Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O curso técnico de Agente Comunitário de Saúde: qualificação e a construção da identidade profissional
Mariana Lima Nogueira

Resumo


O objetivo da referida pesquisa é: analisar a relação do curso de formação técnica de Agente Comunitário de Saúde (CTACS), oferecido na Escola Politécnica de Saude Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), na construção da identidade profissional dos alunos Agentes Comunitários de Saúde. O profissional ACS carrega em suas atribuições de trabalho o potencial para a troca de saberes entre a população assistida a partir da práxis. Neste sentido, este estudo contribui para ratificar a discussão do lugar da formação profissional no reconhecimento do saber destes trabalhadores de nível médio. A partir deste estudo foi possível identificar também de que maneira o curso de formação de ACS têm influenciado no trabalho destes profissionais, destaca-se também a relevância deste estudo por se propor a analisar a formação e a identidade profissional do ACS na perspectiva destes atores. Realizou-se uma análise sobre as repercussões da formação do ACS na construção de sua identidade profissional, o que permitiu desvelar elementos que promovem o reconhecimento social do trabalho do ACS, e que devem ser incorporados na formação e no discurso dos ACS. Este estudo caracteriza-se por ser descritivo com abordagem qualitativa. Tendo por referência Minayo (2008), esse estudo justifica-se qualitativo por analisar as repercussões da formação profissional na construção da identidade do ACS a partir das vivências dos atores envolvidos neste processo.Os cenários da pesquisa foi a EPSJV localizada na área programática de saúde 3.1 no município do Rio de Janeiro. Optou-se por esse cenário devido a EPSJV ser a única no estado do Rio de Janeiro a oferecer as três etapas do curso de formação técnica ACS. Esta investigação foi realizada no período de setembro do ano de 2009 à setembro de 2011.O protocolo de pesquisa e o instrumento de coleta de depoimentos foram fundamentados na resolução 196 (BRASIL, 1996) e aprovados pelo Comitê de Ética da EPSJV. O roteiro de entrevista aborda questões fundamentadas nos objetivos do estudo (apêndice A). Foram entrevistados 15 (quinze) alunos do CTACS que estavam matriculados na última etapa do curso.Para compreensão e análise dos depoimentos dos ACS e foi utilizado o referencial teórico da hermenêutica-dialética. De acordo com Minayo (2008, p.168): “a hermenêutica-dialética constitui um importante caminho do pensamento para fundamentar pesquisas qualitativas, cobrindo também uma quase ausência de pesquisas de fundamentação marxista que levem em conta a subjetividade”. Este referencial ao fundamentar – se na síntese da compreensão hermenêutica do que o sujeito tem a dizer sobre sua vivência às idéias críticas do processo de transformação da realidade dialética, é adequado aos objetivos do projeto por contribuir para que os sujeitos do estudo se sintam a vontade para falar sobre a temática de formação do ACS e identidade profissional. Parte-se do entendimento da realidade enquanto cenário em constante transformação, permeado por contradições e por sujeitos sociais. Neste sentido, para pensar o mundo dialeticamente é necessário atentar para as contradições de cada síntese da realidade e aliar o pensamento teórico à prática social. Assim, para Marx, o conhecimento é algo processual, e a mudança concreta é possível a partir do trabalho (KONDER, 1994).Foram entrevistados 15 alunos do CTACS, sendo 2 homens e 13 mulheres. Em relação à escolaridade todos cursaram o ensino médio completo. O tempo de experiência profissional atuando como ACS na Estratégia Saúde da Família variou de 2 anos e 6 meses até 7 anos. O vínculo empregatício de todos os entrevistados é regime CLT, carteira assinada. A partir da análise dos depoimentos, foi possível chegar as seguintes considerações: - Sobre a escolha de ser ACS: A escolha pelo emprego de agente comunitário de saúde, segundo todos os entrevistados, partiu da possibilidade de trabalhar na comunidade onde residiam e, pelos mesmos estarem em situação de desemprego à época da seleção. Além disso, a maioria se candidatou para o trabalho de ACS sem saber o que era a função: “na verdade eu já estava desempregada, porque eu trabalhava na Tele-Rio, tinha ficado desempregada (...) Na realidade eu nem sabia direito o quê que era”. Tati “(...)eu fiquei desempregada, morando na comunidade ali...bom, aí veio...