno mental. Atribui-se conotações pejorativas a atitudes corriqueiras que exigem o mínimo respeito possível, quiçá cordialidade. A vivência desse choque relacional emana mais sofrimento quando é preciso aceitar tal situação por conveniência. Outro aspecto relevante apreendido relacionado à Gestão autônoma da medicação e atenção psicossocial: tecendo uma rede de cuidados entre os serviços de saúde, familiares e comunidade, possibilita compreensão do fenômeno apontando que possibilita a assistência em saúde mental dos usuários no SUS a partir das práticas operadas nos serviços de saúde, nos domicílios e comunidade. Neste âmbito, a cidadania torna-se o objeto principal das atividades desenvolvidas para emancipação e autonomia do usuário em seu viver. Desse modo, equipes de saúde, familiares, usuários e familiares compartilham saberes e atitudes voltados para a gestão autônoma da medicação. Percebe-se que as atividades do grupo GAM facultaram o aprendizado sobre os direitos do usuário do SUS. Pela legislação brasileira, a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Sendo assim, os usuários tomam consciência da oferta necessária de serviços para o atendimento das suas demandas e problemas de saúde. O processo de reconhecimento dos seus direitos enfatiza os princípios da universalidade, integralidade e equidade da atenção à saúde. Conclui-se que como se evidencia, com o GAM os usuários motivaram-se para se expressarem e, assim, mediante diálogos, os vínculos foram fortalecidos. O fortalecimento do vínculo entre os outros usuários do grupo o configura como unidade, Isto é, grupo configura, também, reflexões e valorização do encontro entre usuários e os profissionais dos CAPS AD e CAPS Geral. Tanto as discussões como as experiências proporcionaram momentos desencadeadores de autonomia dos usuários no sentido de encorajar ao diálogo com seu médico sobre a medicação, seus sintomas, inclusive propondo redução do medicamento. Este diálogo foi escutado.