Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Qualificação dos Trabalhadores Técnicos em Hemoterapia: Primeiros olhares
Isis Pereira Coutinho, Márcia Cavalcanti Raposo Lopes, Daiana Crús Chagas, Janete Gonçalves Evangelista, Roberta de Carvalho Corôa

Resumo


Este trabalho apresenta resultados parciais de um estudo que integra a pesquisa “Qualificação dos Trabalhadores Técnicos em Saúde” desenvolvida no âmbito da Rede ObservaRH/MS/OPAS pelo Observatório dos Técnicos em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz. Pretende-se trazer elementos para análise do processo de qualificação dos trabalhadores técnicos em hemoterapia, profissional que está colocado na pauta de investimentos da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde – SGTES do Ministério da Saúde, através do Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde – PROFAPS, que está pautado na escassez da oferta de cursos técnicos em saúde, notadamente em determinadas regiões do país, como é o caso das Regiões Norte e Nordeste. Nestes termos, esta investigação se dedica a produzir uma reflexão sobre este trabalhador, buscando compreendê-lo dentro da conjuntura política e social na qual sua formação vem sendo colocada e buscando assinalar questões mais ampliadas que perpassam sua qualificação profissional. Entretanto, cabe ressaltar que, acerca deste trabalhador há, ainda, uma produção acadêmica incipiente, tanto do ponto de vista da ergonomia e suas práticas profissionais, quanto da constituição histórico-social do seu campo de trabalho. Em um primeiro momento de pesquisa, o grupo se dedicou a levantar documentos e bibliografia que pudessem ajudar a compor o cenário no qual surgem e se desenvolvem as atividades deste trabalhador. Neste processo, verificou-se o surgimento dos primeiros Bancos de Sangue no Brasil na década de 1940, sendo a primeira política do sangue dispondo sobre o exercício da atividade hemoterápica no país, datada somente de 1965. No início da década de 1980, surge uma nova tentativa de reestruturação do campo, através da criação do Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados (Pró-Sangue), que tinha por finalidade atualizar e aprimorar a política específica para o setor, auxiliando na promoção de sua efetiva implantação. No entanto, o advento da epidemia mundial de Aids, difundida a partir da década de 1980 e 1990, sobrepôs-se ao desenvolvimento das ações do Pró-Sangue, impulsionando um ritmo acelerado para implementação de ações de controle e qualidade do sangue no Brasil. Neste momento, o papel desempenhado pela sociedade civil, através de campanhas públicas promovidas principalmente por ONGs de apoio aos soropositivos, influenciou de forma decisiva o aprimoramento da política de sangue do país. Apenas nos anos 2000, em um contexto econômico, social e epidemiológico bastante distinto daqueles anos iniciais da epidemia da AIDS, foi editada uma nova ação para o setor. Em 2001, a Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, regulamentou as questões pertinentes à coleta de sangue, sua distribuição e de seus componentes e derivados, estabelecendo como deveria ser organizado o serviço. Cabe ressaltar que, foi em 1990, que o Ministério da Educação regulamentou a habilitação de técnico em hematologia e hemoterapia, ofertado à pessoas que concluíram ou que estavam concluindo o ensino médio. Dentre as justificativas mobilizadas na criação desta habilitação, encontravam-se os problemas relacionados à qualidade do sangue, e à epidemia da AIDS. Ao localizarmos algumas das distintas políticas de sangue no país evidenciou-se que estas pouco contemplaram a formação do trabalhador técnico em hemoterapia, destacando prioritariamente a formação do trabalhador de nível superior. Para além do que estipulou o Parecer acerca da formação técnica em hematologia e hemoterapia, não conseguimos identificar políticas, ações ou mesmo instituições aonde a formação deste trabalhador pudesse estar ocorrendo, fosse no âmbito do Ministério da Saúde, ou da Educação, ou mesmo sua profissionalização ou organização. Para nós, inclusive, ficou evidenciada uma grande lacuna acerca da história e da trajetória desta categoria de trabalhador e de sua atuação. Nesta pesquisa, a noção de qualificação é assumida como uma relação social, tal como vem sendo formulada no âmbito da sociologia do trabalho, e nos permite refletir sobre as questões acima expostas sem destituí-las de seu componente histórico-social. Pensar sobre o que é qualificação e o que é um trabalhador qualificado, exige considerar em uma perspectiva histórica as diferentes condições sociais, econômicas, políticas e culturais nas quais estas noções se inscrevem. Isso significa que as sociedades constroem critérios para definir e julgar o que é um trabalho qualificado (Tartuce, 2004). De posse desta conceituação vimos nos dedicando a estudar a trajetória escolar e ocupacional do trabalhador técnico em hemoterapia, buscando contribuir para o entendimento do processo de qualificação dos trabalhadores técnicos em hemoterapia do sistema público de saúde. É importante ressaltar que se entende que a trajetória construída pelos trabalhadores não se constitui simplesmente a partir de opções e capacidades individuais dos sujeitos, mas depende, entre outras questões, da oferta dos postos de trabalho, da apreciação conjuntural e socialmente variável dos atributos do trabalhador e de seu capital (social) acumulado para localizar e obter colocação num posto de trabalho (Guimarães, 2002). Em função da complexidade da organização do processo produtivo, na realização de atividades relacionadas à hemoterapia é gerada a exigência de um trabalho diferenciado daqueles mais tradicionais existentes nos laboratórios de biodiagnóstico. Em conseqüência disso, surge uma demanda específica de formação técnica de nível médio em hemoterapia. No entanto, vimos constatando que a maior parte dos trabalhadores técnicos atuando na área esta formação, sendo muito comum encontrarmos nas unidades hemoterápicas técnicos em laboratório, análises clínica e patologia clínica que obtiveram sua formação através de cursos realizados durante o exercício da profissão. A formação deste trabalhador ocorre praticamente, ou pelo menos em sua maioria, durante o processo de trabalho, e levantamos a hipótese de que este fato está relacionado a uma reconfiguração do campo que só começou a se estruturar nas últimas décadas – como exposto acima –, e à conseqüente indefinição de políticas de trabalho e educação que paira sobre a área. É nesse contexto de escassez de recursos a formação e indefinição de políticas de trabalho, que o profissional técnico da área de hemoterapia tem que construir estratégias para sua qualificação. Estas estratégias constituem-se do aprendizado com outros profissionais, além da realização de cursos de pequena duração em instituições-referência da área e online. Vale ressaltar que, atualmente, existe uma proposta do governo federal, através do Profaps, para formar recursos humanos de nível técnico em saúde, entendendo que a formação nestas áreas encontra-se incipiente e até inexistente. Este programa busca amenizar e redistribuir em todo território nacional a formação de algumas habilitações técnicas em saúde, incluindo aí, os técnicos em hemoterapia[1].