(...), eu fui saber disso lá no... na Associação da Comunidade Agrícola, e eu vim me inscrever. Amanda “(...) tava desempregada mesmo, tava oito anos parada, sem trabalhar, era uma oportunidade de eu trabalhar na comunidade, perto de casa, podia olhar meu filho” MargareteApesar do desconhecimento de quais são as funções do ACS e da Estratégia de Saúde da Família no momento em que se candidataram a este trabalho, os ACS depois de inseridos no serviço destacam a importância de sua atuação nas áreas: de prevenção de doenças e principalmente de promoção da saúde. Todos citam a importância do estabelecimento de vínculo de confiança com as famílias que acompanham.- Sobre o Curso Técnico de ACS da EPSJV: Os alunos do CTACS apontam o curso como uma conquista, como uma formação que lhes proporcionou conhecimentos que valorizam e subsidiam sua prática profissional, além de contribuir na relação dos ACS com a comunidade e em relação a sua autonomia junto à equipe de saúde. “Significa pra mim conhecimento, significa pra mim expansão, significa pra mim direitos, oportunidade de lutar por alguma coisa maior, por ideais que a gente sabe quais cê ainda não alcançou.(...) antes questões que aos nossos olhos, a gente não sabia, quais eram os nossos direitos, a gente não sabia que o ACS tinha tanta importância em tantas coisas... A questão das portarias, por exemplo, das leis, a gente não tinha muitos conhecimentos e, depois do curso, esses conhecimentos vieram à tona. Então, pra mim, tá fazendo o curso é uma vitória, confesso que é uma vitória(...)” Madalena - Expectativas após o CTACS em relação à comunidade: O CTACS proporcionou aos alunos, segundo os depoimentos, mais conhecimento para realizar atividades educativas tanto coletivas, como grupos de educação em saúde, quanto individuais, como nas visitas domiciliares.- Expectativas após o CTACS em relação à equipe de saúde da família: Todos os entrevistados ressaltaram a divisão técnica e social do trabalho que está presente nas equipes multiprofissionais da ESF. Destacaram uma não valorização por parte da equipe, dos saberes dos ACS, mas acreditam que com o curso conseguirão transformar, ou melhorar, essa relação.- Expectativas profissionais Os ACS valorizam seu lugar na equipe de saúde e destacam a importância da profissão para a melhoria da qualidade de vida das pessoas atendidas pela ESF, porém ressaltam que não há plano de carreira/ salário e isso os faz almejar outras profissões. Todos os entrevistados falaram sobreo desejo de realizar o ensino superior completo.“Olha, eu queria muito continuar como ACS, me aposentar até como ACS, mas em relação ao lado financeiro (risos)... Porque eu gosto do que eu faço, entendeu, eu faço com prazer. Quando eu consigo resolver algum poblema de alguém, ajudar, olha, eu fico gratificada, aquilo ali é o meu pagamento. Só que isso, não é só isso, né, até porque eu tenho dois filho, eu quero dar o melhor pra eles. Então a questão é... eu tô fazendo também outro curso, fora esse.” AmizadeConsiderações FinaisA formação profissional do ACS é processo essencial na reflexão e elaboração do conhecimento específico e saber deste trabalhador, conforme se verificou nas entrevistas.Os ACS ao atuarem no cotidiano de suas comunidades e vivenciando seus processos de trabalho conseguem definir a profissão como essencial para a melhoria da qualidade de vida da população a partir do estabelecimento de vínculo e relação de confiança com a comunidade e de ações de promoção da saúde. O CTACS representou para os alunos um espaço de troca de saberes, de afirmação dos seus conhecimentos e importância de sua prática profissional. Apesar dos mesmos relatarem que há falta de reconhecimento da categoria profissional ACS por parte das equipes, afirmam que o CTACS os auxiliou na tentativa de reverter essa situação, fornecendo-lhes ferramentas para se posicionarem e argumentarem nos seus cotidianos de trabalho.